Na visita “Ad Limina” dos bispos portugueses ao Vaticano, no passado mês de Setembro, o Papa mostrou-se preocupado com a “debandada da juventude, que tem lugar precisamente na idade em que lhe é dado tomar as rédeas da vida nas suas mãos”.
Será “porque não lhes interessa a oferta recebida” ou por essa oferta não dar “resposta às questões e interrogativos que hoje os inquietam”?
O Presente Leiria-Fátima ouviu jovens dos 16 aos 30 anos e procurou respostas. Os verbos “explorar” e “experimentar” poderão deixar algumas pistas.
Afinal, porque razão os jovens estão a abandonar a Igreja?
Na última visita “Ad Limina”, em setembro passado, o Papa Francisco alertou os Bispos portugueses para alguns motivos de preocupação na Igreja em Portugal, entre os quais, a “debandada da juventude”, logo após o sacramento do Crisma, precisamente na idade em que lhe é dado “tomar as rédeas da vida nas suas mãos”.
Convidando o episcopado a questionar-se sobre este abandono da Igreja, o Papa falou da necessidade de se passar “do modelo escolar ao catecumenal: não apenas conhecimentos cerebrais, mas encontro pessoal com Jesus Cristo, vivido em dinâmica vocacional segundo a qual Deus chama e o ser humano responde.”
O padre José Henrique Pedrosa, diretor do Departamento Diocesano de Educação Cristã, ajuda-nos a interpretar as palavras do Santo Padre, através de uma contextualização sobre a origem do catecumenado.
“Foi uma resposta que surgiu perante a necessidade de ajudar aqueles que desejavam tornar-se cristãos pelo Batismo (os catecúmenos) a fazer um percurso experiencial, de adesão global, responsável e comprometida à fé em Jesus Cristo”, numa caminhada em que, mais do que apenas uns encontros para transmitir os “conteúdos da fé”, se assumem atitudes e se “aprende a ser cristão”. Trata-se de uma integração progressiva na comunidade apoiada na oração e celebração da fé, no conhecimento das Escrituras, no aprofundamento dos conteúdos da fé e das suas implicações morais.
“O Papa Francisco quer reforçar esta necessidade de voltar a modelos catequéticos capazes de implicar a pessoa toda na relação com Jesus Cristo. Não fazer da catequese umas aulas sobre Jesus, mas um tempo de encontro com Jesus: “não apenas pôr em contacto, mas em comunhão e intimidade com Jesus Cristo (João Paulo II, CT 5)”, esclarece o sacerdote.
No “experimentar” é que está o ganho
Esta preocupação de se passar “do modelo escolar ao catecumenal” no atual caminho catequético da iniciação cristã “tem sido evidenciada em todos os documentos que a Conferência Episcopal Portuguesa tem publicado sobre a Catequese, desde que o Papa João Paulo II o afirmou na Exortação Pós-sinodal Catechesi Tradendae (1977), e que surge veementemente reafirmado no Diretório Geral da Catequese (DGC) (1997), que diz ser “dever da catequese mostrar quem é Jesus Cristo: a sua vida e o seu mistério, e apresentar a fé cristã como seguimento da sua pessoa.”, esclarece Cristina Sá Carvalho, responsável pelo setor da Catequese do Secretariado Nacional da Educação Cristã (SNEC).
Para que esta preocupação se reflita na prática, Cristina Sá Carvalho apresenta algumas orientações.
“É necessário perseverar na busca de uma metodologia de educação que favoreça as atitudes de fé, respeite a fidelidade a Deus e à pessoa e que transmita a fé da Igreja como fonte de alegria e de esperança. Por outro lado, deve-se favorecer uma educação de fé ‘orgânica e sistemática’, programa integral e integrador de toda a vida cristã, articulada com a liturgia e os sacramentos, na linha de uma tradição catecumenal, num processo que visa uma verdadeira iniciação cristã e uma forte experiência da fé cristã.”
O padre José Henrique fala de falta de “coragem” para descolar a catequese dos ritmos escolares.
“A catequese não é uma aula de 50 minutos, uma vez que, para fazer uma experiência de encontro, pode ser necessário mais tempo. Os grandes momentos da celebração da fé deverão ser os mais intensos também das caminhadas catequéticas, mas depois temos as ‘férias’ da catequese no tempo de Natal e da Páscoa.”
O “papel insubstituível” da família
Aos 16 anos, Cláudia Marcelo já está a começar a dar catequese ao 1.º ano em Caxarias. Vai receber o Crisma em março e, quando questionada sobre este tema, não hesita em apontar o facto de a “fé já não ser vivida no seio familiar como era antigamente” como uma das razões que leva os jovens a afastarem-se da Igreja.
João Lopes, 15 anos mais velho, partilha da mesma opinião, referindo-se concretamente à “deterioração da Instituição Família”.
“Nas famílias católicas, caímos frequentemente nos mesmos erros e acrescentamos a esta realidade a retirada de Deus lá de casa. Deus fica na igreja, ao domingo ou no grupo católico a que pertenço”, refere o jovem da paróquia de Amor, que integra o movimento dos Convívios Fraternos.
Cristina Sá Carvalho também sublinha este “papel particular e insubstituível” da família como “espaço privilegiado de ajuda mútua a crescer na fé”, onde há uma “dinâmica de relações que favorece a transmissão da fé como a tal vocação cristã, ampla, bela e funcional, que preocupa o Papa Francisco”.
“Os pais são as grandes referências educativas, crentes, ético-morais, e têm nos filhos uma audiência cativa – permanente, atenta, prolongada – que mais ninguém tem condições para oferecer”, lembra a responsável pelo setor da catequese do SNEC.
Ajustar a linguagem ao público
Apesar da diferença de idades, as respostas dos dois jovens estão em sintonia noutro aspeto: “a clara dificuldade da Igreja em comunicar com os jovens, na linguagem deles e sobretudo dificuldade de criar oportunidades de os tirar do ruído e falar-lhes ao coração, mais do que aos ouvidos” e que leva a que “sintam que não são compreendidos nas suas escolhas perante a Igreja”.
Pela sua participação na vida eclesial, não se limitam a constatar uma realidade, mas apresentam soluções.
Fomentar “uma maior participação através de atividades em que os jovens pudessem estar em comunidade e conviver uns com os outros, de modo a que tivessem interesse em saber mais sobre Deus por eles próprios”, aponta a jovem catequista.
João Lopes indica a melhoria da comunicação com os jovens, através do “ajuste de linguagem”, de uma maior atenção às atividades a eles dirigidas e um maior acolhimento e responsabilização destes nas dinâmicas eclesiais, não esquecendo uma “evangelização dentro de quatro paredes” que promova “momentos de oração partilhada e missão conjunta, seja de voluntariado seja de partilha das tarefas de casa”.
Tempo para explorar e olhar em perspetiva
Para a responsável do SNEC pelo setor da Catequese, que é mestre em Psicologia Educacional, esta “debandada da juventude” não é um “abandono definitivo”.
“Hoje, a adolescência é incrivelmente prolongada porque aprender a ser adulto no mundo global é uma tarefa imensa e complicada. Há muito para escolher e para experimentar até se estar em condições de dizer ‘esta é a pessoa que eu quero ser até ao final da minha vida’ ou, pelo menos, nos anos das grandes mudanças de vida, que é o início e consolidação da vida profissional, o casamento e a formação de uma família”, refere Cristina Sá Carvalho.
A “perda do sentido comunitário”, que desampara e faz sofrer com as tarefas mais correntes da vida, faz “questionar tudo”, nomeadamente a fé e a vida da Igreja, que são “postas à prova continuamente”, acrescenta.
“Os jovens precisam de um tempo para por à prova a sua fé, precisam de ver outras coisas, de se afastar para ter perspetiva. É necessário criar possibilidades de regresso, manter as portas abertas e iluminadas na noite. Muitos voltam um pouco depois, e a maioria vive uma vida de valores cristãos, à procura, que é a posição religiosa mais dominante de hoje. E, não nos esqueçamos, que nestes périplos de exploração, muitos jovens encontram pessoas boas e convincentes fora dos círculos crentes, às vezes mais valiosas do que aquelas que conheceram na sua comunidade de fé”, conclui, lembrando a grande responsabilidade de todos os batizados em assumir “uma Igreja convertida e que converta”, proposta pelo Concílio Vaticano II.
O desafio de ser Igreja fora dela
“Experimentar” faz ficar
Catarina Alves (com guitarra preta) a animar a celebração do Pentecostes, em 2014, com o coro da comunidade ecuménica (católica e protestante) que integra, em Delft, Holanda.
Catarina Alves tem 26 anos e está a trabalhar em Delft, na Holanda desde 2012. Ao terminar o curso de engenharia biológica, viu no estrangeiro uma oportunidade de prosseguir a vida profissional. Ali, a dois mil quilómetros da paróquia da Barreira, continua a viver a fé comprometida que alimentou, ao integrar uma comunidade cristã ecuménica (católica e protestante) naquela cidade universitária holandesa.
“Ser Igreja é ter uma casa onde ir em todo o lugar do Mundo e, quando vim, sabia que tinha que encontrar algo assim”, diz, ao recordar “algo maior” que experimentou ainda adolescente e que considera a ter reforçado esta ligação à Igreja: uma viagem à comunidade ecuménica de Taizé, no sul de França, em 2005, com o grupo paroquial de jovens que ainda integra.
O mundo está “bombardeado de ideias, modas e em constante mudança” o que, aos olhos de um jovem, se torna, numa primeira análise, mais aliciante e interessante do que uma vivência da Igreja, refere.
Para inverter esta situação recorre ao verbo “experimentar”, porque acredita ser o que melhor expressa a forma ideal de passar a mensagem do Evangelho e de cativar jovens. Admite, no entanto, que as “raízes católicas marcadas” na tradição portuguesa podem, em alguns casos, gerar nos mais jovens o preconceito de que a religião católica é “beata”, o que, muitas vezes, faz com que estes nem ponderem a hipótese de experimentar.
“Hoje, o meu desafio de todos os dias é conseguir ser Igreja fora dela, ser perseverante e alegre no cativar. Quase todos vêm à Igreja, pelo menos uma vez e outros nunca mais lá aparecem, mas o que importa é que voltam porque gostaram do que experienciaram.” Só assim, “através das nossas atitudes no dia-a-dia, conseguimos fazer o outro experimentar e beber da nossa alegria também”.
Para chegar aos jovens
É importante uma renovação constante
João Francisco (esquerda, em baixo) numa peregrinação com o Agrupamento 1076 Vieira de Leiria a Santiago de Compostela. Para este jovem, o “carisma forte” deste movimento leva os jovens a querer manter uma ligação estreita com a Igreja.
João Francisco Gomes faz, em dezembro próximo, 20 anos e desde os sete que é escuteiro no Agrupamento 1076 Vieira de Leiria. Equacionou a hipótese da vocação sacerdotal e frequentou o pré-seminário. Hoje, ainda que passe grande parte do seu tempo em Lisboa, onde frequenta a licenciatura em jornalismo, mantém a disponibilidade para o serviço à comunidade paroquial: nos escuteiros, nos acólitos e nas tarefas para as quais a sua ajuda é necessária. Apesar desta sua participação ativa na vida eclesial, considera que este modo de participar na Igreja pode apresentar-se como tarefa “muito complicada” para os jovens, ao mesmo tempo que aponta uma necessidade de renovação da Igreja como resposta para o afastamento deles.
“É importante que a Igreja se renove constantemente, percebendo que também deve chamar os jovens para si. Jesus fê-lo, com sucesso, quando esteve por cá, mas hoje precisamos de novos métodos. Penso que a Igreja tem alguma dificuldade em ‘meter a primeira’ e a arrancar neste mundo novo.”
Tomando como exemplo o pontificado do Papa Francisco, fala de uma “mudança significativa na forma como a Igreja se comunica e chega aos jovens”, num caminho que “é preciso continuar”.
Na fórmula para cativar mais os jovens, João Francisco lembra a opção dos inúmeros movimentos para jovens que existem no seio da Igreja e que “funcionam muito bem”, mas lembra um pormenor importante: “fazer os jovens preferir uma atividade da Igreja a estarem noutro local” e dá o exemplo do escutismo.
“Pergunte-se a qualquer escuteiro onde prefere estar: num acampamento ou num bar à noite, e a resposta será igual para todos: no acampamento. O carisma deste movimento é tão forte e a vida de escuteiro marca tão profundamente qualquer um, que sentimos que a Igreja nos abraça com muito amor.”
Neste “caminho para fazer”, João mostra esperança numa Igreja jovem.
“Na universidade, nos grupos de amigos ou no emprego, encontramos muita desconfiança relativamente à Igreja. Mas não há melhor ‘publicidade’ para a fé do que aquela feita pelo exemplo de felicidade de jovens que não se envergonhem de dizer que acreditam”, conclui.
Algumas propostas diocesanas para os jovens
Grupos paroquiais de jovens (A partir do 10.º ano)
Através de uma dinâmica específica, sustentada em encontros periódicos, é promovido o crescimento da fé, através da partilha de dúvidas, experiências e perspetivas.
Corpo Nacional de Escutas (A partir dos 6 anos)
Movimento da Igreja Católica que desenvolve o conhecimento individual, a necessidade de explorar para descobrir, assumindo uma dimensão espiritual de formação cristã.
Movimento dos Convívios Fraternos (A partir dos 17 anos)
Destina-se a jovens “com alguma inquietação religiosa e preparados para viver três dias que se pretendem ser de reflexão séria”. Nestes três dias, são apresentados testemunhos da sua vida cristã e das opções como jovens cristãos inseridos no mundo, oferecendo uma oportunidade única para um encontro consigo próprios, com os outros e com Deus.
Movimento Católico de Estudantes (Estudantes dos ensinos básico, secundário e superior)
Movimento que promove a vivência prática e quotidiana da fé cristã. Nas reuniões semanais são debatidos temas da atualidade, procurando um compromisso dos seus membros nas escolas.
Outros …
Jovens Sem Fronteiras, Focolares, Movimento da Mensagem de Fátima, Caminho Neocatecumenal, Juventude Franciscana, Cáritas Jovem, Ondjoyetu… dão a mão e “casa” aos jovens para o crescimento na fé e a ação em vários âmbitos.