É dia de “Explica-me” e isso faz toda a diferença

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É manhã de sábado e nas ruas da cidade de Leiria há o movimento habitual. É dia de mercado e de trabalho para muitas pessoas, mas só o facto de não haver escola, já faz toda a diferença. Não há escola, mas há “Explica-me”, um projeto da Cáritas Jovem, da Cáritas Diocesana de Leiria, através do qual um grupo de voluntáriosdá explicações a adolescentes do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, de famílias carenciadas.

Não são explicações como as outras, são dadas por 15 voluntários e isso faz toda a diferença.

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É um apartamento, em plena avenida Marquês de Pombal, em Leiria, que acolhe o “Explica-me” da Cáritas Jovem de Leiria-Fátima, que oferece explicações a adolescentes do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, provenientes de famílias carenciadas.

Para conhecer o projeto, marcámos o encontro para meio da manhã. O turno dos mais novos, que estudam no 2.º ciclo, já terminou, foi das 9h30 às 11h00. Agora, decorre o do 3.º ciclo. Quem nos abre a porta é Inês Martins, coordenadora do projeto, que se prontifica a mostrar as instalações. As quatro salas estão ocupadas por mais de uma dezena de adolescentes. Em cada uma, uma explicadora dá o apoio necessário.

É necessário aproveitar cada minuto das duas horas que duram as explicações semanais. A Inês pede-nos desculpa e retoma a função que a traz ali todas as semanas. Enquanto isso, deambulamos pelo espaço e espreitamos pelas portas entreabertas.

 

“Explica-me” o que é…

Foi o primeiro projeto da Cáritas Jovem, da Cáritas Diocesana de Leiria-Fátima. Foi lançado a 31 de janeiro de 2015, um ano depois de ter sido criada a Cáritas Jovem.

O “Explica-me” surge como resposta às necessidades que as famílias, que procuram a Cáritas, apresentam a nível do acompanhamento escolar dos seus educandos. O público alvo são crianças e adolescentes, provenientes de famílias carenciadas, com pouco aproveitamento escolar e que frequentem o 2.º e 3.º ciclo do ensino básico. Os 15 explicadores, que prestam apoio a 20 adolescentes, em regime de voluntariado, ajudam a criar e orientar hábitos de estudo e esclarecem as dúvidas relativas aos conteúdos e trabalhos desenvolvidos nas diversas disciplinas, contribuindo para a auto-estima e para a motivação dos adolescentes através do seu sucesso escolar.

No último Sábado de cada mês, para motivar os alunos para atingirem os objectivos traçados, foi criado o projeto *“30 por uma linha”*, também desenvolvido por voluntários, através do qual os se dinamiza um atividade lúdica.

 

Voluntariado com recompensa

“Quando estás a tentar resolver um problema, o melhor é, primeiro, organizares os dados que tens”, diz Ana Lourenço, que integra o grupo de 15 explicadores que dedicam do seu tempo para dar apoio aos adolescentes, em regime de voluntariado.

Guarda os fins-de-semana para vir a Leiria e a manhã de sábado para o “Explica-me”. Frequenta o mestrado em Microbiologia, em Lisboa, depois de ter completado a licenciatura em Biotecnologia, em Coimbra. Está escrito na camisola de curso que tem vestida, de onde salta à vista, numa das mangas, a palavra “orgulho”. Ali, a camisola que veste é outra, mas também lhe dá um orgulho especial, sobretudo quando os alunos têm boas notas.

A única recompensa são os bons resultados dos alunos. “Ainda hoje festejei porque uma das adolescentes estava a acertar todos os exercícios!”, conta, para ilustrar a felicidade que sente quando o produto da soma do esforço salta à vista.

Ofereceu-se como voluntária depois de terminar a licenciatura, enquanto procurava emprego, no início do ano passado. Pouco tempo depois de uma entrevista com a equipa que coordena o projeto, começou a dar explicações.

“É aquele sacrifício bom do sábado de manhã. Apetece ficar na cama, a descansar mais um pouco, mas depois venho para cá ajudar os meninos e dou por mais bem empregue a manhã.”

Ana Lourenço sente-se bem ali pelo ambiente de entreajuda que se respira e porque se sente bem a ajudar quem precisa. “Saio daqui com a sensação de dever cumprido.”

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Um trabalho de equipa

“Numa turma temos duas raparigas a mais que o dobro do número de rapazes. Tens de descobrir qual é a incógnita”, explica Ana Lourenço à adolescente a quem está a dar apoio. Ali, a única incógnita é o resultado que os alunos terão nos testes, mas é para isso que se trabalha com afinco, num espírito de amizade.

“Há tempo para tudo, até para estar na palhaçada com eles. Quando chegam mal dispostos, fazemos questão de lhes perguntar o que se passa, porque tudo o que faz parte da vida destes adolescentes acaba por influenciar os resultados escolares”, lembra a explicadora de 22 anos.

Entre a equipa de 15 voluntários também existe um espírito de amizade e entre-ajuda, a que se recorre sempre que não se tem a resposta na ponta na língua. Consultam-se mutuamente, sem reservas nem receios. Esta cumplicidade também se faz notar sempre que algum dos explicadores não pode garantir o seu turno, havendo de imediato outro que assume a vez.

Para garantir o apoio devido, os dois turnos estão divididos por forma a que estejam sempre presentes explicadores que dominem diferentes áreas.

Pela forma como os adolescentes com quem falámos descrevem os voluntários, vê-se que os têm como referências e exemplos de vida. Ana Lourenço sente essa responsabilidade e isso também faz com que tudo valha ainda mais a pena. “Se pudermos ser bons exemplos, tanto melhor!”

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“Um caminho para conseguir ainda mais”

Numa outra sala, Inês Martins explica matéria de geologia a dois adolescentes. Pedras para aqui, crosta para acolá, forças para ali e todos os esforços concentrados em arranjar o método de estudo ideal para melhorar os resultados escolares.

“O trabalho é delineado no início de cada ano letivo, em função das necessidades dos adolescentes inscritos”, esclarece a coordenadora, no final da sessão, enquanto aponta para uma prateleira de arquivos onde estão as informações de todos os alunos. Mesmo ao lado, estão tabelas com os resultados obtidos nos testes, ao longo do ano.

“Tentamos ter sempre aqui estes quadros para que o explicador possa ter uma imagem exata das necessidades da criança que vai apoiar.”

A disponibilidade dos voluntários também está afixada numa tabela, na mesma sala. “Sempre que algum não pode vir, há outro que o substitui”, sublinha.

O que o apoio dos voluntários também substitui são as negativas dos alunos: por positivas. Numa comparação do primeiro para o segundo período do ano letivo, registaram-se menos nove negativas.

“É bom, mas nós tentamos sempre que sejam mais. Festejamos, mas a vitória nunca está terminada, é sempre um caminho para conseguir ainda mais”, diz Inês.

No final de cada período, os explicadores fazem uma reunião, onde é feita uma avaliação e onde se reajusta, em grupo, o melhor acompanhamento para os explicandos.

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O que se recebe em troca?

Na sala ao lado, fala-se de meteorologia: altas pressões, baixas pressões, nebulosidade… No “Explica-me”, dissipam-se as nuvens de dúvidas e prepararam-se os alunos para o tempo de testes que aí vem.

Para que os adolescentes alcancem cada vez melhores resultados, foi disponibilizado um novo turno de explicações, ao fim da tarde de quarta e sexta-feira, destinado àqueles que estão em risco de não transitar de ano, esclarece Inês Martins, ao mesmo tempo que sublinha a entrega total dos explicadores voluntários.

“Aqui, a única gratificação é percebermos que os ajudamos a melhorar o seu percurso escolar”, diz, antes de nos traçar um perfil dos voluntários. Embora não sendo um critério de admissão, a maioria dos explicadores têm formação superior. Alguns ainda frequentam o ensino, em licenciaturas ou mestrados e têm entre 21 e 33 anos.

Para os adolescentes, a gratificação é diferente: o “30 por uma linha”, uma atividade lúdica, no último sábado de cada mês, criada no âmbito do “Explica-me” onde, num ambiente de competição e desafio saudável, são motivados a melhorar os resultados.

“Tentamos oferecer atividades que eles ainda não tenham feito e existe um sistema de equipas que se desafiam pela melhor pontuação, por forma a conseguirem um lugar num pódio que publicamos no final. A motivação é o primeiro objetivo desta atividade, depois também permite aprofundar a amizade e cumplicidade entre todos, adolescentes e explicadores”, explica a coordenadora do projeto.

É uma da tarde e a Inês chama algumas das alunas. É hora de apanharem o autocarro que as vai levar de regresso a casa. Levam menos dúvidas e mais saber, graças às duas horas de apoio dado por voluntários. Já é tarde de sábado, não há escola, mas de manhã houve “Explica-me” e isso faz toda a diferença.

 

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Amizades, desafios e medalhas de ouro

A Rafaela está no 7.º ano, na escola dos Marrazes, e recebe apoio do “Explica-me” desde o 2.º período. O pai leva-a ali todos os sá  bados e as duas horas que ali está são aproveitadas para tirar as dúvidas que ficaram da semana de aulas, conta ao PRESENTE.

Se ali não estivesse, estaria a estudar sozinha em casa, “mas não era a mesma coisa”. “Nas aulas, os professores não explicam como aqui… Aqui temos mais tempo.”

Já recebeu apoio de vários voluntários do “Explica-me” e de todos tem bem a dizer, pela paciência e empenho que lhe dedicam.

A Iara já está no Explica-me há um ano. Tem 14 anos e estuda na escola Dr. Correia Mateus e também faz questão de falar da relação próxima que tem com todos os explicadores.

“Eles não são só explicadores, são também nossos amigos. Estão sempre disponíveis e são bons ouvintes…”

Não é só com os voluntários que se criam laços de amizade, mas com os outros colegas, de outras escolas. Para aprofundar essa amizade e a motivação dos adolescentes, foi criado o “30 por uma linha”, que uma vez por mês junta voluntários e alunos num dia de jogos e atividades. Iara já participou e contou-nos como é.

“É muito divertido. Num sábado de manhã por mês, em vez de virmos para o “Explica-me”, vamos fazer jogos e desafios entre equipas. Até já passámos três dias na Colónia de Férias do Pedrógão… Isto motiva-nos ainda mais para estudar, porque sentimo-nos recompensados pelo nosso esforço.”

Os resultados e as classificações das últimas atividades estão afixadas na sala onde falamos com Iara e mostram que o desafio é levado a sério, assim como os objetivos de recuperação que assumem com os explicadores. A ilustrar os resultados do “30 por uma linha”, está um pódio com o bronze, a prata e o ouro. Perguntamos à Iara que medalha dava aos voluntários.

“Eu dava ouro! Sem dúvida que eles merecem… Esforçam-se bastante por nós e eu só tenho a agradecer por dedicarem do tempo das suas vidas para nos ajudarem nos estudos.”

Um dia, a Iara gostava de entrar na universidade. Ainda não sabe o curso, mas sabe que quer continuar os estudos. Como muitos adolescentes, tem o sonho de triunfar no mundo da música. Para já, quer ganhar nos estudos e sente-se bem por saber que o “Explica-me” não a deixa desafinar na escola.

 

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