Foi uma das atividades da Festa da Fé, embora tenha começado uns dias antes, o ciclo de cinema sobre a família, com a exibição de quatro filmes “comentados”.
A iniciativa foi do Departamento de Pastoral Familiar (DPF) da Diocese de Leiria-Fátima e visava abordar alguns dos aspetos da vida em família, com a ajuda da 7.ª arte. Para tal, foram escolhidos quatro filmes e convidados outros tantos casais, para um testemunho de vida relacionado com o argumento que iria ser visto no grande ecrã do teatro Miguel Franco.
Com uma apresentação a 10 de junho, outra no dia 14 e as duas últimas a 16, já em plena Festa da Fé, esta proposta teve uma participação média de 100 pessoas por sessão. “Foram, sobretudo, casais e famílias já com alguma ligação à pastoral familiar, mas que apreciaram muito a dinâmica da atividade e saíram, com certeza, enriquecidas pela partilha de experiências”, conta o padre José Augusto Rodrigues, diretor do DPF.
Reconstruir a família longe de casa
O primeiro filme do ciclo, apresentado a 10 de junho, foi “Lion – A longa estrada para casa”, realizado por Garth Davis em 2016, sobre a saga de um rapaz adotado que, aos 30 anos, tenta reencontrar a família de sangue, da qual se perdera aos 5 anos de idade.
Para ilustrar uma história parecida, foi convidado o casal Fatima Ammar, da Líbia, e David Sani, da Guine Bissau, casados há 17 anos e que tiveram de fugir do Egito em 2011, na sequência das perseguições movidas no contexto da revolução da famosa “Primavera Árabe”.
“Tínhamos a nossa vida organizada”, contaram, quando tiveram de tomar “uma das decisões mais difíceis” das suas vidas, “deixar tudo para trás, sem sabe como vai ser o futuro”. Com a filha, de 8 anos, vieram para Lisboa, mas não conseguiram arranjar trabalho, pelo que, cinco meses depois, rumaram a Leiria, onde David Sani tinha um irmão médico. Aí teve uma das maiores surpresas que poderia esperar: que lhe abriu a porta foi a própria mãe, que já não via há 24 anos! Nem ela os reconheceu de imediato!
Com o falecimento desse irmão, meses depois, regressaram as dificuldades: “Para trabalhar é preciso ter a residência e para conseguir uma residência é preciso um contrato de trabalho e fazer descontos”, recorda. Foi um ano em que sobreviveram “com ajudas familiares e associações como Apoio dos Emigrantes, ADAV, Cáritas, Cruz Vermelha e Colina do Castelo”. Aos poucos, foram conseguindo integrar-se e sentiram-se sempre bem acolhidos na cidade, até que conseguiram emprego e uma casa própria. “Começámos a nossa vida do zero, mas, pouco a pouco, está a melhorar. Hoje a nossa família já tem uma vida organizada e estável”, contaram, não escondendo as saudades dos seus países de origem e a vontade de regressar, mas s quando tiverem condições de “paz e estabilidade”, que “são fundamentais na vida humana”. Até lá, “Portugal é o nosso segundo país, é como uma mãe que não faz diferença entre os filhos”.
Redescobrir o que é importante
“Terapia a dois” foi a segunda película escolhida, uma comédia romântica sobre o amor depois dos 50, escrita por Vanessa Taylor e realizada por David Frankel. Conta a história de um casal que tenta combater a rotina em que o seu casamento caiu, aderindo a uma semana de terapia para casais onde, após muitas peripécias, reencontram o que os fizera inicialmente acreditar na felicidade a dois.
O casal convidado, Andreia Rodrigues e Paulo Carreira, da Caranguejeira, não sente ainda propriamente a “rotina” como problema, apesar dos 9 anos de namora, 11 de casamento e dois filhos. Ainda assim, assumem que há sempre mais a fazer para o conhecimento mútuo das suas diferenças, “ideias, exigências e necessidades”, como partilharam em forma de diálogo. “Somos um casal preocupado em construir um casamento sólido, procuramos estar atentos às ferramentas disponíveis”, contaram, pelo que, há três anos, decidiram fazer o “Percurso Ela & Ele”, uma das propostas da Pastoral Familiar diocesana.
Não é propriamente uma terapia como a do filme, mas foi “oportunidade de jantar só nós os dois, sem as crianças e onde tivemos oportunidade de falar sobre temas que nem sempre era abordados, alguns deles nunca antes falados com clareza e franqueza. Podemos conhecer-nos um pouco melhor”, revela o Paulo, que inicialmente nem foi muito convencido. “Aprendemos a verdadeira importância do tempo para o casal, da comunicação e do poder do perdão”, concluiu.
Apoiar a reintegração familiar
O terceiro filme do ciclo foi “Um sonho possível”, de John Lee Hancock, sobre um adolescente traumatizado e abandonado à sua sorte que é adotado por uma família da classe alta, numa relação em que todos acabam por se ajudar mutuamente a redescobrir o sentido da vida.
Filomena Carvalho e Nelson Santos, casados há 8 anos, na paróquia das Cortes, partilharam a experiência de apoiar, nos últimos dois anos, duas meninas de 13 anos que se encontram institucionalizadas. Embora não sejam família de acolhimento ou de adoção, já que elas “têm as respetivas famílias biológicas e o seu projeto de vida passa, em princípio, pela reintegração nas suas famílias”, assumem-se como “parceiros no projeto educativo das instituições e entidades que têm a responsabilidade de acolher e educar crianças com famílias que possam ter alguns limites na sua estrutura de base”. Nesse sentido, procuram “transmitir um conjunto de valores éticos e morais que acreditamos, como o sentido da amizade, da verdade, do respeito mútuo, do trabalho, da oração em família, o sentido de família e da responsabilidade pelas nossas escolhas”. Em troca, recebem “muito delas, sobretudo o enorme dom de serem crianças alegres e bem dispostas”. Concluem, então, que “o importante é deixarmos o nosso pequeno rasto de perfume nas suas vidas e que esse perfume, que passa por um amor fraterno, possa ser por elas transmitido a outros e porque não ser vivido no seio das famílias que vierem a criar”.
Recriar as formas de relação
O último filme foi “A Família Bélier”, de Éric Lartigau, uma comédia dramática sobre uma família onde todos sofrem de surdez, exceto a filha adolescente que assume o papel de porta-voz dos restantes, que um dia tem de optar entre continuar essa missão ou partir para longe, para realizar os seus próprios sonhos.
José Manuel e Maria Gabriela Andrade, da Marinha Grande, estão casados há 49 anos e, nos últimos 10, têm-se deparado com um problema semelhante: ela sofre de surdez cada vez mais acentuada. Têm consciência de que “não há famílias perfeitas e todos terão os seus problemas”, pelo que há que encarar os problemas concretos, como todas as outras famílias. Consideram o perdão como “vital para nossa saúde emocional e sobrevivência espiritual” e é daí que partem para redescobrir “a paz e a alegria”. No seu caso concreto, o problema da surdez foi sendo ignorado, até que se tornou incapacitante e obrigou a reforçar a “dose de amor, compreensão e perdão, para se vencerem dificuldades que uma grande parte das vezes nos parecem maiores do que na realidade são”.
Luís Miguel Ferraz