No último Dia Mundial das Missões, 21 de outubro, iniciou-se na Igreja em Portugal um Ano Missionário, que terá o seu auge no Mês Missionário Extraordinário instituído pelo Papa Francisco para toda a Igreja, em outubro de 2019, com o tema “Batizados e Enviados”.
A este propósito, apresentamos um resumo do documento da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a iniciativa e fomos entrevistar o padre Joaquim Luís, diretor do Serviço de Animação Missionária da Diocese de Leiria-Fátima. Publicamos também os testemunhos de dois jovens leigos desta diocese prestes a partir em missão e de um padre e uma religiosa que vieram de longe para realizar a missão entre nós.
Luís Miguel Ferraz
O Papa Francisco declarou o mês de outubro de 2019 “Mês Missionário Extraordinário”, em comemoração do centenário da Carta Apostólica “Maximum Illud”, de 30 de novembro de 1919, do Papa Bento XV e com o objetivo de “despertar para uma maior consciência da missão e retomar com novo impulso a transformação missionária da vida e da pastoral”.
Os bispos portugueses acolherem esta proposta e decidiram alargá-la ao período de um ano, “apelando a um maior vigor missionário em todas as dioceses, paróquias, comunidades e grupos eclesiais, desde os adultos aos jovens e crianças”.
No documento “Todos, Tudo e Sempre em Missão”, a Conferência Episcopal Portuguesa explica o porquê dessa decisão e as linhas gerais do que deseja ver realizado em todas as dioceses do País, na convicção de que “não podemos ficar tranquilos, em espera passiva: é necessário passar de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária”. Para tal, há que assumir o apelo do Santo Padre «a ir às periferias, a ir até junto dos pobres, convidando os jovens a “fazer ruído”, a não “ficarem no sofá” a verem a vida a passar». E o centro de tudo será “a oração, o testemunho e a reflexão” que coloque “Jesus no coração da própria Igreja, transformando-a em critério para medir a eficácia das estruturas, os resultados do trabalho, a fecundidade dos seus ministros e a alegria que são capazes de suscitar, porque sem alegria não se atrai ninguém”.
Esta missão de que falava o referido documento centenário e que o Vaticano II viria a sublinhar, “permanece plenamente atual”, escrevem os bispos, indicando que “cada terra e cada dimensão humana são terra de missão à espera do anúncio do Evangelho”. Para a concretizar, servirão as quatro dimensões que o próprio Papa Francisco indica: “Encontro pessoal com Jesus Cristo vivo na sua Igreja: Eucaristia, Palavra de Deus, oração pessoal e comunitária. Testemunho: os santos, os mártires da missão e os confessores da fé, que são expressão das Igrejas espalhadas pelo mundo. Formação: bíblica, catequética, espiritual e teológica sobre a missão. Caridade missionária: ajuda material para o imenso trabalho da evangelização e da formação cristã nas Igrejas mais necessitadas”.
Este trabalho envolverá todas as estruturas e comunidades, desde a Congregação para a Evangelização dos Povos e as Obras Missionárias Pontifícias até aos Centros Missionários Diocesanos e Grupos Missionários Paroquiais que deverão surgir, cumprindo o objetivo anunciado em título, de que seja uma “missão total que deve envolver Todos, Tudo e Sempre”.
Entrevista ao padre Joaquim Luís,
responsável diocesano pelas missões
“As nossas comunidades ainda vivem
muito fechadas em si mesmas”
Como está organizada a pastoral das missões na Diocese?
O Serviço de Animação Missionária (SAM) tem como tarefa fundamental animar missionariamente a Igreja local, divulgar as Obras Missionárias Pontifícias, cuidar da geminação entre as dioceses de Leiria-Fátima e do Sumbe; preocupar-se com os problemas que afetam o mundo de hoje no que se refere aos direitos humanos, à justiça e paz e integridade da criação.
Fazem parte deste serviço representantes das diversas congregações e institutos missionários masculinos e femininos presentes na Diocese, dos grupos de leigos ligados a estas congregações (Liga Intensificadora da Ação Missionária; Jovens Sem Fronteiras; Juventude Franciscana; Leigos Consolata, Leigos Combonianos) e também do grupo missionário diocesano Ondjoyetu.
Vamos fazendo animação missionária nalgumas escolas secundárias, colégios, paróquias e grupos de catequese. Cada ano, no mês de outubro, concentramos os nossos esforços de animação numa vigararia da Diocese; este ano é na de Leiria. No verão, fazemos uma semana de animação missionária em regiões mais carentes do nosso país, que neste ano foi em Figueiró dos Vinhos e Pedrogão Grande.
Além desta estrutura, como avalia o sentir e o viver missionário na Diocese?
A consciência missionária varia de comunidade para comunidade e depende também da sensibilidade dos pastores. As nossas comunidades ainda vivem muito fechadas em si mesmas. Por isso, o Papa Francisco tem insistido na mudança de uma pastoral de manutenção para uma pastoral missionária. Quer uma Igreja em saída, que vá ao encontro das pessoas, que tome a iniciativa, que se envolva, que dê testemunho da alegria de sermos discípulos missionários. Para isso, é fundamental fazer a experiência do encontro com Jesus, na oração, na escuta da Palavra, na celebração dos sacramentos e nos pobres, pois só Cristo dá sentido e alegria às nossas vidas.
Que leitura faz desta proposta do Papa para um “mês missionário extraordinário” e da iniciativa do “ano missionário” em Portugal?
Trata-se da comemoração do centenário de um Carta Apostólica em que o Papa Bento XV sensibilizava todos os cristãos para a tarefa missionária e dava algumas indicações sobre o modo de evangelizar em terras não cristãs. Destaco a importância da aprendizagem da língua e da cultura locais, a formação e o conferir responsabilidades ao clero local.
O Papa Francisco aproveitou esta efeméride para novamente lembrar a todos os cristãos o mandato missionário de Jesus e as implicações da vocação batismal – para usar a expressão do Papa Bento XVI, na mensagem para o Dia das Missões de 2011: “A missão universal envolve todos, tudo e sempre”, na qual se inspira o título da nota pastoral dos nossos bispos para o ano missionário. Daí também o tema escolhido pelo Papa Francisco para o próximo Dia Mundial das Missões em outubro 2019: “Batizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo”.
Os nossos bispos querem sensibilizar os católicos portugueses para esta vocação missionária de todos os batizados. Já o fizeram em 2010, com a Carta Pastoral “Como Eu vos fiz fazei vós também” – Para um rosto missionário da Igreja em Portugal.
Durante este ano, irá ser proposta alguma dinâmica diferente na Diocese?
A Diocese de Leiria-Fátima irá dedicar o próximo biénio pastoral à temática dos jovens, mas penso que não há sobreposição de temas, uma vez que a missão deve ser o paradigma de toda a atividade pastoral. É nosso desejo conjugar a temática juventude-missão. Neste sentido, a vigília missionária deste ano 2018 foi organizada pela equipa da pastoral juvenil e vocacional. Gostaríamos que o mesmo acontecesse no próximo ano. Dentro de nossas possibilidades, estamos disponíveis para ir aos grupos de catequese, sobretudo dos crismandos e dos grupos de jovens para sensibilizar, formar e testemunhar a fé. O testemunho dos jovens que fizeram experiência missionária em Portugal e no Gungo, Angola, deixa sempre uma marca e um questionamento nos jovens. Gostaríamos de dar a conhecer melhor a geminação da nossa diocese com a do Sumbe e as Obras Missionárias Pontifícias; que as nossas comunidades paroquiais com seus pastores, os vários movimentos e as novas comunidades também se deixassem tomar por este impulso missionário que o Papa Francisco quer dar a toda a Igreja. Em outubro, como habitualmente, concentraremos a nossa animação missionária noutra vigararia, seguindo a ordem alfabética.
O que gostaria que estivesse diferente no “outubro missionário” do próximo ano?
Gostaria de ver as nossas comunidades com seus pastores mais abertas à universalidade; com um espírito missionário de ir ao encontro dos outros para partilharem a alegria de serem discípulos de Jesus, pelo testemunho de fraternidade, de alegria, de compaixão, de misericórdia… que pelo seu exemplo de vida levassem as pessoas a desejarem também ser como elas, à semelhança dos que olhavam para a vida dos primeiros cristãos e comentavam: “olhai como eles se amam”.
O Papa Francisco faz várias propostas para o outubro missionário de 2019, que gostaria de ver concretizadas. Espero que a alegria e a urgência que Maria, Mãe de Jesus e da Igreja, sentiu em partilhar a feliz notícia da conceção do Verbo Divino no seu seio com sua prima Isabel sejam para nós o ícone missionário que nos inspira.
Testemunhos de quem vai
Inês e Humberto são dois dos jovens que partem em breve para a Missão de São José, no Gungo, na diocese do Sumbe, ela por um mês e ele por seis. Dinamizada há mais de uma década pelo grupo Ondjoyetu, nesta diocese angolana geminada com Leiria-Fátima, tem proporcionado a muitos jovens e adultos a experiência do que é anunciar Cristo entre os mais pobres dos pobres. A estes que partem, pedimos que testemunhassem o que significa dizer “sim” ao chamamento e que expectativas levam.
Serenidade e responsabilidade
Ao longo de muitos anos, senti que a minha missão era nos meios onde me encontrava. Fiz um longo percurso na Juventude Operária Católica e colaborei com outras organizações. Ouvia testemunhos de missionários que tinham estado em países distantes, mas achava que não era para mim. A certa altura, comecei a sentir um chamamento para partir para fora de Portugal, conhecer outras realidades, levar um pouco de mim a outros povos. Quando pensava que não ia acontecer a médio prazo, tudo se orientou nesse sentido e aí senti que não podia dizer ‘não’.
Recordo o testemunho de uma jovem do grupo Ondjoyetu em que ela salientava a importância de “fazer o que for preciso, onde for preciso, com o que existir” e sinto que essa é a minha missão. No Gungo, há vários projetos em áreas muito diversas: agricultura, saúde, formação, construção, etc.; por ter uma profissão da área da saúde, provavelmente essa poderá ser uma das áreas em que irei intervir, mas estou verdadeiramente disponível para fazer qualquer outra tarefa que seja necessária.
Depois da Vigília Missionária em que celebrámos o nosso envio, sinto uma grande serenidade por saber que temos toda uma diocese a acompanhar-nos e a rezar por nós, mas por outro lado sinto a responsabilidade de não defraudar as expectativas que colocam em nós.
Inês Amado Moreira, 32 anos, fisioterapeuta, da paróquia do Alqueidão da Serra
Alegria por ir dar
À medida que se aproxima da data da partida, no próximo mês de janeiro, sinto um misto de emoções, desde o receio por deixar o que é nosso até à alegria por poder ir dar um pouco de nós a quem mais precisa…
No meu caso, posso dizer que foram os incêndios do ano passado que mexeram bastante comigo e me fizeram dizer “sim” a este desafio. Para mim, aceitar ir em missão é simplesmente reafirmar que estou vivo, porque só faz sentido uma vida com partilha. É isso que me move.
Não crio grandes expectativas relativamente ao que será a missão… apenas quando lá estiver é que vou perceber a alegria que é ser missionário. Espero o momento da partida com muita alegria. Prevê-se a passagem de tubos desde uma fonte a 1 km até ao tanque da missão para o abastecer de água e penso que será aí que ocuparei mais tempo, mas vou de coração aberto para qualquer tarefa que me entreguem.
Humberto Ribeiro, 22 anos, engenheiro eletrotécnico, da paróquia de Santa Catarina da Serra
Testemunhos de quem veio
Normalmente, quando se fala em “terra de missão”, pensa-se na África, Ásia ou América do Sul, mas há quem venha, precisamente, desses destinos para viver a missão entre nós. É o caso do padre Thomas Lasi e da irmã Nancy Ortiz, que estão na Diocese de Leiria-Fátima, ela com regresso marcado à terra natal (entretanto publicaremos uma entrevista mais completa com ela). Pedimos-lhes que nos contassem como vivem a sua vocação missionária neste cenário aparentemente “invertido”, se acham importante este intercâmbio de experiências pastorais na Igreja e como tem sido a missão nesta diocese.
A obra é de Deus
Sou padre dos Missionários do Verbo Divino, natural de Timor Ocidental, Indonésia. Cheguei a Portugal em 2013 e, após a aprendizagem da língua e cultura portuguesas, fui nomeado vigário paroquial das paróquias de Minde e da Serra de Santo António.
Vindo do continente asiático, entendo a missão como obra de Deus, pois só Ele convoca e envia a Igreja. Então, esta não pode ser considerada como um projeto individual que uma determinada pessoa ou um grupo particular pretende impor aos outros. Assim, posso dizer que a minha experiência aqui é muito positiva, porque me sinto bem acolhido, tanto por parte dos agentes pastorais como dos fiéis, em aceitar-me a exercer o trabalho missionário.
Acho o intercâmbio de experiências pastorais dentro da Igreja muito importante, pois requer uma abertura e reconhecimento da presença de Deus nas outras culturas e outras realidades. Como dizia o Papa Francisco, “a realidade é mais importante do que a ideia”.
P. Thomas Ulan Noni Lasi
Partilha de Deus na vida
Pertenço à congregação das Filhas de Santa Maria de Guadalupe e, após 7 anos em Angola, estive em missão na paróquia da Marinha Grande e Diocese de Leiria-Fátima durante 15 anos, de 1998 a 2008 e de 2013 a 2018, com interregno no México, para onde voltarei este mês.
Nunca imaginei que Portugal fosse o meu lugar de missão, mas quando eu penso que o caminho é um, Deus apresenta-me sempre outro. Em Angola, a maioria da população é materialmente muito pobre, mas rica espiritualmente e por isso está sedenta de escutar a Palavra de Deus. E, mesmo em tempo de guerra, via muitas pessoas sempre alegres e sentindo Deus no coração. Em Portugal, vejo muitas pessoas que, embora tendo abundância de bens materiais, vivem tristes, o que me custou um pouco a entender. Outra coisa que me marcou e a que tive que me habituar foi muitas atividades apostólicas serem à noite e ter de chegar tarde a casa.
Penso que é muito importante, mais do que a partilha de estratégias ou pedagogias na transmissão da mensagem de Deus, a partilha da minha experiência de Deus na vida, a minha fé e o amor que vai crescendo cada dia na relação com o irmão. Procurei fazer isso aqui, em diferentes áreas de apostolado, desde a catequese da paróquia até diversos serviços diocesanos.
Vou voltar agora para a pastoral vocacional com as jovens mexicanas e o desafio é o mesmo, de continuar a partilhar a fé que me tem animado e foi enriquecida com as experiências de Angola e mais recentemente de Portugal.
Ir. Nancy Ortiz Cazas