A propósito de sofrimentos e exorcismos

Os sacerdotes ou outros fiéis abordados por pessoas em sofrimento que pedem o exorcismo devem acolhê-las com benevolência e compaixão. Depois, escutá-las com atenção e compreensão, informando-se da origem e razões que deram origem à atual situação.

Há muitas pessoas que sofrem, durante longo tempo, por causas que ignoram. Por vezes, consultam médicos e outros profissionais de saúde, sem encontrarem remédio para a sua penosa situação. Algumas recorrem também às chamadas “mulheres de virtude”, mais vulgarmente denominadas “bruxas”, em busca do alivio dos seus males. Quando as queixas persistem, aparece sempre alguém a dizer que se está perante a influência ou domínio de espíritos ou do demónio, pelo que devem recorrer a um exorcista. Inflama-se então no paciente a crença de que pode facilmente ser libertado pelo rito e orações feitas por um padre. Só que, mesmo com elas, com frequência, o mal não se vai embora como ele desejaria.

Acontece-me, por vezes, receber telefonemas ou atender pessoas que pedem exorcismos para si ou para outros. Ouvindo-as e tentando perceber o que se passa com elas e a causa dos seus males, deteto, com frequências, problemas de relação em família, no trabalho ou com os vizinhos, questões de heranças e lutos não superados ou, simplesmente, superstições sobre ditos e maldições, que, por vezes, surgem meramente por impressão ou imaginação da própria pessoa. Como nos vemos, o que pensamos ou sentimos condicionam a nossa vida e o modo de enfrentar os nossos males. “Você é aquilo que pensa”, “O inconsciente responde em conformidade com a crença”, “Crenças erradas criam atitudes erradas. Só a verdade nos liberta. Se acredita em coisas verdadeiras, a sua vida se torna verdadeira; se acredita em coisas falsas e fúteis, a sua vida se encaminha para a futilidade e a falsidade”, escreveu o padre e psicólogo José Sometti (Você é aquilo que pensa, 55-56). Quem deixa entrar certas ideias, medos e superstições nas suas mentes corre seriamente o risco de ver a sua vida transformar-se numa lixeira, tendo que suportar sofrimentos que, infelizmente, nem sempre se curam com comprimidos, tratamentos médicos, ritos e orações.

Os sacerdotes ou outros fiéis abordados por pessoas em sofrimento que pedem o exorcismo devem acolhê-las com benevolência e compaixão. Depois, escutá-las com atenção e compreensão, informando-se da origem e razões que deram origem à atual situação e se já há acompanhamento médico ou psicológico, conforme o tipo de perturbação. Além da escuta compassiva e do esforço de compreensão, poderão dar-lhe indicações oportunas para que entendam e sejam capazes de suportar e superar o sofrimento. Podem e devem, segundo o que percebem, orientar a pessoa para os profissionais de saúde física ou mental. Do ponto de vista espiritual, ajudam com a oração por elas e com elas, recomendando também a frequência dos sacramentos da Igreja, a leitura e meditação da Palavra de Deus, a oração e o acompanhamento espiritual.

Cada caso deve ser atendido com a devida atenção. Há situações em que a pessoa, tomando consciência do que está a passar e dos meios de que dispõe, como no caso de indisposições ou dores físicas, com o eventual conselho sábio de quem lhe está próximo, resolve por si mesmo o problema. Noutros casos, atendendo à gravidade e persistência do mal, é preciso o recurso ao médico ou ao especialista na área da psicologia. Temos que admitir que também adoecemos na área mental e precisamos da ajuda de quem tem ciência para tal. Menciono 4 casos que encontraram diferentes soluções de alívio e cura. Atendi uma vez um homem que reconhecia ele próprio estar mal. Escutei-o e percebi que poderia estar em situação depressiva. Entre os conselhos, sugeri-lhe que fosse a um médico de saúde mental. Acolheu bem a ideia, foi ao médico

e encontrou as melhoras. Noutra situação, o paciente encontrou alívio para o seu mal através da adoração eucarística que lhe foi recomendada. E noutra, foi a oração e bênção do sacerdote que obteve a cura do sofrimento.

Em certas situações, a mudança de pensamento do medo e superstição para a confiança e o olhar positivo para a vida, é suficiente para a cura. Contaram-me de uma pessoa que, devido a um banal acontecimento na sua vida, se infiltrou nela um medo irracional que fez com que não conseguisse dormir e padecesse um mal-estar insuportável. Foi ao médico, tomou medicação, mas o seu estado persistia. Sugeriram-lhe então ir a um psiquiatra. Este ouviu a sua história de sofrimento e o facto que lhe tinha dado origem. Disse então ao doente que a cura do seu mal não estava nos médicos nem nos medicamentos, mas nele próprio, bastava mudar de atitude e ter confiança. Receitou-lhe apenas medicamento para o ajudar a dormir de noite. O certo é que o doente tomou a sério o conselho médico e em pouco tempo libertou-se do mal que há tanto tempo o atormentava.

E então, o que diz do exorcismo para libertar as pessoas do seu sofrimento espiritual? É verdade que a Igreja Católica tem esse rito entre os seus sacramentais. Mas é muito cautelosa quanto às situações em que o mesmo pode ser celebrado: “só raramente, e após um exame rigoroso; antes, porém, deve excluir-se que se trata de um fenómeno psíquico (este assunto pertence à especialidade do psiquiatra” (Youcat, 273). No próprio “Ritual dos exorcismos”, adverte-se que se “distinga retamente entre os casos de ataque do demónio e aquela credulidade com que algumas pessoas, mesmo fiéis, pensam ser objeto de malefício, má sorte ou maldição, que terão sido lançados sobre elas ou seus parentes ou seus bens”. E ao sacerdote que atende tais pessoas recomenda: “Não se lhe recuse o auxílio espiritual, mas de modo algum recorra ao exorcismo; pode, contudo, proferir algumas orações apropriadas, com elas e por elas, para que encontrem a paz de Deus” (Preliminares, n. 15).

Quem está em sofrimento merece, portanto, a devida atenção com compreensão e compaixão. Deve ser-lhe dada ajuda espiritual, discernir e esclarecer a sua situação, rezar com ela e por ela e infundir-lhe confiança. Jesus deixou-nos no Pai nosso a súplica “livrai-nos do mal”. Feita com uma fé autêntica, tem seguramente efeitos de libertação na vida de quem sofre.

A crença e o recurso fácil ao exorcismo é como se alguém, estando com certas dores físicas, pusesse na sua cabeça a ideia de que precisava de uma cirurgia e insistisse junto do médico para que a fizesse. Não se pode pedir um exorcismo como quem busca um tratamento milagrosos para se libertar de uma penosa e prolongada tribulação. É preciso avaliar a situação, nas suas várias vertentes, e procurar a solução médica e/ou espiritual apropriada ao caso

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