Carta Pastoral: Pelo Batismo somos Igreja viva e peregrina

A Igreja de Leiria-Fátima tem o bom costume de fixar caminhos e metas que orientem a sua ação e os seus esforços de transformação para responder aos desafios do nosso tempo...
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Aos membros da Igreja de Leiria-Fátima, irmãs e irmãos participantes na graça do Batismo que nos foi concedida: Companheiros no Episcopado e no Sacerdócio Ministerial ao serviço do Povo de Deus, Consagradas e Consagrados ao serviço do Evangelho, Leigas e Leigos empenhados na vida e na missão da Igreja, e todos os que buscam sinceramente o sentido da vida e se empenham na construção de um mundo de justiça, de solidariedade e de paz.

Caríssimos irmãos e irmãs,

A Igreja de Leiria-Fátima tem o bom costume de fixar caminhos e metas que orientem a sua ação e os seus esforços de transformação para responder aos desafios do nosso tempo, guiados pelo Espírito do Senhor Jesus. Nos últimos três anos, fomos guiados pelo tema da Eucaristia, a celebração que reúne cada comunidade e resume a vida e a esperança dos discípulos de Jesus.

Desde há dois anos, estamos a seguir o caminho de transformação sinodal, proposto pelo Papa Francisco a toda a Igreja. Participámos ativamente neste caminho, tentando escutar e discernir a situação em que nos encontramos e interrogando-nos sobre aquilo que o Espírito do Senhor nos sugere como caminho de transformação da Igreja e de anúncio do Evangelho a todo o mundo.

Por isso, o tema agora proposto para guiar a nossa Igreja diocesana de Leiria-Fátima está ligado ao processo em que nos encontramos empenhados, a partir do dom fundamental do Batismo: “Pelo batismo somos Igreja viva e peregrina”. De facto, é pelo batismo que tomamos parte nessa peregrinação da vida e da história que a Igreja vai fazendo no meio do mundo. É pelo dom batismal do Espírito Santo, que nos tornamos filhos e filhas do Pai do Céu, por isso, irmãos e irmãs na Igreja, empenhados na mesma missão de transformação da própria Igreja e do mundo. É esta perspetiva batismal e sinodal, guiada pelo Espírito Santo, que orienta a busca de transformação da nossa Diocese de Leiria-Fátima, para responder aos desafios do nosso tempo. 

À luz das escutas feitas em toda a Diocese e das indicações de vários grupos de trabalho, foi elaborado um Programa Pastoral para os próximos três anos, contendo processos, metas e objetivos de transformação da nossa Diocese. Esta carta pretende provocar uma reflexão que nos leve, ao longo deste caminho, a ter bem presente os fundamentos do batismo, que nos torna capazes de ser, individualmente e em comunidade, agentes dessa transformação. Ela não pretende ser uma doutrina acabada, mas início de caminho de reflexão a partir do batismo, que se vá enriquecendo com a vida e a reflexão dos irmãos, ao longo deste triénio.

1. Elementos para a leitura dos sinais dos tempos

a) A Igreja peregrina na humanidade, na história e nas culturas

Todos nós, temos consciência e experiência da radical e profunda mudança em que estamos envolvidos, que atinge toda a humanidade e afeta o planeta em que decorre a nossa vida. Essas transformações têm uma dimensão rápida e global, atingindo todo o mundo em pouco tempo, e nem sempre com efeitos positivos.

Todos os dias experimentamos os resultados positivos das novas tecnologias e recursos. No entanto tomamos igualmente consciência diária de que, embora seja desejável e benéfico em si mesmo, o desenvolvimento científico e tecnológico não dá resposta sustentável e justa aos problemas da humanidade, se não for acompanhado de igual desenvolvimento de uma ética responsável e humanizadora, acompanhada de um crescimento espiritual que a sustente. 

Sentimos a gravidade dos desafios que já estamos a enfrentar, nos conflitos internacionais, na fome que atinge continentes inteiros e mata anualmente milhões de crianças, nos desesperados que buscam segurança e condições de vida fora da sua terra e encontram pelo caminho, muros, portas fechadas, exploração, escravidão e morte. O Papa Francisco não cessa de alertar para os danos da “economia que mata” e exclui grande parte da humanidade, bem como para o uso e abuso do planeta que nos sustenta e está ao serviço de poucos, quando foi dado por Deus para casa comum de toda a humanidade. 

Como cristãos e filhos do Senhor e Criador do Universo, sentimo-nos solidariamente envolvidos nesta mudança epocal e nos desafios que ela comporta. Como Igreja, somos parte da humanidade que Jesus veio salvar e à qual continua a enviar-nos a levar a Boa Nova. Ele não veio para condenar o mundo, mas para que o mundo tenha vida e a tenha em abundância (cf. Jo 3,17). Sentimos o secularismo agressivo, a indiferença real ou aparente, a desilusão, a oposição declarada e a perseguição em tantas partes do mundo. Os tempos da “cristandade”, que permeava a maioria dos países ocidentais estão claramente ultrapassados. Como no começo da Igreja, é num contexto da variedade das culturas e dos modos de pensar que somos chamados a estar presentes, como semente e fermento de mundo novo e melhor. Não podemos deixar que o futuro, que fascina e preocupa, se construa sem a semente do Evangelho. Daí que a missão, que faz parte da identidade cristã, tenha uma importância fundamental nos nossos dias, também entre nós.

Não adianta acenar com o retorno saudosista ao passado. A fé não é simplesmente um dado cultural ou de identidade nacional, fruto da pressão social e tradicional. É fruto da adesão pessoal e existencial a Cristo e vive-se no contexto de uma sociedade diversificada do ponto de vista da sua origem, cultura e fé. Desde o tempo dos apóstolos, a forma de organizar a Igreja e de formular o seu modo de apresentar Cristo, foi-se recreando e adaptando, para que a mesma e única mensagem de Jesus chegasse a “cada um na sua própria língua”, como aconteceu no Pentecostes (cf. At 2,8). Desse modo, o Evangelho é chamado a ser motor de mudança de cultura e de futuro, não pela imposição da força, mas pela presença eficaz do Espírito de Deus.

A encarnação do Evangelho nos tempos e nas culturas não pode levar a desvirtuá-lo, seja pelo retorno saudosista ao passado, seja pelo acomodamento acrítico às ideias e comportamentos em moda. O autêntico testemunho (marturia) do Evangelho, hoje como ontem, exige uma fiel escuta do Espírito de Jesus, que continua presente e atuante, através do Povo de Deus, chamado a ser semente e fermento de mundo novo.

b) Na nossa Igreja de Leiria-Fátima

A nossa Igreja de Leiria-Fátima insere-se nesta peregrinação de toda a Igreja no mundo e nas culturas. O Evangelho foi acolhido nesta parte do planeta que é o nosso país, em tempos de grande perturbação, pela confluência de diferentes povos e culturas, de uma forma nem sempre pacífica. A missão evangelizadora teve um papel central na unificação e no forjar da identidade do nosso povo, de tal modo que cedo nos fomos entendendo e assumindo como “nação cristã”, no seio da “cristandade”. Ao abrir-se a novos mundos, a Igreja em Portugal foi partindo “em missão”, entre os povos e culturas de outros continentes, onde foi semeando o Evangelho. Não se falava de missão dentro deste povo, pois, “já éramos cristãos”. Além disso, replicando a organização social, também a Igreja foi assumindo uma estrutura piramidal, com a concentração das funções de responsabilidade e direção nas mãos do clero.

Hoje, os tempos são bem diferentes. Na nossa Diocese, a síntese diocesana do processo sinodal, salienta que, a par das referências religiosas da tradição, que se mantêm na maioria das famílias, nota-se que um crescente número de fiéis abandona a prática religiosa: “A maioria dos que frequentaram a catequese, ao terminar o seu percurso, abandona a prática religiosa e são poucos os que, depois disso, se envolvem nos grupos, movimentos ou serviços paroquiais. Não sentem motivação e consideram que a religião não é uma dimensão importante para as suas vidas. Há também jovens que se desencantaram com a Igreja, não se reveem nela ou não se sentem acolhidos e aceites”.

A crise estendeu-se também aos membros do clero. O seu número desceu significativamente, e a concentração do serviço pastoral nas mãos dos sacerdotes faz com que, entre outras consequências, tenham de correr a fazer celebrações religiosas, deixando pouco tempo para o trabalho de evangelização, de formação e de acompanhamento pessoal dos membros das suas comunidades. Além disso, a perspetiva de uma vida totalmente dedicada ao serviço do Evangelho, no sacerdócio ou na vida consagrada, não está a atrair muitos jovens, tornando mais difícil o acompanhamento e a dinamização das comunidades cristãs, no modelo atual.

O sentido de desmotivação e de crise invadiu muitos cristãos, seja por desalento e dúvida, seja pela indiferença e pelo pensar que o normal, na sociedade de hoje, já não é ser crente. Além disso, como mostra o documento sinodal, situações de escândalo contrárias ao Evangelho, bem como alguns aspetos da proposta de vida da Igreja que não são entendidos, provocam dúvidas e deserção ou, pior ainda, indiferença.

Em toda a Igreja se sente que este é tempo de mudança e que exige atenção, fidelidade criativa e coragem. Não podemos fechar-nos no medo ou no passado, nem na simples condenação deste mundo que está a nascer, com tantos desafios. A Igreja sempre acompanhou e provocou a mudança e este é um tempo especial para estar presente, para acolher o dom do Espírito, para discernir, ser fermento, semente e sal, para o amanhã da humanidade.

O percurso sinodal em curso, que procura aprofundar e tirar consequências do sopro do Espírito no Concílio Vaticano II, quer ser promotor desse tomar a sério o momento histórico em que nos é dado viver. É tempo de escutar a Igreja, de escutar a voz do Espírito que a anima, bem como a voz do mundo e o clamor dos pobres. Escutar, rezar, discernir, guiados pelo Espírito do batismo, que nos fez irmãos e irmãs, discípulos do Senhor Jesus e membros da Igreja. É nesse caminho que estamos empenhados.

A recente Jornada Mundial da Juventude (JMJ-2023), em contraste com o pessimismo de muitos, revelou um quadro muito vivo e empenhado dos nossos jovens e uma impressionante explosão de sã alegria, de abertura de horizontes e de afirmação da universalidade e credibilidade da mensagem do Evangelho. Estatísticas recentes mostram também que a sede de espiritualidade como sentido da existência e do futuro, não está longe do nosso povo e do coração dos nossos jovens. Poucos ou muitos que sejam em cada paróquia, juntamente com outros leigos mais adultos, eles foram extraordinários na generosidade, na capacidade e competência para promover e organizar, na prontidão e disponibilidade de acolher a multidão de jovens que foram acorrendo de todo o mundo, anunciando a alegria juvenil da fé que os move. 

Este espírito juvenil da Igreja não pode extinguir-se com o apagar das luzes da ribalta. É importante que, em cada comunidade, os jovens tenham real oportunidade de exprimir a sua forma de viver e de sonhar a fé, de entrar no processo de discernimento e de decisão das comunidades, de sonhar a Igreja, impelidos pelo mesmo Espírito que sopra também no coração dos bispos, presbíteros e leigos mais adultos. É preciso abrir as portas e dar espaço aos jovens e aos outros que estão fora da Igreja, ou que são tentados a sair dela.

Não tenhamos medo, nem percamos a confiança! É certo que, hoje, o nosso povo já não é unanimemente cristão, embora continue, na sua maioria, a ter referências religiosas. O mundo mudou à nossa volta. A vaga de imigrantes, provenientes de todo o planeta contribui para uma diversidade das formas de dizer “eu creio”. Não olhemos para esta diversidade como um dado preocupante, mas como oportunidade de estar ativamente presentes nestes tempos de mudança. Como em todas as encruzilhadas da história, também hoje, Deus conta connosco para se tornar presente no mundo novo que está a nascer. Os acontecimentos destes tempos mostram que Ele está realmente no meio de nós e gera nova vida e novo futuro.

2. Dois quadros inspiradores

Partir da realidade hodierna e permitir que ela seja iluminada pela memória histórica do agir de Deus na Igreja e no mundo é o primeiro passo para o discernimento sinodal. O segundo passo é iluminar a realidade com a Palavra de Deus, guiados pelo seu Espírito. Era isso que Jesus pretendia quando levou os apóstolos Pedro, Tiago e João ao cimo de um monte, para lhes fazer ver, à luz da Escritura (Mc 9,2-13), o ontem, o hoje e o amanhã do Projeto de Deus. 

Para este segundo passo, podemos deixar-nos iluminar por dois quadros dos evangelhos: as etapas iniciais da pregação do Evangelho, por Jesus, a partir da narração do evangelista Marcos (Mc 1,9-39) e a partida apressada de Maria, Mãe de Jesus, para ir ao encontro de Isabel (Lc 1,39ss). Em ambos os casos, o ponto de partida do caminho transformador da história – tanto de Jesus como de Maria – é o Espírito de Deus que renova todas as coisas.

a) Na plenitude do Espírito do Pai, Jesus torna presente o Reino de Deus na terra

As primeiras páginas do Evangelho de São Marcos (Mc 1,1-20) falam do começo da Boa-Nova anunciada por João Batista e proclamada já presente e atuante, pela presença de Jesus. Por isso, representam para a Igreja, em todos os tempos, inspiração e modelo para a sua vida e missão. Os passos desta apresentação são fundamentais para entender a missão de Jesus, na qual a Igreja (cada um de nós) é chamada a inserir-se. 

1. Após o testemunho e anúncio de João, Marcos apresenta Jesus, o possuidor e dador do Espírito Santo. Quando se aproxima para receber o batismo de João Batista, Jesus não vem receber o Espírito, pois Ele já o possuía, sendo o Filho de Deus. Este é o momento da Sua revelação pelo Pai como “O Meu Filho muito amado, o Meu Escolhido” (Mc 1,9-11), sobre o qual paira o Espírito Santo sob a forma de uma pomba. Esta presença de Deus na pessoa humana de Jesus é que nos abre as portas da vida que não acaba e insere na história humana o dinamismo da vida e do projeto renovador de Deus. É nesta condição que Jesus chama a Deus “Abbá – Pai querido” e nos ensina a chamá-Lo também assim.

Aderir a Cristo pelo batismo e receber o seu Espírito faz-nos ouvir a mesma palavra dirigida a Jesus. A cada um dos que recebem o Seu Espírito (a Sua Vida), Deus diz: “Tu és meu filho querido… a minha filha querida”. Este é o ponto de partida do caminho da fé e também a capacidade de viver e agir como “O Filho”, pelo seu Espírito. Abre-nos aos horizontes do amor e do poder de Deus, liberta-nos do medo, abre a inteligência e torna-nos cuidadosos e atentos na transformação da Igreja e do mundo. Este é o dom do batismo, pelo qual fomos unidos ao Filho de Deus, Jesus, o Cristo.

2. Depois da apresentação solene, deste “Homem Novo”, diz Marcos que o “Espírito impeliu-O [Jesus] para o deserto. E ficou no deserto quarenta dias. (Mc 1,12-13). No deserto, “impelido pelo Espírito”, Jesus discerne o seu caminho e a sua missão. O deserto significa o caminho da vida, com os seus limites, mas igualmente com a abertura para a escuta silenciosa da voz do Pai e para a ação transformadora que Ele provoca. Jesus vive nessa atitude de deserto existencial povoado pelo Espírito do Pai. Por isso pensa de um modo novo, que revela o modo de pensar de Deus; faz opções novas, em contraste com as falsas ilusões de felicidade; revela um carinho especial para com os mais pequenos e sofredores e está pronto para assumir dificuldades, sofrimento e morte, para realizar o projeto salvador do Pai.

É esta comunhão e escuta de Deus, que marca o caminho pessoal e sinodal da Igreja. Os filhos e as filhas de Deus, que recebem o Seu Espírito no batismo, têm um modo de ser, de pensar e de agir, que se pauta pelo amor do Pai do Céu. Se nos faltar essa ligação contínua de escuta orante, seremos como telemóveis sem rede, andaremos guiados por outros espíritos e ideologias e não seremos transformados pelo Espírito do batismo, nem instrumentos da transformação segundo o projeto de Jesus.

3. Depois, em breves palavras (Mc 1,14-15), Marcos relata o anúncio Boa-Nova aos pobres e da libertação do mal, com poder do seu Espírito. O Espírito recriador de Deus torna-se presente na pessoa de Jesus, por onde quer que Ele passe. Por isso, Ele torna-se libertador de toda a fragilidade, doença, sofrimento, injustiça e morte. É a partir dessa proximidade amiga e salvadora que Jesus diz que é preciso “mudar de mente (converter-se)”, isto é, aceitar a Sua proximidade salvadora, mudar as próprias expectativas e projetos.

É esse o caminho dos filhos e filhas de Deus. O Espírito do batismo não se traduz simplesmente num rito momentâneo e mágico. Abre-nos à proximidade paterna de Deus e torna-nos, ativos como Ele, criadores, acolhedores e cuidadores, com especial atenção para com os mais frágeis, excluídos e sofredores. É com essas palavras e esses gestos que o Reino de Deus começa a tornar-se realidade próxima.

4. Depois deste primeiro anúncio pelos caminhos da Galileia, Jesus começa a formar uma comunidade de discípulos. Não se trata apenas de ter colaboradores para o anúncio da sua mensagem. Ele pretende formar algo de novo, um novo povo, de acordo com o projeto de Deus, alargado a todos os povos da terra: “Passando ao longo do mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. E disse-lhes Jesus: ‘Vinde após mim e farei de vós pescadores de homens.’ Deixando logo as redes, seguiram-no. Um pouco adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu e João, seu irmão …” (Mc 1,16-20). O chamamento é individual, assertivo e imediato: “passando… viu… chamou… deixando … seguiram”. O resultado é a formação de um grupo, de uma comunidade, que crescerá com outras chamadas ao longo do percurso do Evangelho… e da história, até aos nossos dias. E o chamamento tem implícita uma dupla finalidade: a relação com Jesus – “Vinde após mim” – e uma missão: “farei de vós pescadores de homens”

Foi assim que começou a Igreja. Nós estamos entre aqueles que fomos chamados (vocacionados) a fazer parte do grupo dos discípulos e discípulas de Jesus, que é a Igreja. Somos os chamados de hoje, em circunstâncias, lugares e missão muito específicas. Todos discípulos de Jesus que, por ser “O Filho”, e o dador do Espírito, nos torna filhos e filhas do Pai do Céu, unidos na sua casa que é a Igreja.

Estes quatro pilares iniciais do Evangelho de Marcos iluminam, de modo simples e desafiador, a nossa adesão a Cristo pelo batismo e lançam uma luz simples, bela e desafiadora sobre a realidade sinodal da Igreja em que nos inserimos: a) Pelo batismo, tornamo-nos filhos e filhas do Pai do Céu; b) no deserto do encontro com Deus, discernimos o caminho pessoal e da Igreja em cado momento da vida e da história; c) como aos primeiros discípulos, Jesus conduz-nos no anúncio da Boa-Nova, a começar pelos mais carenciados, a cuidar dos doentes e dos que sofrem e a anunciar que Deus está próximo de quem precisa; d) Aderindo a Cristo, tornamo-nos seus discípulos e membros da Igreja e continuamos a sua missão no mundo. Este é um resumo da atitude sinodal, nesta nossa hora de dar testemunho da presença transformadora do Senhor e do seu Espírito. Estes são os passos que somos chamados a repercorrer, hoje, adaptando-os à situação concreta de cada tempo e lugar.

b) Mãe e Modelo da Igreja, “Maria levantou-se e partiu apressadamente”

O segundo quadro de referência dirige o nosso olhar para Maria, Mãe e Modelo da Igreja. É especialmente significativa para a nossa Diocese de Leiria-Fátima, onde ela se manifesta como Mãe de ternura que vem cuidar de três pastorinhos frágeis e pobres. Ela surge como estrela da evangelização dos jovens, na Jornada Mundial da Juventude, que acabamos de celebrar, tendo como lema mobilizador a frase do Evangelho de São Lucas: “Maria levantou-se e partiu apressadamente para a montanha” (Lc 1,39).

Esta imagem de Maria, Mãe apressada e solícita, foi proposta pelo Papa Francisco, em Fátima, como modelo do nosso caminho sinodal. Ele a apresentou como “Nossa Senhora que se mostra solícita e Nossa Senhora que acompanha. Acompanha sempre. Nunca é protagonista. O gesto com que Maria Mãe acolhe é duplo: primeiro acolhe e depois aponta para Jesus.” Mais adiante, o Papa Francisco propõe aos jovens o tom pronto e apressado de Maria peregrina, como modo de viver estes tempos de sinodalidade: “A peregrinação é precisamente uma caraterística mariana… Logo que soube que sua prima se encontrava grávida – esta estava já em idade avançada – Maria saiu correndo… saiu correndo levada pelo desejo de ajudar, de estar presente.”

Acolhedora, peregrina, cuidadora e missionária, Maria é modelo eloquente da Igreja Sinodal que queremos ser. Ela é a Mãe que acolheu e cuidou de Jesus e o levou ao mundo, ainda no seu seio, ao encontro com a prima Isabel e com o seu povo; Mãe que se fez refugiada para salvar da morte o seu Filho; Mãe corredentora junto à cruz, que vê alargada a sua maternidade aos discípulos e discípulas de Jesus; Mãe que acolhe nos braços o seu Filho, morto pela injustiça e violência dos homens; Mãe de coração aberto e disponível, que acompanha a oração dos discípulos e acolhe, com eles, o dom do Espírito para a missão da Igreja. Mãe peregrina na história, enviada de Deus a tantos povos e culturas, como à nossa Diocese de Leiria-Fátima; Mãe que, também hoje, acompanha e ilumina o nosso caminho, neste tempo desafiador da Igreja e do mundo.

Os dois textos de referência mostram-nos Jesus e Maria sua Mãe, sempre em movimento, sob a ação do Espírito do Pai. É um “caminho apressado”, “aberto a todos, todos, todos”, como repetiu o Papa Francisco várias vezes, durante a JMJ-2023. Esta é uma boa descrição daquilo que chamamos “Igreja Sinodal”: uma Igreja formada por pessoas a caminho – não paradas! – sob a ação do Espírito de Deus. O caminho é expresso com o título – “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” – que dá sentido ao nosso projeto pastoral dos próximos três anos. É um projeto ousado que pretende transformar o modo de ser Igreja, ao nível pessoal e familiar, mas que quer igualmente repensar a maneira de sentir, partilhar e organizar as nossas comunidades, para a missão a que são chamadas.

3. A caminho, como Igreja sinodal

a) Caminhar juntos

Falar de Igreja sinodal, significa entender a Igreja como comunidade que “caminha junta”. Já iniciámos este caminho nas nossas paróquias e movimentos, nas vigarias e na Diocese. Tivemos ocasião de rezar juntos, invocando o Espírito do Senhor; de exprimir o que sentimos sobre a Igreja e a sua missão; de partilhar o que o Espírito de Deus nos faz sonhar como Igreja para amanhã. Esse percurso movimentou toda a Igreja, em encontros continentais que confluirão nas assembleias de bispos e leigos de todo o mundo em outubro de 2023 e de 2024. Essa partilha e essa escuta do Povo de Deus não é apenas um momento fugaz, ou “um faz de conta”, mas um modo real de estar na Igreja, de ser Igreja, que deve envolver cada irmão, em cada uma das nossas comunidades.

Fizemos igualmente a experiência festiva da sinodalidade da Igreja na JMJ-2023, nas nossas casas, nas paróquias, na Diocese e finalmente juntos, oriundos do mundo inteiro, em Lisboa. Vivemos a festa da universalidade, no acolhimento fraterno dos peregrinos, jovens e menos jovens, no entendimento apesar da diversidade das línguas, na alegria de partilhar a fé, na saída para as nossas cidades e para mundo, afirmando a possibilidade de viver e de partilhar a alegria transformadora do Evangelho.

É possível mudar, é possível sonhar e melhorar a Igreja e o mundo, se nos deixarmos reunir e mover pelo Espírito do Senhor, para ser verdadeiramente “Igreja” (que significa assembleia, convocação, participação). E isso não se faz ficando sentado a ver o espetáculo na televisão ou nos nossos meios individuais de comunicar. Ninguém é indispensável, mas todos são necessários. Que não nos venham dizer: “houve uma festa linda e tu não estiveste lá… que pena! Também sentimos a tua falta!”

b) Em comunhão

Muitas vezes caminhamos juntos, até vivemos no mesmo edifício, mas não nos conhecemos nem nos encontramos verdadeiramente. A aglomeração das nossas cidades cria solidão e ansiedade, conflito, em lugar de ser ocasião de encontro, partilha, solidariedade e afeto. Infelizmente, muitas das nossas comunidades paroquiais, que devem promover o espírito de proximidade, de família e de partilha, não vão além de uma fria estação de serviços religiosos.

Jesus tem outro projeto para a sua Igreja. Aos seus discípulos, provenientes de tantas culturas diferentes, Ele chama “minha irmã, meu irmão e minha mãe” (cf. Mc 3,31-35). Ele alude ainda a outras imagens para falar daqueles que o seguem: rebanho, barca, família, casa, a casa do Pai… São lugares de relacionamento próximo, de afeto, de cuidado mútuo, de esforços partilhados, de atenção especial aos mais pequenos e débeis.

Ele tem um sonho especial para a sua Igreja, que vai muito para além das imagens convencionais e parece até provocador em relação aos conceitos de afeto, de afinidade, de família: Ele é um Pastor estranho, que deixa 99 ovelhas no deserto para ir à procura de uma que, sabe-se lá porquê, se perdeu do conjunto do rebanho; acolhe pecadores que transgridem as normas de Deus e dos homens; impede a execução da pena capital de uma adúltera, mesmo que isso seja segundo a lei; toca nos leprosos, sem medo de que eles o contaminem, mesmo que seja proibido… e, por cada um destes “extracomunitários”, (cada um de nós) está disposto a dar a Sua vida! E mais: diz que as mulheres de má vida e os corruptos cobradores de impostos acabam por perceber melhor a oportunidade que lhes é oferecida, e entram no Reino de Deus à frente de tantos, que se julgam muito justos. E é com todos estes, que Ele acolhe, cuida e integra na sua companhia, que se forma a comunidade. Esse acolhimento dos de fora, dos que estão longe, é só o início de um caminho, mas, sem ele, não se forma uma comunidade segundo o estilo do Bom Pastor.

O sentido materno/paterno da Igreja deriva do dom do Espírito. O batismo, gera filhos e filhas de Deus, tornando-os irmãos e irmãs na Igreja, independentemente da sua origem ou cultura. É por isso que a comunidade que nasce nas águas do batismo não é limitada a uma etnia, raça ou nação, mas abre-se, sem barreiras, a toda a humanidade. É isso que S. João afirma, referindo-se àqueles que acolhem o chamamento, aderem a Cristo e integram a Igreja: “Estes não nasceram de laços de sangue, nem de um impulso da carne, nem da vontade de um homem, mas sim de Deus.” (Jo 1,13). Esta é a verdadeira família de Deus na terra. 

É esse tipo de Igreja que o Papa Francisco nos convida a interiorizar e a tornar realidade nas nossas comunidades, tomando como imagem a capelinha de Fátima, a “casa da Mãe”: “A Capelinha onde nos encontramos constitui uma bela imagem da Igreja: acolhedora, sem portas. A Igreja não tem portas, para que todos possam entrar. E aqui podemos insistir também no facto que todos podem entrar, porque esta é a casa da Mãe, e uma mãe tem sempre o coração aberto para todos os seus filhos, todos, todos, todos, sem excluir nenhum. Estamos aqui, sob o olhar materno de Maria, estamos aqui como Igreja, Igreja mãe.”

Não admira que o acolhimento tenha sido uma das atitudes mais recomendadas pela Síntese diocesana para a transformação sinodal da Igreja: “O tema do acolhimento é recorrente, afirmando a sua importância: para umas pessoas é destacado pela positiva, mas para muitas não. Parece ser uma área que a Igreja tem que cuidar”. Acolher segundo o estilo de Jesus, pode e deve mudar o rosto da Igreja. Acolher aquele que é diferente; oferecer lugar e oportunidade de se tornar filho ou filha, irmão ou irmã; cuidar de quem precisa, a começar pelos mais débeis e excluídos.

É a esta luz que se entende a gravidade dramática dos abusos de menores e de pessoas vulneráveis. É a atitude em absoluta contradição com o espírito de acolhimento afetuoso e fraterno que é marca do Evangelho. Jesus não hesita em aplicar a “tolerância zero” para quem pratica tais atos que devastam as vidas de inocentes: “Melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem ao mar, do que escandalizar um só destes pequeninos” (Lc 17,2). A verdade e autenticidade da Igreja tem de se manifestar na forma como acolhe e cuida de quem foi vítima de tais feridas, para assegurar a sua dignidade e o seu futuro, e para procurar, através da sensibilização e formação dos agentes pastorais, que tais dramas não venham a repetir-se. 

c) Participando ativamente

Uma comunidade de filhos do Pai do Céu, que são também discípulos de Jesus suscita modos de estar e atitudes que apelam para modelos acolhedores, dinâmicos e participativos. Como qualquer grupo humano, os membros da comunidade cristã têm papeis e funções diferentes, para assegurar a vida da comunidade, tanto na partilha dos dons que se recebe de Deus, como nas tarefas que se exercem. O Espírito distribui a cada batizado os dons necessários para essa participação ativa na Igreja. A comunidade cristã não é uma estação de serviço ou um supermercado, com funcionários, onde os clientes vêm abastecer; e as nossas igrejas não podem ser salas de espetáculos, com atores ativos e assistentes que usufruem da atuação dos primeiros. A Igreja é a nossa casa, a família do Pai do Céu. Nela participamos, cada um segundo os seus dons e possibilidades, na realização do projeto de Deus para a comunidade e para o mundo.

A transformação pastoral passa por esta atitude de acolhimento e resposta ao dom do batismo, que nos faz colaborar como “pedras vivas” na edificação da Igreja e na sua missão (cf. 1Pd 2,4-5). É o Espírito que nos oferece os dons para esta participação ativa na comunidade como insiste São Paulo (cf. sobretudo 1Co 12 e Rm 12). Assim como nas nossas famílias, cada um se deve perguntar o que pode fazer para que todos vivam bem, assim também na Igreja essa pergunta tem de estar na nossa mente e no nosso coração, sobretudo na oração: “Senhor, que queres de mim, que queres que eu faça?”

A construção da comunidade, necessita de coordenação, de organização e sobretudo de atitude de serviço, segundo o modo de liderar de Jesus que afirma que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela multidão” (Mc 10,45). Não se trata de ter uns que mandam e outros que servem e colaboram com os primeiros. É fundamental que quem preside tenha vontade e saiba delegar, que se rodeie de conselhos e equipas corresponsáveis nos vários setores da comunidade, onde assumam responsabilidades homens e mulheres, sem esquecer a necessária integração dos jovens. O acesso de mulheres e de jovens deve ser objeto de particular atenção de quem lidera as comunidades, de modo a poder contar com todos, na edificação da comunidade. 

d) Em Saída missionária

A comunhão e a participação na vida da comunidade estão intimamente ligadas à missão, que é a razão de ser da Igreja. A Igreja não é um clube de boas pessoas, que se separa dos outros para se resguardar de maus contágios. Pelo contrário, ela abre as portas para que possa contagiar a sociedade com o fermento da vida, da libertação, da fraternidade do Evangelho. O acolhimento e a comunhão fraterna que se vive na comunidade é testemunho da presença salvadora de Deus que atrai novos discípulos. Se não houver odor a acolhimento, a fraternidade, a misericórdia e a cuidado com quem precisa, a Igreja não cheira a Cristo, não atrai ninguém, não tem perfil missionário.

Na nossa realidade diocesana, temos uma grande parte de batizados que se dizem “não praticantes”, desinteressados da Igreja. Não atribuamos culpas a ninguém, nem discutamos motivos. Tenhamos antes uma atitude ativa dos verdadeiros discípulos que partilham, que oferecem o dom e a experiência da comunidade. Na missão, a atitude acolhedora da imagem da capelinha de Fátima, sem portas nem muros, é um desafio para cada uma das nossas comunidades e para as atitudes de cada um de nós.

Além disso, a nossa diocese está a receber ondas, cada vez mais numerosas de imigrantes. Eles vêm em busca de melhores condições de vida e segurança para si e para as suas famílias e dão um importante contributo ao nosso país e à nossa sociedade. É um sinal do nosso tempo que não nos pode passar ao lado. Eles constituem um desafio à nossa capacidade de abrir as portas, de acolher, de lhes dar a conhecer o rosto de Cristo e da Igreja, que não discrimina, não explora, mas que acolhe, integra e partilha.

O Espírito que conduz a Igreja à missão, também a transforma em ordem à missão, no seu próprio interior e em relação aos que estão fora, aos que estão longe. Antes de qualquer julgamento, é preciso acolher, cuidar, a colaborar no caminho da libertação, do encontro com Cristo na sua comunidade. Em ordem à missão a que o Senhor nos chama, teremos de rever estruturas, de repensar o modo de operar e os papeis de liderança e de serviço na nossa Igreja. Temos igualmente de ponderar, com a coragem misericordiosa de Jesus, o acolhimento daqueles que erraram, que não estão em “situação regular”, mas que querem fazer caminho. Como Jesus, a Igreja nunca pode fechar as portas a ninguém, porque Deus não o faz. Onde quer que estejamos, Ele traça caminhos de misericórdia, que conduzem ou reconduzem à sua casa, ao seu coração.

A JMJ-2023 mostrou-nos como a missão une e mobiliza a Igreja. Para que fosse possível organizar esta Jornada, muitos jovens e mais velhos acordaram do seu torpor; outros desfizeram-se em generosidade; inúmeras famílias abriram o coração e as casas ao acolhimento; pessoas que não estavam muito ligadas à Igreja dispuseram-se a colaborar; autoridades, empresas e outras instituições deram um contributo precioso. A missão aconteceu e foi fonte de grande alegria e impulso para a vida de tantos jovens e famílias. Essa dinâmica de alegria, testemunho e dedicação, até mesmo ao dom da vida, assemelha-se a quanto narra o Livro dos Atos dos Apóstolos acerca da primeira missão. A Igreja não vive só para dentro: é aberta, acolhedora e capaz de integrar mesmo os que estão mais longe.

4. Em Igreja para servir: os ministérios

a) Discípulos de Jesus, que veio para servir e dar a vida pela multidão

Para ser sinodal, em comunhão e em missão, atenta ao que se passa nela e no mundo à sua volta, a Igreja tem de contar com a participação ativa de todos os seus membros nascidos da água do batismo. Essa participação ativa é, aliás, expressa pelo sacramento da confirmação, ou crisma, que capacita aqueles que o recebem com os seus dons, para o serviço da Igreja e da missão. A comunidade cristã é chamada a estimular o crescimento de cada batizado na fé, desafiando-o a assumir as suas responsabilidades e a participar na vida comum e na missão.

Servir é o modo de estar na Igreja, disponível para realizar o projeto do Senhor. Na mentalidade bíblica, “servo” e “serviço” podem aplicar-se a diversas situações e condições a nível pessoal, social e operativo. Pode soar como um rótulo de servidão e sinónimo de escravo; como título nobre de confidente, enviado ou representante do rei ou de um grande senhor; pode ser uma forma delicada de declarar disponibilidade para com alguém, como a nossa expressão “ao seu serviço” ou a versão espanhola, “un su servidor”; como designação de quem executa simplesmente um trabalho; como dedicação a uma missão e de uma causa: estar ao serviço da pátria, da paz, da Igreja, do Reino de Deus.

Servos são chamados os grandes vultos da tradição de Israel, como Abraão, Moisés e os profetas. Particular significado assume a figura misteriosa de que fala o profeta Isaías, a quem Deus chama de “meu servo”, que realiza a Sua vontade/projeto no meio do povo, apesar da oposição, exclusão, sofrimento e morte (cf. Is 42,1-4; 49,1-6; 50,4-11; 52,13-53,12). Certamente estes textos – chamados “Cânticos do Servo do Senhor” – foram bem conhecidos de Jesus e por Ele meditados, assim como pelas primeiras comunidades cristãs.

Nos Evangelhos e outros textos do Novo Testamento, entendemos o que significa “servir”, à luz de pessoas concretas. É como “serva” que Maria dá a sua adesão a Deus e declara a sua disponibilidade para aderir e tomar parte no Seu projeto salvador: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). O que Deus lhe pede não é uma obediência cega e automática, mas uma adesão pessoal e consciente da própria vontade. Isso é o verdadeiro “servir a Deus”.

Jesus, o Filho de Deus, declara-se servo para exprimir, antes de mais, a sua completa identificação com a vontade/projeto do Pai e a fidelidade na sua realização: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4,34; “Desci do Céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.” (Jo 6,38). Foi para realizar a vontade de Deus que Ele abraçou a cruz e entregou a sua vida: “Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a Tua” (Lc 22,42).

A atitude de serviço de Jesus, representa uma revolução no modo de entender a Deus, o poder, a liderança. Era suposto que o enviado de Deus, o Messias, viesse com a autoridade do Senhor do Universo, para submeter os seus inimigos, inaugurar o poder dos seus adeptos e instaurar o reinado dos “justos”. Os seus próprios discípulos enfermam dessa doença. No centro do seu Evangelho, São Marcos (Mc 8,27-10,45) narra o confronto entre Jesus e os discípulos sobre estas questões. Por três vezes Ele anuncia que vai ser rejeitado, julgado e morto, mas que há de ressuscitar ao terceiro dia (cf. Mc 8,31,32; 9,30-31; 10,33-34). De cada vez, em perfeito contraste com a atitude do Mestre, os discípulos, mostram-se indisponíveis para aceitar esta perspetiva, tentam dissuadir Jesus, enquanto se enredam em discussões e conflitos sobre a fatia de poder e importância que cada um teria, quando Jesus assumisse o poder em nome de Deus.

Em contraste com estas atitudes, Jesus revela-lhes o seu modo de servir e dar a vida segundo o projeto do Pai. Diz que os mais pequenos e frágeis devem estar no centro da atenção e do cuidado da sua comunidade, avisa sobre a gravidade de escandalizá-los e desprezá-los (Mc 9,35-37; 9,42-48; 10,13-16) e resume todos estes ensinamentos como uma opção libertadora, segundo o Seu próprio caminho que se resume no serviço e no dom total da vida: “Sabeis que aqueles que são considerados governantes das nações se tornam senhores delas, e que os grandes dominam sobre elas. Não é assim entre vós! Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos. Pois também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate pela multidão” (Mc 10,42-45).

Os discípulos tiveram muita dificuldade em aceitar este caminho de serviço de Jesus. Só depois de Ele ter dado por eles a vida, e de ter derramado sobre eles o Seu Espírito, só então entenderam e aderiram ao projeto de Jesus e ao chamamento que lhes dirigira… e deram por Ele a vida, em espírito de serviço, em missão entre os povos.

O caminho do Evangelho, o caminho de Jesus, nasce da força renovadora do Espírito que gera serviço fraterno, comunidade e vida. Passa pela libertação de si mesmo e dos seus interesses autorreferenciais, para sair ao encontro dos mais débeis e sofredores. Não é um caminho de derrotados e tristes, mas de pessoas com coragem, alegria e absoluta confiança no poder e no amor de Deus, o Pai do Céu, revelado na morte e ressurreição de Jesus e sempre renovado na água do batismo.

b) Carismas, serviços e ministérios

Após o Pentecostes, guiada pelo Espírito e movida pelo exemplo e indicação dos apóstolos, a Igreja foi-se organizando para responder aos desafios internos da missão em que estava empenhada, através de iniciativas espontâneas de pessoas e grupos, bem como de serviços e ministérios criados para edificar a comunidade e atender à missão de levar o Evangelho a toda a terra. Com efeito, a construção da comunidade e a realização da missão não são duas realidades separadas, mas duas faces da mesma moeda, pois a Igreja só se entende à luz da sua inserção e continuação da missão de Jesus que se destina a toda a humanidade. É o mesmo Espírito batismal que está na origem desses dons e capacitações para a missão entre os que já fazem parte da comunidade e os que se encontram afastados dela.

Por isso, os Serviços e os Ministérios são fruto de um chamamento/vocação e não apenas de uma questão de organização ou administração da Igreja. Acolhê-los com alegria e disponibilizar-se para empregá-los em favor dos outros é fruto do discernimento e da generosidade do coração que se deixa guiar pelo Espírito de Deus recebido no batismo. É a isso que chamamos “vocação”, que significa “chamamento”. A vocação é um caminho pessoal de diálogo com Deus. Não sou eu que “tenho vocação”. Eu posso ter uma inclinação, propensão ou gosto para uma determinada função ou serviço na Igreja, mas a vocação significa, além disso, que é Deus quem me chama, me deseja para esse serviço, para essa maneira de viver. Responder ao chamamento de Deus, depois da oração, discernimento e diálogo na comunidade, é colocar-se na mesma atitude de Maria – “Eis a serva do Senhor!” – ou dos discípulos: “Deixaram as redes e seguiram Jesus”. Quem recebeu o Espírito de Deus no batismo, deve estar sempre a perguntar, em qualquer idade e situação: “Senhor, que queres que eu faça?” 

A primeira vocação, o primeiro chamamento, é o batismo. Receber o batismo não é apenas fazer um rito. É uma preferência, uma eleição, um convite da parte de Deus, que chama alguém como “filho querido” ou “filha querida” e o inclui na sua família. A cada batizado Deus dirige um chamamento concreto para um modo de estar e de servir na Igreja. Quem recebeu o batismo, qualquer que seja a sua função na Igreja, não se considera dono dos dons que recebeu, mas servo de Deus que chama e envia para servir e amar, com liberdade, alegria e uma grande confiança no Espírito que sempre acompanhará o seu caminho e a sua missão.

Por outro lado, a vocação, os serviços e os ministérios acontecem na Igreja e por ação dela. É no seio da Igreja que Deus continua a chamar irmãos e irmãs para o serviço da comunidade e para os enviar em missão pelo mundo. Na Igreja, não se exerce um serviço, nem se parte em missão, por iniciativa pessoal, mas é sempre a própria Igreja que reconhece a vocação de Deus e a confirma no serviço e na missão. Por isso, a unidade e a comunhão daqueles que exercem qualquer o ministério é fundamental para a coerência, a eficácia e a credibilidade daqueles que são chamados para esse serviço. Essa unidade sacramental é particularmente importante na comunhão do Bispo com os Presbíteros e Diáconos, pois exprime a comunhão de todas as comunidades na única Igreja e de toda a Igreja com o Senhor Jesus no Espírito do Pai. É preciso estar sempre atento para que os serviços e ministérios na Igreja não descambem em corrida ao prestígio ou à carreira pessoal, que geram lutas de poder de pessoas e de grupos. Essas atitudes corrompem o sentido de ministério e minam a sua credibilidade e destroem a Igreja, em lugar de a edificar e anunciar.

c) Os ministérios ordenados

Na diversidade e complementaridade dos dons e carismas que a compõem, a Igreja é sacramento de salvação, isto é, manifestação humana da salvação operada por Jesus. Por isso, os Serviços e Ministérios revelam essa presença salvadora de Deus, que atua através daqueles que Ele capacita e chama pelo seu Espírito. Essa presença está particularmente presente nos ministros ordenados: Bispos, Presbíteros e Diáconos. Em primeiro lugar, eles exprimem, de modo especial, a presença salvadora do Senhor, Bom Pastor, na força do seu Espírito. Os gestos de salvação (sacramentos) que realizam, como o batismo, a eucaristia e o perdão dos pecados, não o fazem em nome próprio, mas de Deus, pois nenhum ser humano, ou mesmo a Igreja, por sua iniciativa, teriam poder de o realizar: “A Igreja é sacramento de salvação porque “Cristo está sempre presente nela, sobretudo nas ações litúrgicas.” (CIC, 1088). Daí que, particularmente na pessoa destes ministros, se devam refletir os sentimentos e as atitudes de Cristo, para que todos possam reconhecer nas suas atitudes e gestos a expressão de Jesus, vivo e operante, Bom Pastor de Coração manso e humilde, para com os mais carenciados e os pecadores.

Uma palavra especial merece o ministério dos Diáconos, ligado ao dos Presbíteros e sobretudo ao dos Bispos. Ele destina-se a toda a Igreja e, desde os tempos apostólicos, o dom do seu ministério está ligado ao cuidado dos mais pobres e ao anúncio do Evangelho. Frequentemente o ministério diaconal ficou restringido apenas a um papel litúrgico, sem real influência dinamizadora na vida e na missão das comunidades. Até este momento, a nossa Igreja de Leiria-Fátima, não instituiu Diáconos permanentes. Hoje, parece evidente que, no contexto de uma Igreja sinodal e ministerial, os Diáconos têm um papel importante a exercer, como transpareceu na escuta sinodal da Diocese. Por isso, consultado o Conselho Presbiteral, faz parte do Projeto Pastoral para o próximo triénio a formação de um grupo de Diáconos para a nossa Igreja diocesana.

Dada a sua importância e significado sacramental, os ministérios ordenados devem ser acolhidos como especial dom de Deus à sua Igreja. Especialmente a estes ministérios se dirige o anseio do coração compassivo de Jesus: “Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor. Disse, então, aos seus discípulos: ‘A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe’.” (Mt 9,36-38). 

No caminho sinodal de transformação da nossa Igreja, os ministérios ordenados têm de ser uma prioridade, na oração e no cuidado de todas as nossas comunidades. Damos graças a Deus pelos sacerdotes que nos concedeu. A cada um deles, agradecemos por terem dito sim a Deus, como Maria e os Apóstolos. E oramos por eles, com estima fraterna, amiga e grata, pedindo ao Senhor que os chamou e colocou ao nosso serviço, que lhes dê sempre a alegria de servi-lo fielmente e de cuidar da Sua Igreja, com espírito fraterno, segundo o estilo do Bom Pastor. E que o seu exemplo possa atrair outros jovens a escutarem no seu coração o convite de sempre: “Segue-me e farei de ti pescador de homens!” (Mc 1,17).

d) Os ministérios laicais

Os ministérios ordenados não ofuscam, antes são chamados a reconhecer, promover e acompanhar a diversidade de todos os dons e serviços que o Espírito Santo gera na comunidade. Damos graças a Deus e agradecemos-lhe de coração pela multidão de irmãos e irmãs que, em todo o mundo, se dedicam ao serviço do Evangelho, no serviço das comunidades, na assistência samaritana a quem precisa, até aos mais excluídos e afastados da sociedade. É uma torrente de generosidade, de bem, de fraternidade e de esperança, que o Espírito do batismo gera à nossa volta, na Igreja e no mundo. Bendito seja Deus! A Igreja não está velha, nem cansada, nem perdeu contato com o mundo e os seus apelos, porque sentimos nela a presença ativa e transformadora do Espírito Santo.

A participação de todos os dons na vida e na missão da comunidade, não tem o caráter de simples “colaboradores-ajudantes” ou executores de decisões dos ministros ordenados. O caráter batismal dos dons torna cada membro da comunidade corresponsável da vida e missão desta, incluindo a participação, o discernimento e a corresponsabilidade nas decisões a tomar. Esta “participação ativa” representa, para cada cristão, um compromisso derivado do batismo. Por outro lado, requer igualmente que a comunidade e aqueles que a ela presidem criem espaço e processos em que essa corresponsabilidade possa realmente acontecer. 

Assim, o exercício corresponsável dos ministérios e serviços pode libertar os ministros ordenados para o serviço específico que lhes está reservado, na oração, na pregação aos de dentro e aos de fora, no cuidado e no acompanhamento espiritual dos irmãos, na organização da missão e da formação das comunidades. Não se trata de uma simples “divisão” de ministérios, mas de alargar a mais irmãos e irmãs a responsabilidade pelo serviço à comunidade, contribuindo para o aprofundamento da comunhão gerada pelo batismo, para um mais eficaz serviço a quem precisa e ao anúncio do Evangelho.

Recentemente, o Papa Francisco declarou como ministérios laicais os serviços de Leitor, Acólito e Catequista. Os dois primeiros – Leitor e Acólito – já eram reconhecidos como “ministérios” para aqueles que se preparavam para o sacerdócio, mas era igualmente exercido por leigos e leigas, como serviço ligado às celebrações litúrgicas. O terceiro – catequista – é certamente aquele que maior número de pessoas envolve no serviço das nossas comunidades. Estes três novos ministérios estão ligados a três dimensões fundamentais da vida das comunidades cristãs: a Palavra de Deus, a Eucaristia e a Catequese. Sem ter um caráter de total novidade, esta declaração representa um sinal importante para a compreensão e o desenvolvimento da comunhão eclesial, com base no serviço e na corresponsabilidade. 

Os ministérios de Leitor e Acólito acentuam a centralidade da Palavra de Deus e da Eucarística, na vida da Igreja, além de colocarem em evidência a dimensão especial do ministério ordenado que preside às celebrações, dando continuidade sacramental à presença de Cristo ressuscitado na sua comunidade. Por outro lado, a participação ativa de ministros leigos e leigas na liturgia central da Igreja, aprofunda e torna clara a dignidade e a santidade batismal, que a todos dá acesso e à participação ativa no banquete da Palavra e na partilha da Eucaristia. Por isso, não tem razão de ser a pretensa interdição de os leigos tocarem com as mãos no pão eucarístico, que lhes é oferecido como convidados, filhos e filhas, irmãos e irmãs, à mesa que Deus prepara para eles. 

Além disso, no caminho sinodal e missionário, estes ministérios laicais de Leitor e Acólito, poderão assumir um papel mais alargado, do que aquele que lhes é agora pedido no contexto do culto. Os leitores poderão ser os dinamizadores, corresponsáveis com o pároco, na promoção do estudo e meditação da Palavra de Deus, na comunidade e no seu anúncio aos de fora. Por seu lado, os acólitos podem assumir um papel ativo alargado na preparação da liturgia, no acolhimento dos irmãos, na formação litúrgica da comunidade e na distribuição da comunhão na Igreja e aos doentes que não se podem deslocar, como diz o ritual da sua instituição.

O ministério de Catequista é novo na designação como “ministério”, mas está bem arraigado na vida da Igreja. É possivelmente aquele que será mais fácil de organizar ministerialmente, dado o grau de organização nas comunidades, o cuidado com a formação dos catequistas e a articulação vicarial e diocesana que já o carateriza. Mas, também neste importante ministério, a sinodalidade missionária coloca-nos perante novos desafios, alguns já implícitos na reforma da catequese em todas as dioceses do país. Entre esses, será importante discernir novos caminhos de organização da própria catequese e da necessária formação dos catequistas e das famílias; melhorar o trabalho em rede nas vigararias e Diocese, que terá igualmente nova articulação à medida que forem surgindo unidades pastorais; preparar caminhos de primeira evangelização para catecúmenos e para batizados cujo batismo adormecido seja despertado pela ação missionária das comunidades. 

Os Ministérios Laicais destinam-se tanto a homens como a mulheres e é necessário que também os jovens tenham neles um papel ativo, a fim de que, sem discriminações e integrando todos os setores da vida da comunidade, esta possa contar com a diversidade dos dons recebidos por aqueles que a compõem, para viver e anunciar a todos o Evangelho. É importante que estes sinais de serviço e ministério permitam um papel de maior responsabilidade às mulheres, a todos os níveis da Igreja. Elas representam a maior força de serviço, mas permanecem demasiado ausentes das áreas onde se tomam decisões e se dão orientações. Também neste caso, não se trata de uma corrida aos lugares de poder, mas da busca de conjugação da diversidade dos dons na edificação da Igreja.

Nestes três ministérios e em muitas outras funções, milhares de irmãos e irmãs estão ao serviço das nossas comunidades. No futuro, podem ser criados outros ministérios laicais, quer pelo Papa, para toda a Igreja, quer pelas conferências episcopais, para os seus territórios. Nem todas essas pessoas que servem a Igreja vão ser instituídas nos ministérios. Eventualmente, poderão ser instituídas num ministério, irmãos e irmãs com a função de orientar estes serviços nas paróquias ou de coordená-los a nível diocesano. Para todos, porém, vale a referência ao serviço, como o Papa vem insistindo. É importante que quem serve nestes ministérios não caia no laço da autorreferencialidade ou do carreirismo clericalista. Por isso, como já se vem fazendo para os ministérios ordenados, também o exercício dos ministérios laicais deverá ter limite de tempo e de mandatos.

Quero agradecer a todas e todos os que já estão ativos no serviço da nossa Igreja, em cada uma das nossas comunidades, movimentos e instituições. Bem hajam pelo esforço e criatividade e pelo desejo de aprender a bem servir a Igreja nos irmãos com quem estamos a caminho. Que o Senhor, Bom Pastor nos dê sempre a alegria de estar ao seu serviço e que, como Maria, possamos dizer com humildade e feliz verdade: “Sou serva do Senhor, realize-se em mim a Sua vontade”

A diocese vai continuar a sua reflexão sobre este tema, a par do que se passa em toda a Igreja. Em consequência disso, seguiremos, como está previsto no Projeto Pastoral, o processo de formação e preparação de pessoas para estes ministérios, enquanto prossegue a reflexão sobre a melhor forma de organizar o seu exercício. Ao mesmo tempo, analisaremos também a propostas de outros ministérios que possam vir ao encontro das necessidades da vida e missão das nossas comunidades.

5. Igreja sinodal em tempos de mudança

a) Transformação a partir do Espírito do batismo

Da auscultação realizada no caminho sinodal em curso, surge a necessidade de conversão da Igreja, tendo em conta os desafios que enfrentamos a nível interno e no relacionamento com o mundo em que vivemos. Temos bem consciência de que o mundo está a mudar rápida e radicalmente e não podemos continuar a atuar como se tudo continuasse imóvel. Não está em causa a identidade da Igreja, nem os valores do Evangelho que constituem o seu fundamento. Bem pelo contrário, é em atenção à fidelidade, à identidade e à missão que é preciso dar passos significativos para entender, exprimir e intervir, no interior da Igreja e na sua missão no mundo.

O Papa Francisco fala da conversão sinodal não apenas como uma mudança de estruturas, mas, antes de mais, como um modo renovado de ser Igreja, em coerência com o dom do Espírito que todos recebemos no batismo. Por isso, o tema deste triénio conduz-nos à raiz batismal – “Pelo batismo somos Igreja viva e peregrina” – como fonte de onde é necessário sempre partir e “re-partir”. A conversão pastoral parte desta consciência do ser batizado e insere-se no dinamismo transformador que o Espírito de Deus desencadeia em cada um de nós e em toda a Igreja.

É também à luz do batismo e da sua dimensão sinodal que devem ser pensados os serviços, ministérios e estruturas necessários à vida e à missão da Igreja. A experiência feita nestes dois últimos anos permitiu-nos fazer uma experiência de como se deve percorrer este caminho, guiados pelo Espírito e dando voz a todos. Em cada etapa, pusemo-nos em atitude de oração, para invocar a presença do Espírito; colocámo-nos à escuta uns dos outros, por grupos, em cada Paróquia, Vigararia, Diocese; reunimos os resultados desta primeira escuta por conferências episcopais e, depois, por continentes. 

E assim estamos a chegar à realização da Assembleia Sinodal, que terá lugar em Roma, em duas sessões: em outubro de 2023 e de 2024. Pela primeira vez, a Assembleia sinodal não é composta apenas de bispos, mas constituída também por consagrados e consagradas e por leigos e leigas, com voz ativa, provenientes de toda a Igreja. É nesta Assembleia, convocada no Espírito do Senhor e suportada pela oração da Igreja, que se há de procurar os caminhos de Deus, neste momento crucial da história, com a presença do Santo Padre, o qual completará o discernimento de toda a Igreja. 

b) A articulação sinodal da Igreja

A atitude sinodal de comunhão, participação e missão deve marcar o nosso modo de estar na Igreja, como consta do Projeto Pastoral para os próximos três anos da nossa Igreja de Leiria-Fátima. Nos processos de discernimento da vontade de Deus, seguiremos o mesmo caminho: abertura ao Espírito, escuta recíproca, participação, oração, discernimento pessoal e comunitário que envolva as estruturas diocesanas, as comunidades de Vida consagrada, os movimentos e os grupos de vida e ação.

Como consta do plano concreto de ação que acompanha esta carta, cada comunidade paroquial, deve ficar a dispor de órgãos de consulta e de orientação da vida comunitária, onde sobressaem o Conselho Pastoral e o Conselho Económico, de tal modo que a solução das questões referentes à comunidade possam contar com a participação corresponsável dos seus membros. No mesmo sentido, outros setores da vida comunitária, como os novos ministérios de Leitor, Acólito e Catequista e outros serviços ou departamentos como jovens, ação sociocaritativa e outros, ganham muito em ter um conselho de coordenação, como já é habitual. Este modo comunitário de partilhar responsabilidades ajuda a criar a mentalidade de serviço e de participação na vida da comunidade e na sua missão.

Em todo este processo, o ministério ordenado – Bispo, Pároco, Diácono (quando houver) – não perde importância no contexto das paróquias e da Diocese. Somos todos chamados a valorizar o nosso serviço, promovendo com alegria os dons do Espírito na comunidade e a corresponsabilidade fraterna no serviço ao povo de Deus, à imagem da atitude do Senhor Jesus que dizia aos seus discípulos: “Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor; a vós chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi do meu Pai” (Jo 15,15). Liderar em comunhão corresponsável com os irmãos e irmãs não significa um cómodo abster-se de tomar posições ou decisões, nem perder autoridade. Bem pelo contrário, a autoridade fica confirmada pela semelhança com a atitude do único Senhor da Igreja, que “veio para servir e dar a vida” (Mc 10,45) sem nunca se abster e sem nunca se impor pela força.

Numa Igreja sinodal, nenhuma comunidade vive isolada, mas é sempre parte de uma comunhão aberta e alargada à Diocese, a toda a Igreja, ao mundo, à eternidade. É pena quando comunidades ou movimentos se fecham em si mesmos, devido a líderes que os dominam e não querem perder a sua “propriedade”, ou devido à atitude de fragilidade e ao espírito de seita que teme o confronto libertador e salvador com o resto da Igreja. Por isso, a transformação sinodal deve privilegiar a coordenação entre várias paróquias, tanto entre os presbíteros que a elas presidem como entre os responsáveis de ministérios laicais e outros serviços. Já temos experiências deste tipo no contexto das vigararias e em várias paróquias assistidas pelo mesmo Padre, que podem ser ponto de partida para ulteriores passos. 

Este tipo de coordenação e de sinergia pastoral deve ser aprofundado e estendido através da criação de “Unidades Pastorais”, como prevê o Plano Pastoral para o triénio. As Unidades Pastorais, desenvolvem a coordenação pastoral entre os sacerdotes ao serviço das paróquias que a constituem, contando com o papel ativo dos Serviços e Ministérios das comunidades, bem como de outras forças vivas como as comunidades de Vida Consagrada e os Movimentos. Este projeto não é apenas consequência da falta de sacerdotes, embora também essa realidade pese neste tipo de organização. O perfil e o modo de funcionamento das Unidades Pastorais devem ser objeto de ponderação a nível diocesano, envolvendo as comunidades, para ser gradualmente implementado.

A esta luz, também as Vigararias, nas quais se encontram agrupadas atualmente as Paróquias, precisam de ser repensadas, seja na sua composição territorial, seja nas suas funções e articulação, tendo em conta o Projeto Pastoral comum e a criação de Unidades Pastorais.

Esta busca de novos caminhos para responder aos desafios da vida e da missão da nossa Igreja de Leiria-Fátima encontra-se no Projeto Pastoral Diocesano, que segue com esta carta e que propõe os objetivos e calendariza as metas a atingir neste triénio. Ele procura continuar o caminho sinodal iniciado com toda a Igreja, aberto à ação do Espírito do Senhor, na oração e na escuta fraterna dos irmãos, com a coragem de quem confia na presença do Senhor. 

6. Uma Palavra aos jovens

Caríssimos jovens da Igreja de Leiria-Fátima: Quero, antes de mais, saudar-vos mais uma vez, no Coração do Senhor Jesus, a vós que, de um modo ou de outro, vistes, participastes, e colaborastes na recente JMJ 2023, a partir da nossa Diocese, na peregrinação dos símbolos pelas nossas paróquias, no fraterno acolhimento dos peregrinos oriundos de todo o mundo, na festa conjunta em Leiria, na oração com o Papa em Fátima e na grande festa da juventude do mundo em Lisboa. Foram dias lindos e inspiradores de fé, de convívio aberto, de universalidade da Igreja, que inspiram sonhos da possibilidade de uma Igreja e de um mundo melhor. 

E bem precisamos de sonhos destes, que se possam tornar sementes reais no mundo desumano da guerra, da miséria, da fome, da discriminação, que exclui refugiados sobreviventes dos piores horrores da humanidade e nega o direito fundamental à vida e à dignidade. No meio de tudo isto, é preciso sonhar e semear o projeto do Evangelho com consistência e esperança, com atitudes e gestos de libertação, de acolhimento e de transformação, que vivemos durante estes últimos meses em que pudemos fazer a experiência transformadora do encontro com Cristo, no seu Espírito. 

Para que o sonho se torne semente e possa germinar, é preciso persistir, cuidar da planta e multiplicar o seu fruto, para saciar a sede e a fome da humanidade. Esta é a atitude a que o Senhor Jesus nos convoca a todos, como disse o Papa: “Não vos deixeis ficar no sofá” da comodidade e do individualismo. “Não tenhais medo” de arriscar, de usar os dons que Deus vos deu. Entrai na dança do Evangelho, na dança da Igreja, na dança deste mundo desafiador.

Estamos em caminho de transformação da Igreja, para a missão do nosso tempo, cada vez mais o “teu tempo”. Sem ti, querido e querida jovem, esse caminho, ao longo do qual Jesus nos conduz, ficaria mais pobre e muito mais difícil de percorrer. Há lugar para ti; há caminhos para programar e para percorrer juntos; há necessidade de acolher, cuidar, consolar, reconciliar; há mundos a construir e pão a multiplicar. O Senhor Jesus conta contigo!

Tem sempre presente a atitude jovem e decidida de Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe e modelo, que “partiu à pressa”, “Mãe apressada”, como dizia o Papa Francisco em Fátima, para nos reunir e conduzir a Jesus e a quantos Ele nos envia. “Há pressa no ar!” Não te atrases!

Conclusão

Num mundo em profunda e rápida mudança, a Igreja, barca de Pedro na história, sente o efeito das vagas e do ímpeto do vento que a fustigam. Por outro lado, experimenta igualmente a presença constante do Espírito do Senhor Jesus ressuscitado, que vem ao seu encontro, indica o rumo a seguir e garante o êxito da viagem.

O caminho sinodal, a que o Papa Francisco convocou a Igreja, é uma oportunidade para tomar consciência da presença de Deus no meio de nós. Ele desperta e convida cada um dos que receberam o dom do batismo a participar ativamente na construção da Igreja e a levar o Evangelho, como semente e fermento para a transformação do mundo que está a nascer. Também a nossa Igreja de Leiria-Fátima participa neste caminho, inspirada e transformada pelo Espírito de Jesus e pelo exemplo de Maria que, motivada pelo mesmo Espírito, se levanta e parte apressada para levar Jesus ao seu povo e ao mundo.

O Espírito Santo, recebido no batismo, opera e transforma cada pessoa, a partir do coração, de modo que, configurada com Cristo, possa participar ativamente na edificação da Igreja e na sua missão. Por isso o primeiro apelo deste caminho é para deixar-se renovar a partir da vocação e missão batismal, como discípulos e apóstolos. Deixar-se renovar a partir de Jesus significa assumir a sua atitude de serviço e de dom da vida, que gera disponibilidade e liberdade para participar, com os outros irmãos e irmãs na edificação da Igreja e na sua missão.

É esse caminho que propõe o Projeto Pastoral Diocesano para o próximo triénio 2023-2026, que acompanha esta Carta Pastoral. Dele consta, nomeadamente, o aprofundamento da vocação batismal, do dom do Espírito Santo, como fonte do serviço pessoal na edificação da Igreja; a definição e introdução dos novos Ministérios Laicais; a formação de um grupo de Diáconos Permanentes na nossa Diocese; a busca de uma melhoria da articulação entre paróquias, através da constituição de Unidades Pastorais e do repensamento da organização geográfica das Vigararias.

Convido-vos a todos, irmãos e irmãs, a participar ativamente neste caminho de renovação da nossa Igreja. Como primeira atitude, peço que oreis ao Senhor, pedindo a assistência do Seu Espírito para o importante caminho que estamos a viver na nossa Diocese e, de modo especial, para a XVI Assembleia Geral do Sinodo dos Bispos, com Presbíteros, Consagrados e Leigos de todo o mundo, que se desenrola em Roma, de 4 a 29 de outubro deste ano, na qual também eu tomarei parte.

Que Maria, Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, que estava em oração com os discípulos na vigília do Pentecostes, interceda e inspire este caminho sinodal da Igreja.

Leiria, 4 de outubro de 2023, celebração de S. Francisco de Assis e início da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos.

† José Ornelas Carvalho, Bispo de Leiria-Fátima

CARTA PASTORAL
http://l-f.pt/oySG
PROJECTO PASTORAL
http://l-f.pt/1yD8
PROGRAMA PASTORAL
http://l-f.pt/kyF7

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