Acabo de consultar a lista actualizada dos cardeais que integrarão o próximo conclave, caso este venha a existir em 2024.
São 130 cardeais eleitores e 109 não eleitores. E, durante o ano 2024, há 13 cardeais que deixarão de ser eleitores. Até à data de hoje, a Igreja católica tem 239 cardeais.
Uma primeira conclusão a tirar desta lista é que há uma grande parte de cardeais com mais de 80 anos (109) e que, portanto, estarão fora do próximo conclave. Um colégio cardinalício envelhecido e que já terá pouco a dar para uma reforma tão necessária para a nossa Igreja de hoje. Muita púrpura e pouca uva! Inclusive, há igrejas locais que estão à espera da morte dos seus antigos cardeais para que surjam novos cardeais! Algo, aliás, pouco compreensível, nem mesmo por razões históricas. Poderão, estes, ser apenas “influenceres” dos cardeais eleitores.
Se analisarmos a procedência dos cardeais, a maior parte vem do velho continente da Europa, onde a fé cristã é cada vez mais fria, distante e indiferente. Uma questão que se coloca: a que critérios obedece a escolha dos cardeais? Sabemos que é o Papa que escolhe e nomeia. Contudo, os critérios muitas vezes não se percebem com clarividência. Representam uma região/igreja local? Representam um território com maior percentagem de cristãos? Representa as igrejas de minorias e de periferias? Representa uma necessidade para as funções da cúria romana? Representa amizades e confianças pessoais do próprio Papa? Julgo que deveria haver critérios muito mais objectivos, claros e transparentes, para que os cardeais pudessem representar as bases e não aparecerem apenas como um prémio a uma igreja particular ou um prémio pessoal a um bispo amado ou querido. Daí, alguns cardeais aparecerem do nada sem se saber muito bem o que representam. E isto porque deveriam sentir-se “obrigados” a representarem-nos na eleição do futuro papa. E não se acharem apenas uns iluminados, a quem colocaram o barrete cardinalício, e que escolherão conforme o seu gosto e inclinação pessoal, ou por pressões de corredor que sempre existem, nestes momentos eletivos do novo papa.
55 cardeais da Europa. 17 da América do Norte. 5 da América Central. 15 da América do Sul. 20 da Ásia. 17 de África e 3 da Oceânia. O que isto representa? É a pergunta que todos poderemos fazer. Que conclusões tirar desta distribuição? Que critérios para a escolha daqueles que farão a eleição directa do próximo papa? Mais uma vez friso a necessidade de haver critérios mais objectivos para a escolha dos cardeais. Critérios esses que não deveriam ficar apenas e só na cabeça e nas mãos do papa que os escolhe. O mesmo digo em relação ao processo da escolha dos bispos. Ainda continuam processos muito fechados e sigilosos, sem envolverem o máximo de pessoas para o efeito. E quando assim é, quase que são escolhas impostas de cima, quando deveriam sair das bases, tentando oscultar o máximo de agentes pastorais e não só quase os bispos e os padres. Quando estes processos não são envolventes, não queiramos depois que os bispos sejam envolvidos por todos.
Olhando aos nomes dos 130 cardeais eleitores, nota-se, que muito deles, já são eméritos, ou seja, já não estão no activo, nem são responsáveis de nenhuma igreja local ou função especifica. Já estão fora do andamento ordinário da dinâmica da Igreja, e por isso, a leste de muitas coisas.
A maioria deles, 96, já foram nomeados pelo actual papa Francisco (58%). 27 ainda pelo Bento XVI e 9 pelo João Paulo II. É notório que o papa Francisco já fez, com que o próximo conclave tenha já a sua marca indelével, isto porque a maioria dos que irão escolher o seu sucessor foram escolhidos pelo próprio. Não é certo é se essa maioria das suas escolhas corresponde, a nível de percentagem, a cardeais que apoiam as suas reformas e linhas de acção!
Já não há nomes sonantes ou cardeais que se tenham sobressaído pela sua postura e intervenção eclesial, social e política. Começa a notar-se também a carestia de líderes natos e que se destaquem pelo seu profetismo e dinâmica evangelizadora. Até aqui a Igreja tem de fazer a sua auto-análise e perceber as razões da falta de cardeais carismáticos nos últimos tempos! Se na política mundial nos faltam estadistas e políticos de vulto, também na Igreja se sente essa falta de cardeais que se imponham pela postura, pela palavra e pelo serviço. Ao longo da história tivemos cardeais que foram carismáticos. Porque não lembrar Angelo Scola, Gianfranco Ravasi, Tettamanzi, Claudio Hummes, Carlo Maria Martini…
Pela Europa vão-se destacando, o Cardeal Christoph Schonborn, Arcebispo de Viena. Juan José Omella, Arcebispo de Barcelona. Jean Claude Hollerich, Arcebispo do Luxemburgo, Peter Erdo, Arcebispo de Budapeste e José Cano, Arcebispo de Madrid. Há outros nomes a tentarem reafirmar-se, mas longe, ainda de fazerem a diferença no continente europeu.
Pela Ásia, um continente a crescer na fé católica, são 20 cardeais, mas nenhum nome que se destaque. Á excepção do sempre Cardeal Luis Tagle, Perfeito para a Evangelização que tem cativado muitos sectores mais abertos da Igreja.
Relativamente à América do Norte, devido aos casos de abusos sexuais de menores, a Igreja tem tido dificuldade em se afirmar. Destaca-se o sempre carismático cardeal Capuchinho, Arcebispo de Boston, O´Malley, que, entretanto, fará 80 anos. E o cardeal de Nova York, Timothy Dolan que se vai destacando, embora com alguma dificuldade em gerir a pasta dos abusos sexuais de menores. Não esquecer Marc Ouellet, canadiano, embora este ano complete os seus 80 anos e deixará de ser eleitor.
Quanto à América do Sul. Um conjunto de grandes países e imensas Dioceses. São 15 cardeais, com uma presença brasileira de destaque. Salienta-se aqui o cardeal, Perfeito para a Vida Religiosa, João de Aviz que é muito acarinhado pelo papa Francisco pelo trabalho que tem realizado neste dicastério. Dom Sérgio da Rocha de São Salvador vai também fazendo o seu caminho.
Da América Central com 5 cardeais, nenhum se tem afirmado nesta região do país.
O continente Africano tem 17 cardeais, contudo, sobressai mais pela quantidade do que pelo destaque dos seus cardeais. Aqui é de notar o percurso muito apreciado pelo cardeal Peter Turkson, já perfeito emérito. Algum destaque tem sido dado ao cardeal Dieudoné Nzapalainga de Bengui pela situação política e de guerra, e pelo seu papel de
procurar a paz na República Centro Africana. Quanto aos restantes nada que surpreenda. De alguma estranheza, países grandes, como Angola, não terem um cardeal eleitor.
De destacar também o crescente dos cardeais pertencentes a Institutos Religiosos. São num total de cerca de 55. 11 Salesianos, 10 Franciscanos, 9 Jesuítas e depois vários Institutos com dois e com um. É um grande sinal de enriquecimento da igreja pelos vários e diversos carismas das Congregações Religiosas. Não é por acaso que este papa é religioso da Companhia de Jesus. O que faz a diferença, em muito, nas suas actuações.
Existe também o grupo dos cinco cardeais opositores declarados ao Papa Francisco. O alemão, Walter Brandunller de 94 anos, Robert Sarah da Guiné com 78 anos, Juan Inignez, Mexicano com 90 anos, Raymund Burke dos EUA com 75 anos e Zen Kinn da China com 91 anos. Três destes já não participarão no próximo conclave. Dois deles participarão, mas não farão grande mossa, embora sejam dois da ala mais conservadora da Igreja. O cardeal Robert Sarah tem-se desfeito na escrita de livros onde defende as suas ideias mais conservadoras, com alguns admiradores, mas que não passam disso.
Neste panorama geral, onde encontrar um novo papa, caso venha a ser necessário para este ano de 2024?
Não será tarefa fácil, acrescendo a grande dificuldade que nos vamos apercebendo: uma forte divisão entre os que são pós papa Francisco e aqueles que vão ficando desiludidos com as suas tomadas de posições, e que manifestamente vão incomodando vários sectores mais conservadores da Igreja.
É notório e indisfarçável o incómodo que o actual papa Francisco vai causando. E perante o qual, muitos cardeais e conferências episcopais se vão posicionando. Outros mantem-se em silêncio a fim de não se comprometerem abertamente com nada. Ficando assim, do lado do limbo.
Se houver um conclave para eleger um novo papa, teremos um digno sucessor que seguirá a linha do papa Francisco, ou alguém, mais conservador, que quererá dar alguns passos atrás em matérias mais sensíveis?
É este o medo que persiste na nossa Igreja actual. Daí o papa Francisco ter-se vindo a acelerar em nomear cardeais mais defensores das suas políticas e linhas de actuação.
Será que o papa, durante este ano 2024, nos vai surpreender com a nomeação de novos cardeais, já que haverá 13 que deixarão de ser eleitores?
Tudo está nos segredos dos deuses e sobretudo no segredo do papa Francisco.
Há cardeais de peso muito fiéis e entusiastas das reformas de Francisco, tais como o cardeal Mário Grech, de Malta secretário-geral do Sínodo dos Bispos e o cardeal Matteo Zuppi, Italiano e Presidente da Conferência Episcopal de Itália.
Uma coisa é certa: a vida não pára, e como o papa Francisco já disse, não são os joelhos nem as pernas que governam a Igreja. Contudo, da vida fazem parte também, os contratempos para os quais não podemos adivinhar ou equacionar à priori.
O G9, os nove cardeais, que dão apoio às reformas queridas pelo papa Francisco também vão ficando mais pesados, e dois deles atingirão a idade de não eleitores durante este ano. Por aí deverá começar a reforma, para uma equipa mais nova e mais dinâmica.
Nestas certezas e incertezas, a Igreja vai fazendo a sua caminhada, e oxalá que o papa Francisco tenha ainda mais coragem de fazer as reformas necessárias para uma igreja mais atenta aos sinais dos tempos. A começar pela cúria romana que é tida sempre como uma máquina de bloqueio inerente às reformas da igreja tão desejadas por este papa.