Homilia de encerramento do Ano Santo da Misericórdia e da Ordenação Diaconal de António Cardoso
A Misericórdia, Profecia de um Mundo Novo
† António Marto
Catedral de Leiria, 20 de novembro de 2016
Refª: CE2016B-012
Celebramos hoje a solenidade de Jesus Cristo, rei do universo, enriquecida com o encerramento do Ano Jubilar da Misericórdia e com uma ordenação diaconal, que acolhemos como graça da misericórdia divina. São motivos de particular alegria para a nossa Igreja diocesana. A todos vós dirijo a minha cordial saudação, de modo particular ao senhor D. Serafim, ao caro António, candidato ao diaconado, à sua mãe e demais familiares, aos superiores dos seminários de Leiria e Lisboa, aos párocos e às paróquias de origem e de estágio pastoral.
Eis como o Papa Francisco nos convida a viver o encerramento do Jubileu da Misericórdia: “Ao fechar a Porta Santa, animar-nos-ão sentimentos de gratidão e de ação de graças à Santíssima Trindade por nos ter concedido este tempo extraordinário de graça. Confiaremos a vida da Igreja, a humanidade inteira e o universo imenso à realeza de Cristo, para que derrame a sua misericórdia como o orvalho da manhã, para construirmos uma história fecunda com o compromisso de todos no futuro próximo. Quanto desejo que os anos futuros sejam permeados de misericórdia para ir ao encontro de cada pessoa levando-lhe a bondade e a ternura de Deus” (MV 5).
Vivemos um Ano Jubilar rico de momentos muito significativos para a vida da Igreja. Que ficará deste ano? Não é o momento de fazer agora um balanço. Mas, sem dúvida, ele imprimiu uma sensibilidade espiritual e um estilo pastoral que devem ser impulso e pauta da atuação dos cristãos e da Igreja. Podemos dizer que se abre agora um tempo novo e desafiante: a receção da misericórdia para a vida e missão da Igreja, para uma nova etapa evangelizadora no mundo de hoje. O Ano Santo termina, mas o seu impulso não pode parar. Desejaria apenas sublinhar três aspetos mais marcantes, à luz da Palavra de Deus que escutámos.
O rosto de um Pai misericordioso
Em primeiro lugar, a mensagem de misericórdia mostra o rosto de um Pai misericordioso e responde assim à questão mais profunda de hoje, a questão de Deus. Quantos se afastaram perante a imagem de um Deus distante, apático e justiceiro? Como é diferente a imagem de Deus que vem ao encontro do homem frágil e das suas feridas! Deus quer ser conhecido como Pai de misericórdia, cujo amor entranhado quer chegar a todos e a tudo, mesmo onde tudo parece perdido.
“Se queremos saber quem é Deus, devemos ajoelhar-nos aos pés da cruz”, escreveu um célebre teólogo. Sim, em Cristo crucificado dá-se a revelação máxima da misericórdia de Deus; e dela nos dá testemunha vivo o “bom ladrão”.
Presenciando toda a cena da cruz, ele intuiu em Jesus algo de novo e insuspeitável que tocou profundamente o seu coração e o transformou. Certamente ouviu a primeira palavra de Cristo na cruz: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. Talvez fosse o suficiente para despertar nele o arrependimento e a confiança na sua infinita bondade. Então o impensável acontece. Os olhos do ladrão contemplam no crucificado o amor de Deus por ele, pobre pecador: Deus amou-me a ponto de morrer na cruz por mim. Por isso confia-se inteiramente à sua misericórdia: “Jesus, recorda-te de mim quando vieres com a tua realeza”. Eis a realeza de Jesus: a realeza da misericórdia, confirmada pela resposta surpreendente: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”!
O bom ladrão é o milagre que a misericórdia de Deus realiza nas pessoas: de um pecador é capaz de fazer um santo. A ternura e a misericórdia de Deus são a única força capaz de atrair, conquistar e transformar o coração de cada pessoa com as suas fragilidades.
Oh como a misericórdia do Pai é imensamente maior que o nosso coração e mais poderosa que a nossa fraqueza e o nosso pecado! Deus não se cansa de nos perdoar. Está sempre à nossa espera e espera sempre na possibilidade de bem que a sua bondade semeia no coração de cada um. Quantas pessoas durante este ano (re)começaram a descobrir-se abraçadas pela misericórdia do Pai e a ama-Lo de novo!…
A misericórdia no centro da vida da Igreja
Em segundo lugar, a misericórdia há de ser a atitude constante da Igreja: deve enformar toda a vida e ação da Igreja e das comunidades cristãs, para serem sinal e instrumento da misericórdia de Deus: “misericordiosos como o Pai”. Desde logo, compreendemos que “a Igreja não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro com aquele amor entranhado que é a misericórdia de Deus” (Papa Francisco). A Igreja e cada comunidade devem ser casa materna da ternura e da misericórdia onde cada um seja acolhido, escutado, compreendido, amado, acompanhado, perdoado, ajudado e encorajado a viver a vida boa do evangelho; uma Igreja “hospital de campanha” cuja prioridade é acolher e cuidar dos feridos e ajudar a curar as feridas.
Nesta linha, o Papa Francisco indicou um método pastoral à Igreja para os próximos tempos: “acolher, acompanhar, discernir e integrar” os seus filhos mais frágeis marcados pelo amor ferido ou extraviado, ou mesmo perdidos no meio das tempestades da vida.
A misericórdia, profecia de um mundo novo
Por fim, a misericórdia pede uma Igreja que olhe para o mundo com olhos novos e se aproxime dele com atitudes novas; uma Igreja em saída que seja sinal da proximidade e da ternura de Deus nas periferias humanas.
Quantos rostos nos estão interpelando, pedindo-nos que sejamos misericordiosos como o Pai, tal como foi Jesus aproximando-se, compadecendo-se, curando e libertando da escravidão tantas pessoas nas periferias da marginalização, da solidão e do abandono?
Como podemos ser testemunhas de misericórdia? pergunta o Papa Francisco. “O Senhor indica-nos um caminho muito simples, feito de pequenos gestos que a seus olhos têm um grande valor”, as obras de misericórdia corporais e espirituais. São obras que promovem a qualidade de vida e uma nova cultura: “Estou convencido- diz o Papa- que através destes simples gestos quotidianos podemos realizar uma verdadeira revolução cultural, como aconteceu no passado. Se cada um de nós em cada dia praticar uma destas obras, isto será uma revolução no mundo”, a revolução silenciosa da ternura!
Como vemos, a misericórdia não se reduz a um slogan de efeito ou a um bom sentimento: dá o melhor e não o que sobra; é capaz de ir ao encontro dos outros e não fica na indiferença fria e cínica; é capaz de ternura, de proximidade, de compaixão, de acolhimento, de partilha, de solidariedade face à cultura do descarte e da exclusão.
Cada um interrogue-se e responda no seu íntimo: que marca deixou em mim o Ano da Misericórdia? Como penso dar-lhe continuidade na minha vida e na Igreja?
Caro António Cardoso, lembra-te que também a tua ordenação é obra da misericórdia divina. Que esta misericórdia seja o pilar, a luz e a guia do teu ministério diaconal.
Virgem de Fátima, Mãe de Ternura e de Misericórdia, ajuda cada um a abrir o seu coração para ser misericordioso como o Pai e tornar mais bela a vida de cada um, de cada família, de cada comunidade cristã, de toda a Igreja e do mundo inteiro!