Homilia de D. José Ornelas no início do ministério episcopal

Ao entrar nesta veneranda e secular catedral, Igreja-Mãe da Diocese de Leiria-Fátima, dou graças a Deus que, através do Papa Francisco, aqui me envia em missão, como Bispo. Quero responder a este chamamento reafirmando o meu propósito de, com todos vós, procurar o bem desta Igreja, escutando o Espírito do Senhor Jesus, nosso Bom Pastor.

Graças a Deus

Caríssimos Irmãos e Irmãs aqui presentes e quantos participam nesta celebração através dos meios de comunicação.

Ao entrar nesta veneranda e secular catedral, Igreja-Mãe da Diocese de Leiria-Fátima, dou graças a Deus que, através do Papa Francisco, aqui me envia em missão, como Bispo. Quero responder a este chamamento reafirmando o meu propósito de, com todos vós, procurar o bem desta Igreja, escutando o Espírito do Senhor Jesus, nosso Bom Pastor. Que seja Ele a guiar sempre os nossos passos, na escuta da sua Palavra, na comunhão fraterna e no serviço aos irmãos, particularmente aos que mais precisam de ajuda, e no anúncio do Seu Evangelho a quantos O não conhecem.

Iluminados pela Palavra de Deus

A Palavra de Deus que escutámos neste segundo domingo da Quaresma, traz-nos duas figuras que iluminam aquilo que celebramos.

Somos, antes de mais, orientados por Abraão, o Pai dos crentes, chamado por Deus para dar início a um novo povo, com a missão de ser bênção para todos os povos. Ele e Sara, sua mulher, eram já de avançada idade, sem descendência e, para mais, estrangeiros numa terra que Deus lhes promete como herança. Sem herdeiros nem terra, as promessas brilhantes de Deus parecem desprovidas de qualquer fundamento e qualquer futuro. No entanto, apesar das crises, temores e dificuldades, Abraão aceita a aliança que Deus lhe propõe, da qual verá apenas os sinais iniciais. Isaac, o filho gerado na velhice quando já nada era de esperar, é pequeno, frágil e precisa de ser cuidado, mas é a semente de um povo mais numeroso do que as areias das praias do mar e da vastidão do deserto. Mas tudo isso existe apenas na Palavra/Promessa de Deus a Abraão. Por isso, ele permanece como pai dos que acreditam no poder e na fidelidade de Deus à sua Palavra e à sua Promessa, que se cumprirá no tempo fixado.

Hoje, muitos acham que a Igreja envelheceu, que não tem futuro, e parecem fazer cálculos de uma contagem decrescente para o fim. Vivemos num tempo novo e com antigos e novos desafios. Hoje, como no passado, o sonho de Abraão não é o delírio de uma mente deprimida e incapaz de encarar a realidade. É o princípio e a semente de uma possibilidade de transformação do hoje e do futuro. Essa é a atitude que nos é pedida: a de alguém que tem lucidamente sede e vontade de futuro e que adere ao sonho de Deus, tornando-o realidade no coração, na mente e nas atitudes, para que possa acontecer quando Deus quiser.

O segundo sinal é o de Jesus com os discípulos no monte da transfiguração. Os discípulos estavam confundidos com aquilo que Jesus acabara de ensinar: que a transformação do mundo que Ele lhes propunha não se realizaria segundo os esquemas de conquista, violência e opressão a que todos estavam habituados. Pelo contrário, anunciara-lhes que o mundo novo que Ele propõe passa pelo empenhamento pessoal e solidário da própria vida e que essa atitude o levaria à prisão, ao sofrimento e à morte. Mas dizia-lhes que isso não é o fim, mas o princípio de um mundo realmente transformado. No monte da transfiguração, Jesus mostra os novos horizontes de libertação e dignidade, de compromisso e fraternidade, de felicidade e de vida. Por isso convida os discípulos a seguirem-no, varrendo a violência dos seus projetos, ensinando um novo modelo de liderança e sucesso e propondo-lhes que adiram ao seu caminho de entrega da vida nas mãos de Deus para o serviço e o cuidado dos outros, particularmente dos mais frágeis. Cuidar assim do mundo é o caminho para o abrir à totalidade da vida no mundo de Deus.

Estas duas imagens iluminam o nosso caminho como Igreja e o ministério do Bispo e de todos os que servem o povo de Deus. Não perseguimos um projeto próprio, mas estamos ao serviço dos desígnios de Deus. Em Igreja, unidos pela Palavra de Deus, cada um segundo os dons que recebe do Espírito de Jesus, procuramos fazer da vida um dom generoso e solidário, sem barreiras, preconceitos ou exclusões e aberto à totalidade da vida que só Deus mesmo pode oferecer. É esse projeto de Deus que vos convido para discernirmos e seguirmos, juntos, como Igreja.

Disponibilidade para escutar, conhecer e servir

Chego hoje aqui, vindo da Igreja de Setúbal, que saúdo com muita amizade no Coração do Senhor, pois a trago também no coração e numa sentida saudade que ficará para a vida. Mas venho também com muita liberdade, disponibilidade e esperança, para continuar aqui o ministério episcopal, que iniciei em terras entre Tejo e Sado, procurando imitar e exprimir o amor que todos recebemos do Senhor. O amor não se divide quando se alarga a outras pessoas, mas cresce com aqueles que vamos conhecendo e amando.

Irmãos e irmãs da Diocese de Leiria-Fátima: É com esta disposição que aqui chego. Não trago agenda nem programa feitos e peço, antes de mais, que me aceiteis em nome do Senhor. Eu também começarei por aceitar e inserir-me na vida que está em curso nesta Igreja. Não sou aqui o primeiro Bispo e dou graças a Deus pelo caminho desta Igreja ao longo da sua história e, sobretudo, nos últimos decénios. Convosco, aprenderei a ser desta Igreja e destas terras,  cidades e gentes de Leiria, sob o exemplo e inspiração de Maria, Mãe da Igreja que, em Fátima, nos veio mostrar o carinho de Deus, em tempos de guerra, de pandemia e aflição, como hoje, num diálogo simples e materno com três crianças. Que a Mãe de Jesus e Mãe da Igreja dê sempre à nossa Diocese a disponibilidade para escutar, a urgência para se levantar e acudir, e a fidelidade para seguir o caminho de Jesus até à cruz, de onde se derrama o Espírito sobre a Igreja.

Mas trago um sonho: é aquele para o qual o Papa Francisco convocou toda a Igreja em processo  sinodal: a reunião de irmãos e irmãs, que se colocam à escuta da Palavra de Deus e do seu Espírito, para formarem uma Igreja em comunhão apesar da diversidade dos que a compõem; uma Igreja de participação ativa de todos, segundo os carismas e funções de cada um; uma Igreja em saída missionária,próxima dos mais fragilizados e excluídos da terra, acolhedora do estrangeiro e do que é diferente, como sinal e laboratório de um mundo melhor. Uma Igreja que vive e anuncia o Senhor ressuscitado que a inspira e conduz a um mundo novo e diferente que só Ele pode dar. Este caminho já está a ser trilhado pela Igreja diocesana e é a ele que eu me junto agora, contando com o vosso acolhimento e a vossa participação. Juntos podemos fazer com que esse sonho se torne realidade.

Gratidão e reconhecimento

Esse percurso suscita-me admiração e grata estima, a começar pelo Bispo que guiou a Diocese de Leiria-Fátima nos últimos 16 anos, o Senhor Cardeal António Augusto Santos Marto. Para além da amizade maturada no serviço do Evangelho, liga-nos, a partir de agora um laço eclesial muito forte e significativo nesta Igreja de Leiria e Fátima. Caro D. António, é certamente um privilégio e um desafio suceder-lhe no ministério episcopal que, no percurso da Igreja, nos liga à sucessão apostólica, para bem do povo de Deus. Espero ser digno de continuar a ação iluminada, cordial e próxima com que serviu esta Diocese, onde foi procurando caminhos novos e respostas adequadas para tempos novos. Estes sentimentos incluem também D. Serafim Ferreira e Silva, emérito desta Diocese, aqui presente. Espero que eu próprio e o povo de Deus possamos beneficiar da vossa experiência fiel do ministério apostólico, bem como da presença dos outros bispos eméritos que continuam felizmente entre nós: D. Augusto César Alves Ferreira da Silva e D. António Vitalino Fernandes Dantas.

É igualmente com sentimentos de fraternidade, afeto e esperança, que saúdo a vós, Presbíteros desta Igreja. Ainda conheço poucos de vós, mas espero que o conhecimento e a amizade se vão desenvolvendo com todos, na comunhão e na efetiva participação no ministério que o Senhor nos confia. Na união do Presbitério e do Bispo, realiza-se o primeiro círculo da sinodalidade diocesana. Encontrar-me-eis sempre de coração aberto para procurarmos juntos os caminhos de Deus para a Igreja a cujo serviço Ele nos chamou.

Saúdo também os nossos seminaristas. Não sois muitos, mas não vos deixeis esmorecer por isso. Continuaremos a rezar, como pediu o Senhor, e a fazer aquilo que está ao nosso alcance para que Ele envie operários para a sua seara.

Saúdo-vos igualmente, Religiosos e Religiosas que vos encontrais na nossa Diocese e a alimentais pelo dom da vossa consagração e pela diversidade de serviços que prestais, desde a oração contemplativa que sustenta a Igreja, ao acolhimento dos mais frágeis e ao empenhamento pastoral e missionário, para além do testemunho de universalidade da Igreja, pela interculturalidade da maioria das vossas comunidades.

Saúdo todos os irmãos e irmãs que, na catequese, nos movimentos e serviços paroquiais e diocesanos, são expressão especialmente viva da nossa Igreja. É através da vossa generosa dedicação que ela realiza a sua missão, como expressão e presença do Senhor Jesus.

Quero dirigir uma palavra aos jovens que são objeto de especial atenção e carinho, tanto por parte das famílias como da Mãe-Igreja. Não vos deixeis ficar apenas como observadores da construção da nossa comunidade diocesana. O percurso sinodal em que estamos empenhados e a Jornada Mundial da Juventude que estamos a preparar são ocasiões de participação ativa que não podeis perder. A Igreja conta convosco na primeira linha desta festa Universal a vós especialmente dedicada.

Saudação aos Bispos e ao Santo Padre

Nenhuma Igreja local se entende ou realiza a sua missão, se se fecha em si mesma. Saúdo, por isso, de coração grato e fraterno, os meus irmãos no episcopado que, com a sua presença, atestam a comunhão e a colegialidade da Igreja em Portugal.

Saúdo especialmente o Senhor Núncio Apostólico, D. Ivo Scapolo, que representa, entre nós, a solicitude universal do sucessor de Pedro, o Papa Francisco. É uma feliz coincidência que hoje celebremos o nono aniversário da sua eleição para sucessor de Pedro no serviço de comunhão e condução da Igreja. Peço-lhe, Senhor Núncio, que transmita ao Santo Padre, em meu nome e de toda a Diocese, os nossos sentimentos de comunhão, de apreço e de estima pelo seu ministério de fidelidade ao Evangelho e à tradição dos Apóstolos, guiado pela escuta do Espírito que, hoje como no passado, renova a Sua Igreja.

Saúdo também, de modo muito fraterno, o Senhor Cardeal Manuel Macário Clemente, que preside à sede Metropolita em que se insere a nossa Diocese. Além deste caráter de comunhão eclesial, é-me grata a sua presença, pela amizade que há muito nos liga e, sobretudo, por ter sido pelas suas mãos que recebi a ordenação episcopal, na Sé de Santa Maria da Graça, em Setúbal.

É neste ambiente de Igreja que quero saudar os membros da minha família, a Igreja familiar onde aprendi a conhecer o amor de Deus através do amor dos pais, manas e manos, e da restante família, tanto da família que me acolheu como das famílias que dela se formaram. Foi também nela que, pelo testemunho do meu irmão mais velho, sacerdote, que surgiu e cresceu a minha vocação sacerdotal e missionária.

VÍDEO
https://youtu.be/fxBmhZLQE80

Saudação às Autoridades e Instituições sociais

Esta celebração não teria sentido se se limitasse apenas à Igreja visível e às suas instituições. Inserida na Igreja em Portugal, a Igreja de Leiria-Fátima não pode ficar fechada em si mesma, mas é chamada a estar em constante diálogo e serviço à sociedade, na busca de caminhos de compreensão, de estudo e construção de um futuro viável e em paz para o nosso planeta e para todos os que o habitam.

Saúdo, por isso, com particular cordialidade a Senhora Ministra da Justiça, que representa o Governo de Portugal. Quero sublinhar a satisfação pelo significado da sua presença e a importância de vivermos num país que sabe reconhecer a liberdade dos seus cidadãos e a importância da expressão privada e pública das suas opções espirituais e religiosas. Como acabo de exprimir, para nós, o compromisso eclesial reforça a participação na cidadania e na atitude solidária, para colaborar com as instituições públicas a fim de ir ao encontro de todos, particularmente dos mais esquecidos na sua luta por uma vida justa e digna. Espero que possamos continuar a encontrar caminhos de colaboração para o bem do nosso povo.

Quero saudar muito respeitosa e cordialmente os Senhores e Senhoras Presidentes das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia da nossa Diocese, afirmando o meu desejo de um conhecimento mais próximo e pessoal, e de uma colaboração profícua, no respeito pelas funções para as quais fostes eleitos e, sobretudo, na disponibilidade para participar ao nível da proximidade que carateriza o poder local e ir ao encontro das pessoas que todos servimos.

Quero igualmente exprimir a minha estima, respeito e gratidão aos representantes das forças de defesa e segurança presentes na Diocese, bem como das instituições sociais, de proteção civil e dos bombeiros que, juntamente com o admirável esforço e dedicação das pessoas que dão vida aos serviços de saúde, foram e são protagonistas fundamentais nas crises da pandemia, dos incêndios e outras emergências. Bem hajam, que Deus vos abençoe pelo bem que fazem.

Finalmente, quero agradecer a todos os que, com esforço e dedicação de alma, prepararam estas celebrações, permitindo que todos vivêssemos este momento significativo para a vida da Diocese com alegria e esperança. Que ele sirva para fortalecer os nossos passos na construção de uma Igreja enraizada na fé, forte e carinhosa no amor, e generosamente solidária na missão de testemunhar o amor salvador de Deus.

É esse amor que agora celebramos, professando a nossa fé e acolhendo na Eucaristia o Senhor Jesus, nosso Pastor e nosso Guia.

Sé de Leiria, 13 de março de 2022

♰ D. José Ornelas, Bispo de Leiria-Fátima

HOMILIA
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