Na noite escura que se abateu umas horas antes no recinto do Santuário de Fátima, entrecortada pelos holofotes e correntes de luminárias alinhadas no asfalto que, de há uma centena de anos a esta parte seria naturalmente acompanhada pelas velas dos peregrinos que encheriam a Cova da Iria, ressoou num eco estranho as primeiras palavras do cardeal D. António Marto:
Fica connosco, Senhor, porque se faz noite!
É a frase que os discípulos de Emaús largaram em jeito de convite ao “estranho” que os tinha acompanhado durante o dia. Hoje, é a frase que serve de mote a outras noites: “a noite escura que pesa sobre o mundo abatido por uma pandemia global” e “noite escura da fé perante o aparente silêncio e ausência de Deus”.
Para D. António Marto, esta é uma “noite tão diferente daquelas noites inigualáveis de 12 de maio – autênticos mares de luz – e que hoje mais parece um deserto escuro!”. Lembrou a dor do momento em que teve de anunciar publicamente “com o coração em lágrimas a realização desta peregrinação sem a presença física da multidão de peregrinos” e que sugeriu, como tinha lembrado umas horas antes, fazer uma experiência de peregrinação em ‘estado puro’. Por isso anunciava que, “ainda que separados fisicamente, estaremos todos aqui espiritualmente unidos como Igreja com Maria, de modo intenso, com o coração cheio de fé.”
Toda a gente esteve na Cova da Iria
“A simbólica desta noite, completada com a da celebração de amanhã, permite percorrer a geografia espiritual que forma a multidão de devotos de Nossa Senhora de Fátima repartidos por todo o mundo: as 21 velas que hoje representam as dioceses de Portugal e amanhã o ramo de flores, qual ramalhete espiritual do Apostolado Mundial de Fátima, a representar os nossos emigrantes e os peregrinos dos diversos continentes do mundo. Particularmente unido a nós está também um peregrino especial, o Santo Padre Papa Francisco!”
D. António Marto quis lembrar “quem mais sofreu e continua a sofrer e os que mais lutaram e lutam pela saúde de todos para lhes comunicar a proximidade do nosso afeto e o apoio da nossa oração: os defuntos e seus familiares, os doentes, todos os profissionais de saúde, cuidadores, idosos, pobres, famílias, sacerdotes, trabalhadores da proteção civil, dos transportes, limpeza, alimentação e outros que não se pouparam a sacrifícios, como bons samaritanos”.
A resposta do cristão à pandemia é também “à pandemia do vírus queremos responder com a universalidade da oração, da compaixão, da ternura”. Nesse sentido, a actualidade é um tempo que põe à prova unidade dos crentes e a sua proximidade àqueles que mais precisam, como pede o Para Francisco. Nesse contexto, através da meditação dos mistérios dolorosos como que se iniciou a peregrinação “unimo-nos a toda a humanidade sofredora, evocada na leitura do profeta Isaías, confiámos as suas dores e todos os sofredores ao coração materno de Maria, pedimos-lhe que leve a todos a ternura e o conforto para superar esta provação”.
A noite continuou escura, o recinto continuou vazio, os peregrinos continuaram em casa. Tudo no seu espaço de tranquilidade que enquadrou o final da homilia com uma breve oração inspirada em Bento XVI:
“Santa Maria, Mãe de Deus, Mãe nossa, ensinai-nos a crer, a esperar e a amar convosco. Indicai-nos o caminho para o seu reino! Estrela do mar, brilhai sobre nós e guiai-nos no nosso caminho no mar da história!”
Texto da homilia
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