Em primeiro lugar uma breve conversa com este iniciador do monaquismo:
Pois, meu caro Santo Antão, ainda que estejamos todos muito agradecidos a Deus por tua tão longa vida – cento e seis anos, nessa época, era pouco comum – tenho de te dizer que isso não me parece demasiado importante, até porque não temos meio de imitar senão a fidelidade com que levaste até ao fim a tua decisão de não confiar senão em Deus, ao qual deste tudo, quando ainda eras jovem.
Por outro lado, tens de nos perdoar o facto de o teu nome, no ocidente europeu, a partir de meados do século XIII, se ter confundido com o de outro grande santo, já que em latim, Antonius designa os dois: Antão e António. E sabes melhor que eu o que acontece com a devoção popular, quando não se esclarece devidamente.
Sim, também sei que tu não te importas com isso, porque em última análise, tudo nos vem de Deus; mas precisamos todos de ver melhor o que o mesmo Deus quer que imitemos em cada um dos nossos intercessores.
Deixo em paz os dois grandes intercessores das nossas populações, sempre mais devotas do que esclarecidas, e dirijo-me agora aos mais responsáveis por este esclarecimento: penso sobretudo naqueles que todos os dias podem, em circunstâncias normais, trazer à celebração da Eucaristia algum nome, não apenas como intercessor, mas também como exemplo a seguir, para darmos um sentido mais fecundo ao nosso viver diário.
Todos os santos nos interessam, para dar graças a Deus e para pedir novos favores: precisamente porque, se canonizados – o que significa que a sua pratica heróica das virtudes teologais, lhes dá um especial poder intercessor -; mas os santos interessam-nos também como modelo, porque assim nos são propostos pela canonização.
E se os santos nos interessam como modelo, seria talvez mais necessário que os responsáveis das nossas celebrações destinassem mais tempo à sua preparação, não apenas com a leitura meditada dos textos, mas também com a busca de modelos actuais, para que o conjunto do Povo de Deus fosse progressivamente convencendo-se que a solene proclamação do Vaticano II sobre a vocação universal à santidade, não é um puro voto, nem uma proclamação puramente teórica: Diz assim o Concílio: “Por isso, todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo: «esta é a vontade de Deus, a vossa santificação»” (1 Tess. 4,3; cfr. Ef. 1,4) (Lumen Gentium 39).
O actual calendário litúrgico está recheado de “memórias facultativas”.
Já sabemos que isso se deve também à preocupação de dar ao domingo e às celebrações feriais um lugar de maior relevo.
Mas as razões de ordem pastoral, que tantos invocam por motivos menos recomendáveis, permitem preencher esses dias com referências mais concretas a nomes que estão ligados a pessoas que alguns de nós conheceram directamente e cuja vida pode e deve ser proposta como modelo e prova de que a Igreja foi verdadeiramente inspirada quando afirmou solenemente que todos os baptizados são chamados à santidade.
E dos santos mais tradicionais, como Santo Antão, que muitas populações recordam como figuras inimitáveis, ou Santa Margarida da Hungria, que, apesar de ter vivido no sec XIII, aliás como Santo António, quantas coisas a aprender, mas que não entram na lista dos factos que provam que essas pessoas viveram heroicamente as virtudes teologais. Isso, sem o qual ninguém é santo; e com o qual todos os podem ser.
Com a graça de Deus, claro: porque, na verdade, só Ele é santo.