No âmbito da visita realizada à paróquia da Caranguejeira, D. Diamantino Antunes, bispo de Tete, Moçambique, nascido em Albergaria dos Doze, concedeu uma entrevista ao Notícias da Caranguejeira (NC), e falou das motivações da sua visita a Portugal, da situação em Cabo Delgado e como está a viver a sua nova missão.
NC: A visita à paróquia da Caranguejeira e à sua terra natal insere-se num importante e mais alargado contexto.
Diamantino Antunes (DA): Sim, a minha visita a Portugal deve-se a um assunto importante que é a Causa da Beatificação dos dois missionários mortos na minha diocese de Tete, no dia 30 de outubro de 1985, os padres Sílvio Moreira, português, e João de Deus, moçambicano, por serem testemunhas incómodas das atrocidades da guerra. Outro dos motivos que me trouxe a Portugal é a impressão e publicação do Missal Dominical em língua cinyungwe uma das três que se falam em Tete, além do português, para os cristãos terem acesso à palavra de Deus.
Para além disso irei visitar família, amigos e falar e testemunhar de Moçambique que vive um momento difícil em Cabo Delgado.
NC: Como vê a situação em Cabo Delgado?
DA: É uma guerra que já começou em 2017, mas só recentemente começou a ter repercussão na comunicação social, devido à violência dos ataques. Já são mais de 2 mil mortos e 700 mil deslocados que tiveram que fugir e se refugiar noutras terras e cidades.
NC: O anterior bispo de Pemba, D. Luís Lisboa, diz ter sido ameaçado por forças ligadas ao Governo. O Sr. D. Diamantino alguma vez se sentiu ameaçado?
DA: As ameaças a D. Luís Lisboa são reais. Ele expôs-se bastante e chamou a atenção para a gravidade desta guerra à qual o governo nunca deu muita atenção, não sei se por falta de conhecimento, ou se não lhes convinha falar desta guerra. Ele denunciou e incomodou aqueles que têm poder, aqueles que ganham com esta guerra. Pessoalmente nunca me senti ameaçado. Mas nós, bispos, na Conferência Episcopal pronunciámo-nos sobre a situação, fizemos uma declaração muito clara sobre os males daquela guerra, as suas causas, infundindo esperança no povo moçambicano e colocando-nos à disposição para ajudar à resolução do problema. Neste momento o mais importante é a assistência alimentar e sanitária aos deslocados.
NC: Isto revela que houve alguma negligência ou tentativa de esconder a situação por parte do governo de Moçambique?
DA: Negligência em preparação para enfrentar uma guerra de guerrilha, um tipo de guerra para a qual as forças armadas moçambicanas não estão preparadas. Procurou-se recorrer a forças mercenárias, mas que foram incapazes.
NC: O governo moçambicano não se mostrou aberto à ajuda internacional, advogando o princípio de soberania.
NC: Na verdade já perdeu a sua soberania sobre aquele território onde já não estão pessoas e se movimentam livremente os grupos insurgentes, que dizem estar filiados ao autoproclamado Estado Islâmico. Penso que serão os moçambicanos que têm de combater esta guerra, mas precisam de ser preparados, formados, algo que já está a acontecer. Em termos militares seria mais importante uma colaboração ao nível dos países da África Austral, vizinhos a Moçambique, para não dar uma ideia de invasão externa. É evidente que a guerra tem de se enfrentar estando preparados. Estes insurgentes estão bem preparados, bem armados, bem financiados, bem motivados. Infelizmente os jovens daquela zona, facilmente são aliciados para a guerra com promessas económicas, mas também com uma certa revolta interior. E não falta mão-de-obra para estes insurgentes, que são locais.
NC: Foi ordenado bispo em 2019, como está a viver esta sua nova missão?
DA: Diferente, mas continuo a sentir-me missionário. Estou numa diocese com muitas necessidades, e uma das prioridades que tenho é ter missionários para dar sacerdotes àquelas paróquias e comunidades com muitos católicos e que estão há muitos anos sem padre. Neste sentido desejo formar sacerdotes locais diocesanos. Graças a Deus nos últimos dois anos tive a felicidade de ordenar cinco padres, este ano vou ordenar mais três e abrir novas paróquias na cidade, e continuar o trabalho no campo da educação e da saúde.
Bispo de Tete (Moçambique) é natural de Albergaria dos Doze
D. Diamantino Antunes é bispo de uma diocese com uma área territorial superior à de Portugal continental e insular, e visitou a paróquia da Caranguejeira a 9 de maio. Natural de Albergaria dos Doze, D. Diamantino Antunes, missionário da Consolata, é bispo da diocese de Tete, em Moçambique, país onde tem trabalhado desde 1992.
Nomeado pelo Papa Francisco, foi ordenado bispo a 12 de maio de 2019, diante da sua atual Catedral, tornando-se o primeiro bispo missionário da Consolata português. De visita a Portugal e à sua terra natal, quis também visitar a Caranguejeira, tendo presidido às celebrações dominicais das 8h30 na Caranguejeira e das 10h00 nos Soutos, a convite do pároco, Pe Filipe Lopes, de quem é amigo.
‘Gaudium et Spes’ (Alegria e Esperança) é o lema que D. Diamantino Antunes escolheu para o seu episcopado, uma nova missão iniciada numa altura particularmente difícil para si e para aquele povo, devido às tragédias naturais que têm assolado a sua diocese nos últimos anos: inundações, ciclone, secas e, agora, a pandemia.
Apesar de tudo, e fazendo jus ao seu lema, foi de sorriso estampado no rosto que se apresentou aos paroquianos caranguejeirenses, partilhando as alegrias e as dificuldades da sua missão. “Ali o bispo não é para ficar em casa. É para andar, visitar. Nestes dois anos fui a lugares onde nunca tinha estado um bispo. Lugares recônditos, onde só é possível chegar de mota ou a pé. Encontrei comunidades que, apesar de não terem padre, celebram a sua fé. Há comunidades que estão sem sacerdote há décadas. Temos falta de vocações. Numa diocese que é maior que Portugal temos apenas 17 padres diocesanos e 40 missionários.”
D. Diamantino Antunes falou ainda da guerra terrorista na província de Cabo Delgado, na vizinha diocese de Pemba, que tem provocado milhares de deslocados e de mortes, “um flagelo”. “Há interesses políticos e económicos obscuros porque é uma zona rica de recursos naturais. E, para os países pobres, as suas riquezas são as suas desgraças… porque são cobiçadas. A Igreja desde o primeiro momento alertou e denunciou esta guerra. Hoje está na primeira linha para ajudar e aliviar o sofrimento das pessoas vítimas deste flagelo.”
Aos caranguejeirenses o bispo de Tete deixou um pedido de oração pela paz em Moçambique. Os paroquianos responderam com um sim e também com um gesto de generosidade e partilha no final das duas celebrações a que presidiu.