O sofrimento é uma das realidades humanas a que mais dificilmente conseguimos dar resposta e sentido. Na sua missão pastoral, a Igreja tem em especial atenção as provações e dificuldades que ele representa e dinamiza um conjunto de instituições e de práticas para se fazer próxima e ajudar os que sofrem.
A experiência do sofrimento “acompanha o homem em todos os quadrantes da longitude e da latitude terrestre”, “coexiste com ele no mundo” e é “um daqueles pontos em que o homem está, em certo sentido, ‘destinado’ a superar-se a si mesmo”, refere a introdução da Carta Apostólica Salvifici doloris, de S. João Paulo II, um documento de 1984 que serve, ainda hoje, de inspiração para a Pastoral da Saúde da Igreja Católica.
“Senhor, aquele a quem amais está doente” é um dos ‘gritos’ mais comoventes que repetimos frequentemente na oração com os enfermos, no Santuário de Fátima. E comove-nos porque a experiência do sofrimento, nomeadamente a que está associada à doença, atinge-nos a todos, embora em diversas formas e graus. É uma das questões humanas a que mais dificilmente conseguimos dar resposta e sentido. Sobretudo quando nos toca de perto com alguma gravidade, a nós ou a quem amamos, tudo parece desabar à nossa volta, a vida parece perder o sentido, e até a fé em Deus fica, muitas vezes, posta em causa, tantas são as perguntas sem resposta e tão grande é a angústia que nos traz.
Na sua ação pastoral, a Igreja tem em especial atenção esta realidade e as provações e dificuldades que ela representa. Por isso tem serviços específicos para apoiar as pessoas na doença, seja em instituições de tratamento e cuidado médico e em diversificados centros de acolhimento, seja na promoção de retiros, formações e celebrações para o conforto espiritual a quem sofre.
Além disso, apresenta uma reflexão constante sobre o tema, com especial ênfase nas mensagens dos sucessivos Papas para o Dia Mundial do Doente, celebrado anualmente a 11 de Fevereiro ,desde 1992. Mas há um aprofundamento teológico permanente sobre a questão do sofrimento. Também as conferências episcopais produzem documentos de atualização local dessa mesma reflexão, como é o caso da portuguesa, nomeadamente, através da Comissão Nacional da Pastoral da Saúde, criada em 1988.
A Carta Apostólica Salvifici Doloris aponta a parábola do Bom Samaritano como “Evangelho do sofrimento” e diz que “não nos é permitido passar adiante, com indiferença; mas devemos parar” junto de quem sofre. Mais, o cristão deve prestar ajuda, “sem poupar nada, nem sequer os meios materiais”, ao ponto de se dar a si próprio, “o seu próprio eu ao outro” (SD, 28). Portanto, esta é uma ação que vai muito além das instituições e dos profissionais, para abarcar a própria essência do ser cristão. É missão de todos nós apoiar os que sofrem, ajudar à sua cura e até, em sentido mais lato, contribuir para que cada um dos irmãos seja saudável e não chegue a sofrer.
Para os crentes, Cristo é a verdadeira salvação, pelo que a oração é uma preciosa ajuda que podemos oferecer aos doentes, implorando o alívio do sofrimento e a graça de o saberem suportar.
Estar no hospital em nome de Cristo
O hospital, embora seja lugar de grandes alegrias, como a do nascimento de um filho, está normalmente associado à dor, ao desastre, à limitação das faculdades físicas. É também aí que muitos homens e mulheres passam dias, meses ou anos de dor contínua, para si e para os familiares e amigos, e tantos deles acabam por falecer.
Assim, podemos considerar que esse é também um campo da ação da pastoral da Igreja com particulares dificuldades. Ali todas as dúvidas se concentram, todas as resistências são postas à prova, todas as palavras não chegam para confortar quem sofre os piores tormentos e a iminência da morte. Consciente desta realidade e da necessidade de uma presença reconfortante, a Conferência Episcopal Portuguesa acordou com o Estado a regulamentação das capelanias hospitalares em 1980 e nomeou o primeiro capelão coordenador nacional em 1982. Cabe a cada diocese, depois, assegurar os capelães para os hospitais da sua área geográfica.
“O Amor é ainda a fonte mais plena para a resposta à pergunta acerca do sentido do sofrimento. Esta resposta foi dada por Deus ao homem na Cruz de Jesus Cristo” (SD, 13). De facto, é isso que a Igreja quer oferecer ao colocar um capelão no hospital, alguém que está ao serviço dos que sofrem e, de variadas maneiras, lhes leva o amor de Cristo. E é isso que todos nós, Igreja, somos chamados a fazer, também de formas diversas, desde a visita aos que estão ali internados à colaboração com os profissionais que deles cuidam e às famílias que sofrem com eles, garantindo que a comunidade paroquial se mantenha em ligação com os seus membros que estão hospitalizados.
D. António defende “cuidar antes de curar”
Em fevereiro de 2013, o Bispo diocesano participou num encontro com médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde, no Hospital de Santo André, em Leiria, onde apresentou uma mensagem com o tema “Profissão, vocação e missão”.
Na ocasião, D. António Marto referiu que “se tivermos bem claro que no centro da atividade médico-sanitária e assistencial está o bem estar da pessoa na sua condição mais frágil, confrontada com o mistério insondável da dor, percebemos que essa atividade é uma vocação singular que necessita de estudo, de experiência e de sensibilidade”. E, usando o exemplo do Bom Samaritano, sublinhou a “arte do cuidar, que vai para além dos títulos académicos e da abordagem clínica”, que leva a “sofrer com os que estão feridos, partilhar a sua dor e as suas angústias” e a “fazer tudo o que pode e é necessário para servir e ajudar”.
Nesse contexto, lembrou que o “sentido cristão” desta realidade encontra-se na própria pessoa de Jesus Cristo, que “não eliminou o sofrimento, mas cuidou de quem sofre, curou, uniu-Se a ele e uniu-o a Si”. Um cuidar que é “sobretudo dedicação e amor a um semelhante”, uma “obra verdadeiramente humana e cristã de prevenção, de terapia e de reabilitação da saúde humana em defesa da vida” e que implica uma “relação interpessoal de confiança” e “o respeito global e total da pessoa que não pode ser reduzida a mero objeto”. Como exemplo concreto, a “carícia, que é por vezes o único e eficaz meio de comunicação e cuidado e talvez a forma mais bela de expressar a ternura humana”.
Em resumo, “só o amor a cada doente poderá fazer renascer nele a esperança, a saúde e a felicidade, restituindo-lhe vida, dignidade e sentido, segundo a missão que Cristo nos confiou: «Vai e faz o mesmo tu também»”.
Entrevista ao padre Pedro Viva, capelão do Hospital de Santo André e diretor do Serviço Diocesano de Pastoral da Saúde
“A Igreja deve ser um hospital de campanha”
Pedro Viva, natural de Leiria, foi ordenado presbítero em 2004. Entre 2004 e 2010 exerceu o ministério sacerdotal no Seminário de Leiria. De 2010 a 2012 foi vigário paroquial na Marinha Grande. De 2012 a 2014 frequentou o Instituto Camiliano de Roma, onde fez estudos de Teologia Pastoral da Saúde. Foi recentemente nomeado capelão do Hospital de Santo André e diretor do serviço diocesano de Pastoral da Saúde.
Está prestes a iniciar a missão de capelão no Hospital de Santo André. Que significa para si esse desafio pastoral?
O hospital é uma realidade fabulosa. Para a maioria dos cidadãos, é lá que se nasce e se morre. É o lugar das grandes alegrias e também das grandes angústias e tristezas que a vida nos traz. A Igreja não pode estar longe deste espaço vital e poder partilhar estes momentos com as pessoas é uma graça e responsabilidade.
Na história da Igreja, encontramos o rosto atualizado da parábola do Bom Samaritano na vida dos santos. Uma Igreja que vê, que se faz próxima e ajuda o irmão. A Igreja está no hospital, não para fazer proselitismo, não para fazer conversões aproveitando a fragilidade das pessoas, mas sim porque é um direito do doente ser assistido espiritualmente.
Pessoalmente, entendo este desafio pastoral como uma missão que o bispo diocesano me confia: ser o rosto da Igreja junto da pessoa doente, dos seus familiares, de quem os trata e de quem os visita. Mais do que as paredes, o hospital são as pessoas. Se tivermos em conta que só funcionários do hospital são mais de 1.300 e são estes a comunidade estável, certamente não me faltará que fazer. Mas a pessoa mais importante é o doente a quem servimos.
Acaba de regressar de uma formação de dois anos, no Instituto Camiliano da Universidade Lateranense, precisamente na área da Pastoral da Saúde. Em que consistiu?
A formação que recebi em Roma vai em três direções: razão, coração e ação, ou seja, reflexão, sensibilidade e competência. Este tripé é fundamental. Foi uma formação teórico-prática, com estágio num dos hospitais mais antigos de Roma, na ilha Tiberina, dos Irmãos de S. João de Deus. Os padres camilianos, fiéis discípulos de S. Camilo de Lelis, grande apóstolo do cuidar da pessoa doente, orientam o Instituto e procuram que este seja, na Igreja, uma escola de caridade. Fundado em 1987, por ele já passaram cerca de um milhar de alunos em Teologia Pastoral da Saúde que, espalhados pelo mundo, procuram viver o que aprenderam. Cerca de trinta disciplinas teológicas e bíblicas, passando pela psicologia, bioética, filosofia, antropologia e medicina, compõem esta formação.
Partindo dessa “bagagem” formativa, quais as expectativas para o trabalho concreto no hospital de Leiria?
Não tenho expectativas. Sei que herdo uma herança nobre dos anteriores capelães, nomeadamente, dos padres João Trindade e Clemente Dotti, a que espero dar continuidade.
O que se aprendeu ajuda a formar a competência e a sensibilidade. Mas depois, é a vida a guiar-nos, pois cada pessoa é única e na vida pastoral não há lugar a genéricos. A resposta deve ser personalizada.
Foi também nomeado diretor do Serviço Diocesano de Pastoral da Saúde. Aí o campo de ação é bem mais vasto…
Sim. Habituámo-nos a pensar na saúde quando a perdemos. Muitas vezes, corremos atrás do prejuízo, investindo as nossas energias apenas no curar. A pior coisa que se pode dizer a um doente é que já não há nada a fazer. Há sempre que fazer: cuidar da pessoa até ao fim. Mas a saúde deve ir para além do curar e há muito a fazer também no campo da prevenção e da promoção da vida saudável. Nesse sentido, a Pastoral da Saúde deverá ser capaz de integrar nas suas atividades ações para promover hábitos saudáveis de vida.
Nesse mundo de possibilidades de ação, já definiu quais as prioridades para a Pastoral da Saúde na Diocese?
No último ano, a equipa diocesana percorreu três vigararias da Diocese, desenvolvendo uma ação de formação sobre o luto. Contando com a disponibilidade possível, integrados nas orientações pastorais diocesanas, faremos o que estiver ao nosso alcance. Se conseguirmos passar a ideia de que a Igreja deve ser um hospital de campanha, como a definiu recentemente o Papa Francisco, pronta a tratar das feridas da humanidade, e que para tal, é preciso ir ao encontro das pessoas e das situações, já daremos um bom contributo.
Concretamente, como é que a Igreja poderá ser esse “hospital de campanha”?
Não há uma receita geral, pois é preciso partir da realidade, que não é igual em todo o lado. Temos de acolher os desafios, refleti-los cristãmente e agir coerentemente.
O campo de ação é vasto e preocupante: o stress e os distúrbios psicoemocionais, o alcoolismo, sobretudo em idades precoces, os idosos abandonados, os profissionais de saúde cansados e desmotivados, o valor da vida humana demasiado dependente do princípio da autonomia… são situações que a Igreja não pode ignorar. Se pudermos ajudar a encontrar soluções, estamos a contribuir para um ambiente pessoal e social mais saudável. Não basta estar bem ou sentir-se bem. É preciso “ser bem”. E Jesus é para nós modelo de saúde e salvação.
Dicas e apoios para visitar um doente
• Para que a visita possa ser de ajuda é preciso sintonizar-se com o doente: ter em conta a sua situação, sentimentos, questões, solidão.
• O diálogo deve ser respeitoso e com disponibilidade para a escuta e a compreensão.
• Evite a curiosidade. Deixe o doente falar ou ficar em silêncio. Permaneça junto dele. Pegar-lhe na mão pode ser um gesto que lhe agrade e lhe faz sentir o seu afeto.
• Acolha com paciência e tranquilidade o seu comportamento e reações, ainda que exageradas e impróprias.
• A pessoa doente tende a sentir-se objeto, coisa, caso clínico, número. O visitador pode ajuda-la a sentir-se alguém que é escutada, estimada e respeitada na sua dignidade.
• A confiança é necessária e fundamental. Criar empatia requer saber comunicar com verdade e sinceridade o que interessa ao doente.
• Aquilo que o doente diz raramente exige resposta. O que espera não se situa necessariamente ao nível da pergunta. Não ter medo das pausas. Palavras falsamente reconfortantes enervam.
• Em todas as circunstâncias, a família é sempre atingida na pessoa do doente. O auxílio aos membros da família e a sua colaboração não pode ser descurado.
• Não demore a sua visita. Esteja atento ao cansaço ou ao estado de sofrimento do doente.