Dar é bom? Dar pode ser uma festa!

Perante a divisão, a polarização e outros desafios sociais e ambientais que temos perante nós, é tentador ceder ao desespero enquanto olhamos para o futuro.

Perante a divisão, a polarização e outros desafios sociais e ambientais que temos perante nós, é tentador ceder ao desespero enquanto olhamos para o futuro. Mas a esperança é uma força forte, tanto no sector social como nos outros. Porque nos agarramos nós à esperança e ao optimismo, apesar das lutas que enfrentamos hoje e que temos a certeza de vir a enfrentar no futuro? Acredito que a resposta é simples. As pessoas têm esperança porque fundamentalmente acreditam – precisam de acreditar – que estamos interligados e interdependentes, e que temos o potencial para construir juntos um presente e um futuro mais brilhante, mais seguro e com mais significado

Traduzido e adaptado por PEDRO COTRIM

De todos os valores que conduzem a uma sensação de relação, nenhum é mais universal ou mais poderoso do que a generosidade: dar como expressão de reciprocidade e solidariedade, não como uma benevolência que os que têm mostram aos que não têm, mas como algo que está no coração das práticas, relações e valores de uma pessoa. Espero que como sector e como comunidade global possamos abraçar um altruísmo efusivo – uma prática sentida, alegre, liderada por pessoas e centrada na comunidade que está inabalavelmente enraizada na nossa capacidade de cuidar uns dos outros.

Altruísmo efusivo, ou aquilo a que nós na Giving Tuesday chamamos «generosidade radical», é a simples ideia de que o bem-estar de um vizinho ou de um estranho é tão importante como o dos nossos próprios entes queridos, e que as nossas pequenas acções diárias podem ter uma influência positiva nas vidas dos outros, criando mudanças de comportamento e até mudanças sistémicas. É um movimento de muitos e o seu poder advém de uma visão partilhada para melhorar vidas no momento presente para assegurar um futuro melhor para todos. Envolve construir práticas e normas guiadas pela generosidade e celebrar a capacidade de doar que existe abundantemente em todo o mundo, embora não da forma como normalmente prestamos atenção ou usamos para criar as nossas narrativas do sector social.

A doação de dinheiro a organizações sem fins lucrativos é importante, e na Giving Tuesday vemos todos os anos uma efusão de apoio essencial para o seu trabalho. É particularmente necessário hoje em dia com o declínio da doação individual nos Estados Unidos, precisamente num momento em que a necessidade de apoio financeiro é tão significativa. Mas a generosidade não se exprime apenas em dar dinheiro a pessoas, tal como o amor não se exprime apenas em dádivas materiais. A generosidade é um valor com inúmeras manifestações como apoio, tempo, apoio jurídico, aconselhamento, atenção, presença e qualquer outra coisa que possa ser oferecida para benefício dos outros.

São estes os tipos de acções que as pessoas tomam todos os dias e que fazem a diferença na vida dos outros e no bem-estar das comunidades. Mesmo actos pequenos e significativos que demoram pouco tempo, como deixar uma pessoa a saber que estamos a pensar nela, assegurar que um amigo doente tem o apoio de que carece ou colocar uma planta à porta de um novo vizinho, são uma parte importante da generosidade. Estes gestos de cuidado não se reflectem em valores de dados padrão sobre a doação, mas têm um efeito tangível na vida das pessoas e na comunidade em que se inserem.

Quando olhamos para «dar» neste quadro mais amplo, a generosidade está de facto a prosperar. O relatório da pesquisa Giving Tuesday Data Commons sobre a doação global em 2021 mostrou que as pessoas estão altamente e consistentemente motivadas para dar e que a doação sucede de várias formas que vão muito além das doações monetárias. De facto, quase toda a gente dá de alguma forma, e a esmagadora maioria das pessoas fá-lo frequentemente (85% das pessoas inquiridas a nível global deram, mas apenas 5% das pessoas que o fizeram deram realmente dinheiro).

Ver a generosidade no contexto restrito da doação monetária a organizações sem fins lucrativos engana e constrange a nossa imaginação e é activamente contraproducente, mesmo para os interessados apenas em reverter as tendências de doação. Isto torna a doação transaccional, hierárquica, fria e pouco inspiradora. Desvia o poder para poucos, os «especialistas», que decidem que doação é boa ou má, se é eficaz ou não, se é mais orientada para os dados do que para o «emocional», e para longe das pessoas com raízes profundas nas suas próprias comunidades que sabem do que tais comunidades precisam. Também mina a agência dessas comunidades vibrantes, cada uma com os seus próprios problemas e soluções, perícia e tradição de dar.

Por isso, quando nos dizem que o número de lares americanos em que se fazem doações está a diminuir, é fácil, mas completamente injusto concluir que a generosidade das pessoas está a diminuir; tal observação míope não poderia estar mais longe da verdade.

Aprendemos muitas lições sobre o que inspira comportamentos generosos e sobre a sua prevalência, e a partir delas identifiquei várias práticas importantes que compõem o altruísmo efusivo, uma prática que nos ajudará a criar um futuro que está impregnado na nossa humanidade partilhada e a crença de que a generosidade é essencial para a condição humana.

A possibilidade de um futuro próspero e humano depende de as pessoas terem o poder de criar mudanças nas suas próprias vidas e comunidades. Significa que não podemos ter uns poucos seleccionados a decidir o que todos os outros precisam. Também não podemos encarar a generosidade como uma interacção binária simplista entre os que têm e os que precisam, uma visão distorcida que afasta milhões de pessoas da oportunidade de se darem a si próprias e as reduz a sujeitos sem rosto nos projectos de outra pessoa. É apenas quando as pessoas têm controlo sobre como, quando e onde empregam os seus bens, monetários e outros, que podem usar as suas profundas raízes locais, conhecimentos e perícia para criar soluções; que podem possuir a sua voz e perceber a sua capacidade de liderar e de criar mudanças; e que podem orgulhar-se do potencial ilimitado do seu envolvimento cívico. O altruísmo efusivo coloca o poder da filantropia em tantas mãos quanto possível.

Embora a quantidade de sofrimento e necessidade seja genuinamente esmagadora, a doação não precisa de ser solene. Quanto mais alegre for, mais inspiradora, colectiva e envolvente pode ser; mais pessoas serão encorajadas a aderir e a dar tudo o que puderem partilhar. Perante o sofrimento e a necessidade do mundo, o que há para celebrar? A nossa capacidade de fazer a diferença juntos. Dar como celebração e sem restrições é uma das razões para chamar a esta forma de dar altruísmo efusivo.

O que torna a generosidade poderosa e até algo mágica é que a façamos em conjunto. Sistemas distribuídos e interligados de pessoas espelham alguns dos sistemas mais funcionais, bonitos e misteriosos da natureza: fungos, colónias de formigas, a extraordinária tapeçaria das raízes das árvores e o murmúrio dos estorninhos. Em cada um destes sistemas, há algo no todo que é maior do que a soma das partes. Os cientistas chamam-lhe «emergência», a ideia de que algo acontece entre as partes de um sistema que depois é uma parte crucial do que o todo faz. As pessoas que trabalham colectivamente através da sua própria generosidade para melhorar o presente e o futuro são uma parte essencial do altruísmo efusivo.

Os movimentos sociais são baseados na paisagem imaginativa que os seus participantes habitam juntos, conjurando um mundo que ainda não existe e fazendo o trabalho para o construir colectivamente. No seu livro The Radical Imagination, Max Haiven e Alex Khasnabish escrevem que «a imaginação radical […] é transformar as nossas vidas e relações sociais, transformar quem e o que imaginamos valiosos, e transformarmo-nos a nós próprios. Fazemos isto construindo estruturas sociais e instituições alternativas nas nossas próprias vidas. A imaginação radical existe apenas na prática colectiva». A criação de uma imaginação partilhada e altruísmo efusivo é inextricável. Ambos dependem do colectivo, visionam um mundo feito melhor através da humanidade partilhada, da responsabilidade e da agência, e olham para o passado, presente e futuro não como períodos desajustados no tempo, mas como períodos profundamente interligados.

A forma como cada um de nós expressa a sua generosidade não é algo a ser julgado ou comparado. Qualquer expressão de generosidade é uma manifestação do instinto humano de fazer parte de algo maior do que nós próprios, de contribuir para o bem

. Todos nós, tanto dentro como fora do sector social, devemos começar a olhar para a generosidade de forma diferente e holística. É sempre abundante, surge de muitas formas, e é tão importante para a condição humana como o amor, a amizade, ou qualquer outro dos nossos valores mais preciosos. Temos a oportunidade de reescrever a história da generosidade e ajudar cada vez mais pessoas a verem-se a si próprias como tendo um papel essencial no fortalecimento das suas comunidades e na participação no bem social.

O mundo que queremos ver amanhã, daqui a 10 anos ou daqui a 100, está a ser construído por todos nós agora nos milhões de acções minúsculas diárias. Lembremo-nos que um futuro melhor, mais seguro e mais equitativo depende não só de cada um de nós, mas de cada um de nós em conjunto. Que seja a nossa derradeira fonte de esperança e optimismo para o presente e para o futuro.

Traduzido com permissão de “The Case for Effusive Altruism” © Stanford Social Innovation Review 2023

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