Provocação – A sério pensa lá em ti e no que realmente fazes ao serviço de Deus?
Reflexão – Colocas-me assim, perante mim, mas mais ainda, perante Deus. Na minha reflexão tenho que abrir o meu coração e ser verdadeiro, pelo menos naquilo que julgo sobre mim, como se me visse de fora de mim e perceber se o que me move é apenas e só servir a Deus, (e os outros em Deus, claro), ou se há algum interesse “não confessável” da minha parte.
P – Sim, pensa nisso e diz-me o que te move, o que no teu íntimo está, também, no teu serviço a Deus.
R – Primeiro acredito, apesar de tudo, que existe em mim uma verdadeira vontade de servir a Deus, servindo os outros.
Julgo que isso é indissociável da minha relação pessoal com Jesus Cristo, na minha procura constante do Espírito Santo em mim, do meu querer viver do e no amor do Pai.
Mas se isto é verdade, acredito eu, não é menos verdade que o reconhecimento por parte dos outros de uns quaisquer dons que me possam ser atribuídos, não me é desagradável, antes pelo contrário, me é agradável e alegra o meu ego.
P – E que mal vês tu nisso?
R – Não haveria mal em si, se tal fosse um reconhecimento em humildade, da minha parte, de que esses possíveis dons vêm de Deus e que são Sua graça e apenas Sua graça, sem qualquer mérito meu.
P – Significa isso que te sentes, por acaso, credor de dons de Deus por méritos da tua vida?
R – Infelizmente tenho que reconhecer que, embora não me julgue credor de quaisquer dons de Deus, no meu infame orgulho penso que tudo o que tenho vivido e feito ao serviço de Deus, merecerá da sua parte os eventuais dons com que talvez me agracie.
P – O que sentes tu quando alguém te elogia ou “reconhece” em ti eventuais dons de Deus?
R – Pois é aí que reside o problema, que reside a minha luta contra o pecado de me julgar merecedor ou mesmo digno de qualquer dom de Deus.
Em vez de humildemente reconhecer intimamente, (exteriormente é fácil dizer que reconheço que é tudo graça de Deus sem mérito meu), que é tudo graça de Deus, acabo por julgar que de algum modo esses eventuais dons serão fruto de uma entrega minha, de um qualquer caminho de santidade meu, de um qualquer reconhecimento por parte de Deus das minhas orações o da minha busca do Caminho da Verdade e a Vida.
P – Mas achas tu que Deus não deve reconhecer os seus filhos que se entregam a Ele para O servir, servindo os outros?
R – A minha resposta terá que ser, obviamente, quem sou eu para achar ou deixar de achar aquilo que Deus deve ou não reconhecer!
Mas infelizmente, (ainda sou muito humano, digamos assim), acho que sim, que Deus deveria reconhecer aqueles que a Ele se entregam para O servir servindo os outros.
Custa-me escrever o que acabei de escrever, mas tenho que ser verdadeiro nestas conversas e dizer o que deveras sinto.
P – Então e que reconhecimento seria esse da parte de Deus?
R – Pois. A verdade é que o “reconhecimento” de Deus para aqueles que a Ele se entregam há muito que está determinado, ou seja, é a promessa concretizada em Jesus Cristo da vida eterna junto de Deus.
Mas os orgulhosos como eu gostam de ser elogiados nesta vida, gostam de ser reconhecidos nesta vida, como se eu pudesse alguma vez ser um “escolhido” de Deus para guiar outros, ou “pior” ainda, como se os outros pudessem vir a Deus por causa de mim e não e apenas por sua graça.
P – Mas tu achas que Deus não escolhe alguns para serem guias de outros, para serem de alguma forma testemunhas de que o seu amor transforma o homem?
R – Claro que acredito que Deus escolhe alguns ao longo do tempo para serem suas testemunhas privilegiadas, como podemos facilmente constatar em tantos santos da Igreja e até noutros que não tendo sido reconhecidos como “santos de altar”, foram e são, no entanto, razão para muitos procurarem Deus e quererem viver a alegria da fé que neles é tão visível.
Mas esses, com certeza, não pensam como eu, ou melhor, não se alegram intimamente com os elogios que lhes são dados e nem sequer os procuram.
P – Quer dizer que tu procuras os elogios, o reconhecimento?
R – Não verdadeiramente, isto é, não os provoco directamente, talvez, mas intimamente desejo-os e, às vezes, por causa deles, sinto-me como que privilegiado por Deus, (ou gostaria que me vissem assim), como se tivesse uma relação com Ele melhor do que a dos outros, mais íntima, como se Ele me amasse mais do que aos outros!
Sou tão fraco!
P – E isso faz-te sofrer?
R – Faz e não faz! Como posso eu explicar esta dualidade que em mim vive?
Eu sei que é um caminho de perfeição e que a mesma nunca será alcançada a não ser quando, por sua graça, eu esteja junto dEle eternamente.
Mas no dia a dia é uma luta constante e pior do que isso é esta pergunta constante que faço a mim próprio se estou ou não a ser verdadeiro na minha relação com Deus.
Lembro-me de São Paulo e do “espinho” que ele dizia ter e Deus não lho tirava, mas até essa comparação me faz sentir, por um lado orgulhoso, por outro um mentiroso na verdade que quero encontrar e viver.
P – E isso não será falta de um verdadeira entrega a Deus, para que Ele te guie e te ajude a ultrapassar todos esses sentimentos?
R – Sem dúvida que é falta de entrega total e incondicional a Deus.
Mas já rezei e rezo tanto para me sentir menos dividido nestes sentimentos, já fiz tantas promessas a mim próprio de me retirar de tudo e só aceitar aquilo a que me chamem, de fechar tudo que tenho e escrevo sobre a minha vivência da fé, e no fundo os sentimentos continuam e não me deixam descansar em Deus.
E depois tenho medo de se abandonar tudo, ficar esquecido e já não se quererem servir de mim!
P – E essa não poderia ser a solução para venceres esses teus sentimentos?
R – Talvez pudesse ser!
Mas e se fosse o inimigo que instilasse tais pensamentos em mim para eu não fazer aquilo que faço?
Ou será este pensamento também um orgulho por pensar que faço alguma coisa que afasta os outros do inimigo, ou melhor, que os aproxima de Deus?
P – Pois não sei o que te responder para te ajudar.
R – Nem eu sei também!
Sei que este é um caminho difícil e que se Deus o permite é porque me quer guiar em alguma coisa importante na vida que me deu, mas a verdade é que me divide, me custa, me ocupa tanto tempo e pensamentos para procurar a verdade e encontrar o caminho e a vida que Deus quer para mim, nunca esquecendo os outros.