Será que temos de nos conformar com o sofrimento de vermos as crianças da catequese e os seus pais ausentes habitualmente da missa dominical? E temos que continuar a fazer celebrações que não têm continuidade prática na vida dos cristãos? E que dizer dos jovens crismados que abandonam de imediato a comunidade onde completaram a sua iniciação cristã? Vamos continuar a aguentar por muito tempo as festas religiosas porque o povo assim quer e ajudam a financiar as paróquias? Numa palavra, as nossas paróquias têm que ir morrendo lentamente, perante a impotência dos pastores que a elas se dedicam incansavelmente?
Talvez muitos de nós já se tenham resignado a esta situação e desistido de lutar por uma renovação, revendo-se no diagnóstico do Papa Francisco: “Uma das tentações mais sérias que sufoca o fervor e a ousadia é a sensação de derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre. Ninguém pode empreender uma luta, se de antemão não está plenamente confiado no triunfo.” (EG 85).
Não é esta a atitude do Papa Francisco. Ele tem um sonho e uma visão renovada e mobilizadora da Igreja, pela qual luta incansavelmente: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à auto-preservação.” (EG 27). Para isso, torna-se necessária uma “conversão pastoral” que envolve agentes e estruturas viradas à missão, fazendo com que “a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de «saída» e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade.” (EG 27).
É neste sentido que um pároco canadiano, James Mallon, escreveu e publicou o livro “Renovação divina. De uma paróquia de manutenção à uma paróquia missionária” (Editora Paulus). Segundo ele, a Igreja atual sofre de uma crise de identidade, falta-lhe consciência clara e convicção firme do que é e para que serve. Neste livro, parte da afirmação de que “somos uma Igreja essencialmente missionária”, apresenta “as bases teológicas para essa identidade” e sugere “um modelo para uma vida paroquial renovada”. Não se trata de uma obra meramente teórica, pois vai relatando a sua própria experiência de trabalho e liderança pastoral em diferentes paróquias e as outras com que tem contactado.
Tendo presente o enquadramento eclesiológico, a problemática atual da Igreja e os exigentes desafios à sua missão, o livro centra-se na paróquia. Cita e alinha com as palavras do Papa Francisco, quando afirma: “A paróquia não é uma estrutura caduca; precisamente porque possui uma grande plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade missionária do Pastor e da comunidade.” (EG 28). O autor pretende que se rompa com o status quo e a atitude conformista e resignada, interrogando-nos se estamos em busca de novas formas de agir para termos paróquias a crescer, atraindo mais pessoas e possibilitando-lhes uma experiência da fé e de comunidade fraterna. A missão primordial é proporcionar a todos o encontro e a relação pessoal com Jesus vivo tornando-se depois seus “discípulos missionários”.
Os capítulos do livro
Sob o título “casa de oração”, o primeiro capítulo usa esta metáfora para relembrar a nossa identidade e missão eclesial, que é a de fazer discípulos e apóstolos de Jesus. Em seguida, aponta a necessidade de “reconstruir a casa”, ou seja, empenhar-se na evangelização, que envolve a todos os membros da Igreja e que deve impregnar a sua vida concreta. Para isso é necessário, nas palavras do Papa Francisco, “passar de uma pastoral de mera manutenção para uma pastoral decididamente missionária” (EG 15). É preciso “ir e fazer”, passar à ação, praticar. O terceiro capítulo, sob o título “Casa de sofrimento”, evoca “a experiência de uma Igreja de manutenção” com a dolorosa realidade dos abusos sexuais e de muitas outras situações de mal que causam sofrimentos e desilusão dentro e fora das comunidades cristãs. Este sofrimento há de levar-nos a dirigir-nos a Deus para que nos ilumine e guie na ação para se fazerem “as mudanças e reformas necessárias”. Segue-se o capítulo “limpando a casa” sobre “o que é preciso descartar se queremos reconstruir a casa”. Fala das diversas tentações e obstáculos a eliminar para a missão eclesial de formar “discípulos missionários”. O capítulo 5, “lançando os alicerces”, é o mais desenvolvido e indica “como transformar a cultura da comunidade paroquial” para se renovar e se tornar “convidativa”. Com o título “A porta da frente”, segue-se um capítulo que trabalha a questão dos sacramentos “como a nossa maior oportunidade pastoral”. O autor questiona a atual prática pastoral e defende a necessidade de a fazer assentar em convicções teológicas firmes e coerentes. O capítulo 7 trabalha a questão da liderança e do seu papel essencial nas paróquias, defendendo que seja partilhada e organizada. Só será eficaz se assentar na visão de uma Igreja renovada e estiver animada pela esperança real de que a mesma é possível. Mallon dá indicações concretas para o processo de renovação e as formas de liderança a partir da sua experiência.
A concluir, o autor quer deixar claro que se trata de uma “renovação divina”. Os líderes da Igreja, pastores, religiosos ou leigos, trabalham, mas quem inspira, ilumina e guia a mudança é o Espírito Santo: “Não somos nós que mudamos qualquer coisa – o mundo, a nossa diocese, a nossa paróquia ou mesmos a nós mesmos. É o Espírito do senhor que renova a face da terra, que deu origem à Igreja e continua a fazer com que se renasça. É o Espírito Santo de Deus que nos conduz ao abraçar da nossa verdadeira identidade como Igreja missionária. É o Espírito de Deus, derramado no Novo Pentecostes, que nos dá a habilidade de suscitar a Nova Evangelização”. Este Espírito está na Igreja e em cada um de nós para ser solicitada a sua ação e nos impelir onde nós nem imaginamos.
O livro interpela-nos e desinquieta-nos. Impele-nos a deixar a lamentação e procurarmos soluções criativas para a missão nas situações concretas em que nos encontramos. Não podemos conformar-nos com as dificuldades presentes, é preciso lutar por algo de novo. O mais importante na missão da Igreja não é o que ela faz, mas o que Ele faz por nós e por todos os homens. O nosso empenho é para buscar, acolher e testemunhar o que Ele continua a afazer por nós, por todos e para todos. Está aí a verdadeira “renovação divina” da Igreja e de cada paróquia.