Ricos aos olhos de Deus
Lectio divina para o Domingo XVIII do tempo comum (ano C) – 31/7/2022
Breve introdução
Que imagem de Deus tem a nossa sociedade? Que imagem de Deus tenho eu? Estas duas questões podem ajudar-nos a compreender a pertinência e atualidade das palavras de Jesus que hoje meditamos.
Muitas pessoas que não acreditam em Deus, partem do princípio que nós, os cristãos, por sermos fracos, precisamos de Deus para resolver os nossos problemas. Esta visão, profundamente redutora de quem é Deus e de quem somos nós, infelizmente talvez não esteja muito distante daquilo que, como crentes, às vezes vivemos. É fácil querer que Deus esteja ao nosso serviço. Mas será isso que Ele quer? Será esse o caminho da nossa felicidade e realização?
Toda a vida de Jesus é uma expressão de serviço e amor de entrega. Para tal, Ele mostra-se livre de tudo e de todos, e, sobretudo, de Si próprio. De facto, só quando se tem um coração disponível e desprendido, se pode amar e servir. Só assim se é verdadeiramente rico e se pode saborear uma felicidade autêntica e contribuir para um mundo novo.
Esse caminho, que Ele traçou com a Sua própria vida, é a proposta que também nos dirige a nós. Ser ricos aos olhos de Deus, vivendo ao serviço dos outros, de coração livre e desprendido.
1. Invocação
Senhor Jesus Cristo,
que vivestes a liberdade do amor e do serviço,
dai-nos um coração sempre aberto à Vossa Palavra.
Que o Vosso Espírito de amor faça com que a Palavra que escutamos
nos ilumine e transforme a nossa vida.
Que Ela desperte em nós o desejo de Vos amarmos mais
e de servirmos os nossos irmãos com simplicidade e liberdade de coração. Ámen.
2. Escuta da Palavra de Deus
2.1. Vamos escutar uma passagem do Evangelho segundo São Lucas
Nos textos dos evangelhos, sobretudo no evangelista São Lucas, é frequente encontramos passagens em que Jesus é interpelado por alguém, aproveitando essa interpelação para apresentar ou aprofundar algum aspeto da Boa Nova que veio anunciar. No texto que meditaremos, é precisamente isso que acontece. A partir da preocupação de alguém que faz um pedido a Jesus, Ele deixa-nos indicações importantes e muito valiosas sobre o caminho de vida nova que nos veio trazer.
2. 2. Leitura do Evangelho segundo São Lucas (Lc 12, 13-21)
Naquele tempo, alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: «Mestre, diz a meu irmão que reparta a herança comigo». Jesus respondeu-lhe: «Amigo, quem Me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?». Depois disse aos presentes: «Vede bem, guardai-vos de toda a avareza: a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens». E disse-lhes esta parábola: «O campo dum homem rico tinha produzido excelente colheita. Ele pensou consigo: ‘Que hei-de fazer, pois não tenho onde guardar a minha colheita? Vou fazer assim: Deitarei abaixo os meus celeiros para construir outros maiores, onde guardarei todo o meu trigo e os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Minha alma, tens muitos bens em depósito para longos anos. Descansa, come, bebe, regala-te’. Mas Deus respondeu-lhe: ‘Insensato! Esta noite terás de entregar a tua alma. O que preparaste, para quem será?’. Assim acontece a quem acumula para si, em vez de se tornar rico aos olhos de Deus».
Palavra da salvação
(momento de silêncio para interiorizar a Palavra)
2.3. Breve comentário
O pedido que é feito a Jesus tem que ser entendido à luz do que era a prática em termos de heranças naquele tempo, em que era frequente o filho mais velho ser o único herdeiro dos bens existentes. Por isso, aquele pedido, em si, parece fazer sentido e até estar em linha com o Boa Nova pregada por Jesus.
No entanto, Jesus aproveita a circunstância para falar sobre uma realidade, muito atual naquele contexto religioso, e que ainda hoje o é: a tentativa de instrumentalização de Deus. Ou seja, aquele homem que apresenta o pedido, quer que Jesus faça o que ele deseja. É o desejo de que Deus me conceda o que me convém, que confirme os meus planos ou que esteja de acordo com o que eu penso. É por causa desta tentação, tantas vezes presente no coração humano, que tem toda a razão de ser o mandamento de “Não invocarás o Nome de Deus em vão”. Longe de qualquer leitura literal, este mandamento previne-nos de querermos fazer de Deus o que mais nos convém, de subjugá-Lo aos nossos interesses, pondo-nos a nós próprios no Seu lugar.
Jesus não responde ao pedido concreto, mas convida a evitar a avareza, numa lógica de vida diferente, que passa pelo desprendimento. A avareza a que Jesus se refere não se pode limitar ao desejo de bens materiais, mas estende-se a todas as outras ‘riquezas’, pelas quais o nosso coração anseia, como a sede desmesurada do conhecimento apenas para consumo próprio, ou até a satisfação egoísta pelas virtudes acumuladas ou o protagonismo diante dos outros.
Jesus apresenta uma riqueza diferente: em vez do acumular para si mesmo, ele propõe-nos tornar-nos ricos aos olhos de Deus. No fundo trata-se de querer agradar a Deus, no amor aos outros, pondo tudo o que somos e temos ao seu serviço. Sem procurar nada para nós próprios, o nosso coração encontrará assim a verdadeira riqueza, que é chave de felicidade.
3. Silêncio meditativo e diálogo
«Mestre, diz a meu irmão…»
* Estou aberto a Deus e à Sua vontade ou caio na tentação de querer que Ele faça o que eu quero? Procuro ativamente a Sua vontade na oração, na meditação da Sagrada Escritura e na partilha com os outros?
«Vede bem, guardai-vos de toda a avareza: a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens»
* Vivo com coração simples e agradecido, diante de Deus e dos outros? O que valorizo nos outros? E em mim?
«… Assim acontece a quem acumula para si, em vez de se tornar rico aos olhos de Deus»
* Procuro bens materiais ou espirituais, honras e reconhecimento por parte dos outros, numa lógica de acumular para mim? Ou empenho-me em servir os outros com o que sou e tenho? Na celebração da Eucaristia reconheço o gesto de desprendimento total e de entrega de Jesus, buscando imitá-Lo na minha vida?
4. Propósito e Oração final
– Ao longo desta semana, vou pedir com frequência a Deus que me dê gosto em procurar agradar-Lhe. Diariamente, sobretudo no meu exame de consciência diário, vou tentando discernir se procuro riquezas humanas, sejam elas materiais ou espirituais, ou se encontro alegria no desprendimento para melhor servir os outros e assim agradar a Deus
– Pai Nosso
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