Conversão Pastoral e
Estilo Missionário do Padre
† António Marto
Catedral de Leiria
Missa Crismal, 17 de Abril de 2014
Ref. CE2014B-002
É verdadeiramente uma hora de graça e de alegria esta que nos é dado viver juntos na liturgia da Missa Crismal. Nela se manifesta e renova a unidade da Igreja diocesana unida à volta do bispo com o seu presbitério e representantes de todo o povo. A todos saúdo com cordial afeto, particularmente os sacerdotes que celebram o jubileu da sua ordenação.
Hoje sentimos o convite a voltar àquela hora da ordenação em que o Senhor Jesus nos associou ao mistério do seu sacerdócio e a recuperar a frescura, o ardor e o perfume da unção sacerdotal. Neste sentido ofereço-vos uma meditação sobre a conversão pastoral e o estilo missionário do padre.
A Misericórdia, caminho da Igreja no terceiro milénio
A partir da ordenação sacerdotal, cada um de nós pode dizer, verdadeiramente, com Jesus na sinagoga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim porque Ele me ungiu e me enviou a anunciar a boa nova aos pobres, a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor”(Lc 4).
Eis os horizontes maravilhosos e imensos da nossa missão, da missão da Igreja: a “de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, cuidar, curar, libertar”, isto é,levar a misericórdia de Deus aos homens: aos pobres, aos doentes, aos frágeis, feridos, sós, abandonados, excluídos, a todas as periferias existenciais.
O Papa Francisco, no seu olhar de discernimento sobre o caminho da Igreja no mundo pós-moderno, conclui: “Aquilo de que a Igreja tem mais necessidade hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer os corações dos fiéis, a proximidade, a ternura. Vejo a Igreja como um hospital de campanha chamada antes de mais a cuidar dos feridos e a curar as feridas”(entrevista à CC).
Por isso, é necessário que a Igreja redescubra as entranhas maternas da misericórdia. Hoje, sem a misericórdia temos poucas possibilidades de nos inserirmos num mundo de feridos que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor. Pondo as periferias no centro da missão da Igreja, o Papa recorda-nos que Deus é misericórdia e põe também a misericórdia no centro para daí voltar às periferias.
Conversão pastoral e missionária
A partir daqui, o Papa Francisco urge uma conversão pastoral e missionária de toda a Igreja. Não basta uma conservação da tradição para dizer de novo o evangelho aos homens do nosso tempo. A proposta deve ser mais radical e espiritual. A primeira grande reforma diz respeito à atitude, isto é, ao testemunho, à reforma de vida. “A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do evangelho”(EG,114). A linguagem e o testemunho da misericórdia não enganam. São expressão profunda da fé porque manifestam o amor salvífico de Deus.
Concomitantemente, o mistério de misericórdia requer uma Igreja em saída missionária: chamada a sair do seu recinto, da sua zona de conforto, da introversão eclesial “da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do evangelho”(20). Não podemos ficar tranquilos à espera nos nossos templos; urge sair em todas as direções.
Então, de modo consequente, “os ministros do evangelho devem ser pessoas capazes de aquecer o coração das outras pessoas, de caminhar na noite com elas, de saber dialogar e descer na sua noite, na sua escuridão sem se perderem”(entrevista à CC). É deste modo que Deus as toca e as cativa para Ele através de nós.
O estilo missionário
O primado da misericórdia e da opção missionária inspira por sua vez o estilo da nossa atividade, na sua motivação e nas atitudes concretas. Antes de mais, “a missão é uma paixão por Jesus e, simultaneamente, uma paixão pelo seu povo. Quando paramos diante de Jesus crucificado…começamos a perceber que este olhar de Jesus se alonga e dirige, cheio de afeto e ardor, a todo o seu povo. Assim descobrimos novamente que Ele quer servir-se de nós para chegar cada vez mais perto do seu povo amado”(268).
Quanto às atitudes pastorais, o Papa recomenda a gramática da simplicidade, da proximidade e do encontro, à imagem do modo como Deus se revela e comunica: próximo que sai ao encontro do seu povo até comunicar a sua ternura na nossa carne. Na Exortação “A Alegria do Evangelho” convida a concretizar este estilo em cinco atitudes: “tomar a iniciativa”, sem medo, de ir ao encontro; “envolver-se” na vida diária do povo contraindo o ‘cheiro de ovelha’; “acompanhar” com grande paciência os seus percursos tendo em conta as lentidões; “frutificar” cuidando dos germes de vida boa apesar de imperfeitos ou defeituosos; “festejar” cada pequeno passo celebrando-o na beleza da liturgia(cf 14).
O estilo missionário sabe concentrar o anúncio “ no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário”(35).
Cuidar da Família
Nestes tempos difíceis, a família pertence àquelas periferias existenciais que necessitam de particular atenção. Cada família tem direito ao cuidado solícito e amoroso da Igreja.
“A proximidade dos sacerdotes à família ajuda-a a tomar consciência da sua realidade profunda (i. é, da sua grandeza, riqueza e beleza) e da sua vocação e missão. Nenhuma vocação é uma realidade privada, muito menos o matrimónio, porque o seu horizonte é o mundo e a Igreja”(Bento XVI). Trata-se pois de anunciar o Evangelho do matrimónio e da família como parte integrante do ministério presbiteral.
Caros padres, encorajai os cônjuges, ajudai-os a renovar a graça do seu matrimónio, partilhai as sua responsabilidades educativas. Tornai as famílias protagonistas – e não só destinatárias – da ação pastoral. Sede acolhedores e misericordiosos, sobretudo com os cônjuges em situação de dificuldade, de fragilidade, de crise ou de rotura dos laços matrimoniais.
O pároco é muito importante para convocar as famílias e dar-lhes a luz e a força de Cristo, apoiá-las no caminho, ajudá-las a crescer na fraternidade e em maturidade, envolvê-las na vida da paróquia. As festas da família na comunidade cristã são muito importantes porque nelas aparece e se fortalece a beleza das famílias. Nesta linha ajudai-as a serem missionárias com o seu testemunho.
Há um aspeto que merece urgente atenção pastoral: repensar os percursos de preparação, remota e próxima, para a vida em matrimónio e a descoberta da graça específica do sacramento. O matrimónio salva-se antes do matrimónio! Acolhei as vossas intuições, as boas ideias, os carismas existentes na Igreja, as sugestões e iniciativas que encontrardes nas comunidades e aproveitai-os nas propostas aos adolescentes e jovens para lhes comunicardes a Boa Nova sobre o amor matrimonial.
Gostaria de recordar que também os sacerdotes aprendem muito e recebem apoio dos esposos e das famílias, precisamente a partir do testemunho da sua dedicação e fidelidade, dos seus sacrifícios e sofrimentos. E assim também nós amadurecemos com eles em humanidade e na fé. Apraz-me citar a exortação de Bento XVI aos esposos: “amai os vossos sacerdotes, exprimi-lhes o apreço pelo seu generoso serviço. Sabei suportar também os seus limites, sem nunca renunciar a pedir-lhes que sejam entre vós ministros exemplares que vos falem de Deus e vos conduzam a Deus. A vossa fraternidade é para eles uma preciosa ajuda espiritual e um apoio nas provações da vida”.
Não deixemos que nos roubem a força missionária
Caros amigos, podereis porventura dizer: “tudo isto é belo, mas a realidade é bem diferente”. Porém, um maior realismo sobre o mundo, as dificuldades e as fraquezas não deve significar menor confiança no Espírito nem menor generosidade. O maior risco seria o de uma Igreja prisioneira da tristeza espiritual, do cansaço e do medo. Ora “os desafios existem para serem superados. Sejamos realistas sem perder a alegria, a audácia e a dedicação cheia de esperança. Não deixemos que nos roubem a força missionária”(109).
Com este espírito renovemos as nossas promessas, invocando a intercessão da Virgem Mãe: “Alcançai-nos agora um novo ardor de ressuscitados para levar a todos o Evangelho da vida. Dá-nos a santa audácia de buscar novos caminhos para que chegue a todos o dom da beleza que não se apaga”.
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima