Homilia da 89ª peregrinação Diocesana de Leiria-Fátima ao Santuário

A esta luz compreendemos também a missão da Igreja e dos cristãos: “A Igreja não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro com aquele amor entranhado que é a misericórdia de Deus”, diz o Papa Francisco.

Deus maior que o nosso coração

A página do Evangelho de S. João põe à nossa contemplação o rosto concreto da misericórdia divina no encontro da mulher adúltera com Cristo. É uma cena dramática, mas ao mesmo tempo de incomparável beleza e de comovente ternura que nos toca e não nos deixa impassíveis.

Os escribas e fariseus trouxeram a Jesus uma mulher adúltera não para ser salva, mas para a condenar segundo a lei. Ela está só, sem defesa, exposta e humilhada diante de todos com o seu pecado, rodeada pelos acusadores. Ali não há lugar para a sua história, os seus sofrimentos, os seus dramas nem para as suas lágrimas. Os acusadores têm nas palavras e nas mãos as pedras que matam. A mulher não só perdeu publicamente a honra, mas está prestes a perder a vida. Podemos supor que, no seu coração, palpitam uma ansiedade e um anseio: onde posso encontrar quem me escute e acolha com as minhas feridas profundas? Onde encontrar quem me diga uma palavra de verdadeira libertação?

Jesus, por sua vez, inclina-se por terra diante da mulher e dos acusadores como quem se inclina sobre a fragilidade humana, simbolizada no pó da terra em que Jesus escreve. Deste modo cria um tempo de silêncio embaraçante como quem convida todos a entrar em si e a interrogar a sua própria consciência. De seguida explicita essa interrogação: “Quem de vós estiver sem pecado atire a primeira pedra”: eis uma palavra incisiva, daquelas palavras que nos abalam, nos sacodem dos pés à cabeça, que nos fazem entrar no mais profundo de nós mesmos e nos desassossegam. Palavra dirigida a cada um de nós quando estamos para julgar o irmão ou irmã que pecou, caiu e fracassou.

Por fim, Jesus pronuncia a palavra da misericórdia e do perdão: “Mulher, ninguém te condenou? Nem eu te condeno. Vai e não voltes a pecar”. Eis uma dúzia de palavras que bastam para mudar uma vida! Sim, Deus diz: “Não quero a morte do pecador, mas que ele se converta e viva” (Ez 33, 11). O perdão é uma carícia da sua misericórdia!

Estamos, pois, perante a grandeza e a beleza inenarráveis e indizíveis da ternura e da misericórdia do Senhor. De facto, Jesus restituiu à adúltera a beleza perdida da sua vida: salvou-a como mulher, na sua dignidade de pessoa, na sua humanidade, na sua feminilidade, na verdade do seu amor esponsal, na verdade da sua relação a Deus e aos outros.

Deus maior que o nosso coração

No centro da narração não está o pecado ou o pecador a perdoar ou condenar. No centro está Deus, rico de misericórdia, “maior que o nosso coração”. A sua misericórdia supera todas as nossas expectativas e medidas: perdoa, cura as feridas da alma e do coração, resgata, enche de graça e ternura, cumula de dons, rejuvenesce, defende com justiça os oprimidos, arranca ao poder do pecado e da morte, abre caminhos de uma vida nova e de um futuro novo.

Deus nunca nos fecha o seu coração. Como Pai espera sempre por nós, nunca desiste de cada um de nós. Não reduz o pecador ao seu pecado; perdoa sempre, perdoa tudo. Sabe identificar o que há de bom no fundo de cada pessoa e dizer-lhe: tu vales mais,

infinitamente mais do que o teu pecado, tem confiança! Não há qualquer limite à misericórdia divina; ninguém é excluído dela. Basta só abrir o nosso coração! Oh como é bom e belo o nosso Deus! Ele cuida de nós e das nossas feridas. E chama-nos a ser misericordiosos como Ele. Confiamos nele e confiamo-nos a Ele? Abrimo-nos ao seu perdão no sacramento da reconciliação?

A Igreja não está no mundo para condenar

A esta luz compreendemos também a missão da Igreja e dos cristãos: “A Igreja não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro com aquele amor entranhado que é a misericórdia de Deus”, diz o Papa Francisco.

Se as pessoas se sentem condenadas à partida, nós não estamos a transmitir a mensagem evangélica. A misericórdia abre o nosso coração às necessidades e à miséria dos outros, aos problemas escondidos, ocultos, à pobreza material e a todo o sofrimento: de uma criança que sofre, de uma família em dificuldade, de um sem abrigo, de um jovem que não encontra sentido para a vida, de um idoso na solidão, esquecido e sem reconhecimento, de um refugiado sem apoio solidário.

Quando a comunidade cristã acolhe as pessoas com delicadeza, as escuta com atenção, as ama como são, quando cura, reconcilia, anima e encoraja a viver a vida boa do evangelho, torna-se no que ela tem de mais luminoso: uma comunhão de amor, de compaixão, de consolação e perdão, o reflexo da misericórdia divina, um oásis de misericórdia no deserto da cultura da indiferença e da aridez e frieza dos corações e das relações. Queremos levar o evangelho da misericórdia à família e ao mundo do sofrimento e da pobreza? Queremos construir comunidades que sejam oásis de misericórdia?

O apelo da Mãe de misericórdia à paz, hoje

“No céu temos o coração de uma mãe. A Virgem, nossa mãe, que aos pés da cruz experimentou todo o sofrimento possível a uma criatura humana, compreende os nossos dramas e consola-nos” (S. Leopoldo Mandic): a Mãe de misericórdia. Aqui em Fátima, fez sentir o grito da sua grande dor e do seu grande amor pela humanidade “que anseia por erguer- se do abismo” em que caiu. “É a dor da Mãe que a faz falar; está em jogo a sorte dos filhos” (João Paulo II). Trouxe-nos uma mensagem impressionante de advertência, para que a humanidade e a Igreja tomassem consciência da dimensão infernal da loucura do mal e do pecado na história e do seu poder devastador, aniquilador, que atingiu formas e proporções inéditas, inauditas e inimagináveis em duas grandes guerras mundiais. Uma mensagem para urgir a conversão, a mudança do coração humano e do rumo da humanidade. É um grito lancinante de que o Papa Francisco se faz eco, referindo “a noite da guerra que caiu sobre a humanidade” em vários lugares do mundo. Particularmente em relação ao que está a acontecer no coração da Europa, na Ucrânia, com o risco de se tornar “uma guerra fria alargada” que pode sufocar a vida de gerações e povos inteiros”. Não só de quem hoje habita a nossa terra, mas de quem virá depois de nós. Uma guerra louca, cruel, desumana, sacrílega em que são arrasadas cidades, são mortos milhares de inocentes e milhões de refugiados são obrigados a abandonar a sua terra, a sua casa, os seus bens.

Parafraseando o Papa Francisco, também nós fazemos nossa a sua súplica na oração de consagração da Rússia e da Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria: Ó mãe, repete mais uma vez o grito e a promessa que fizeste ouvir em Fátima, “porque hoje esgotamos o vinho da esperança, desvaneceu-se a alegria, diluiu-se a fraternidade. Perdemos a humanidade, malbaratamos a paz. Tornamo-nos capazes de toda a violência e destruição. Temos necessidade urgente da tua intercessão materna. Por isso acolhe, ó Mãe, esta nossa súplica: liberta-nos da guerra, protege o mundo da ameaça nuclear. Rainha da paz, alcança a paz para o mundo”.

“Agora, na noite da guerra que caiu sobre a humanidade, por favor não deixemos que se desvaneça o sonho da paz”, pediu ontem o Papa Francisco em Malta. Rezemos pelo dom da paz, para que se mantenha sempre acesa e viva a chama da paz!

A Virgem Maria nos ajude a testemunhar a todos o amor misericordioso de Deus que, em Jesus nos perdoa, renova o nosso coração oferecendo-nos sempre possibilidades de vida nova e faz de nós povo de Deus, Igreja santa, chamada a progredir no caminho da santidade.

Fátima, 3 de abril de 2022.

Cardeal António Marto, Bispo emérito de Leiria-Fátima

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