A Coragem da Misericórdia

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Homilia da Peregrinação Diocesana a Fátima

 

A Coragem da Misericórdia

† António Marto

Santuário de Fátima, 13 de março de 2016

Refª: CE2016B-003

Salve, Mãe de Ternura e de Misericórdia!

É com esta saudação que queremos dirigir-nos à Virgem Maria, neste Ano Santo da Misericórdia, com os olhos fixos na sua imagem, invocando a sua intercessão e consolação materna. Nesta sua casa, em forma de recinto, ela acolhe e abraça a nossa querida Igreja diocesana de Leiria-Fátima de que é padroeira e que hoje aqui vem em peregrinação de confiança na misericórdia divina. Também eu como vosso irmão bispo quero saudar todos os diocesanos presentes e as vossas comunidades representadas pelos respetivos estandartes que formam uma espécie de coroa à volta de Nossa Senhora. A todos abraço espiritualmente no meu coração de pastor.

Neste dia 13 de março devemos lembrar também o nosso querido Papa Francisco no terceiro aniversário da sua eleição: três anos fascinantes e cheios da alegria do evangelho  e de dinamismo de renovação para a Igreja e o mundo. Daqui de Fátima enviamos-lhe uma saudação cheia de afeto e de gratidão pelo seu testemunho e pelo anúncio da misericórdia como coração do seu pontificado e da missão da Igreja.

O perdão, carícia da misericórdia

A página do Evangelho de S. João põe à nossa contemplação o rosto concreto  misericórdia divina no encontro da mulher adúltera com Cristo. É uma  cena dramática, mas ao mesmo tempo  de incomparável beleza e de comovente ternura que nos toca e não deixa impassíveis.

Trouxeram a Jesus uma mulher adúltera não para ser salva, mas para a condenar segundo a lei. Ela está só, sem defesa, exposta e humilhada diante de todos com o seu pecado, rodeada pelos acusadores. Não há lugar para a sua história, os seus sofrimentos, os seus dramas nem para as suas lágrimas. Os acusadores têm nas palavras e nas mãos as pedras que matam. A mulher não só perdeu publicamente a honra, mas está prestes a perder a vida. Podemos supor que, no seu coração, palpitam uma ansiedade e um anseio: onde posso encontrar quem me escute com as minhas feridas profundas? Onde encontrar quem me diga uma palavra de verdadeira libertação?

Jesus, por sua vez, inclina-se por terra diante da mulher e dos acusadores  como quem se inclina sobre a fragilidade humana, simbolizada no pó da terra em que Jesus escreve, e a assume sobre si. Assim cria um tempo de silêncio embaraçante como quem convida todos a entrar em si e a interrogar a sua própria consciência. E de seguida explicita essa interrogação: “Quem de vós estiver sem pecado atire a primeira pedra”: palavra incisiva, daquelas palavras que nos abalam, fazem entrar no mais profundo de nós mesmos e nos desassossegam. Palavra dirigida a cada um de nós quando estamos para julgar o irmão ou irmã que pecou.

Por fim, Jesus pronuncia a palavra da misericórdia e do perdão: “Mulher, ninguém te condenou? Nem eu te condeno. Vai e não voltes a pecar”. Eis uma dúzia de palavras que bastam para mudar uma vida! Sim, Deus diz: “Não quero a morte do pecador, mas que ele se converta e viva”(Ez 33, 11). O perdão é uma carícia da sua misericórdia!

Estamos perante a grandeza e a beleza inenarráveis e indizíveis da ternura e da misericórdia do Senhor. De facto, Jesus restituiu à adúltera a beleza perdida da sua vida: salvou-a como mulher, na sua dignidade de pessoa, na sua humanidade, na sua feminilidade, na verdade do seu amor esponsal, na verdade sua relação a Deus e  aos outros.

Deus maior que o nosso coração

No centro da narração não está o pecado ou o pecador a perdoar ou condenar. Está Deus “maior que o nosso coração”, a sua misericórdia que supera todas as nossas expectativas e medidas: que perdoa, cura as feridas, resgata, enche de graça e ternura, cumula de dons, rejuvenesce, defende com justiça os oprimidos, arranca ao poder do pecado e da morte, abre caminhos de uma vida nova e de um futuro novo.

Deus nunca nos fecha o seu coração. Como Pai espera sempre por nós, nunca desiste de cada um de nós. Não reduz o pecador ao seu pecado; perdoa sempre, perdoa tudo, sabe identificar o que há de bom no fundo de cada pessoa e dizer-lhe: tu vales mais, infinitamente mais do que o teu pecado, tem confiança! Não há qualquer limite à misericórdia  divina; ninguém é excluído dela. Basta só abrir o nosso coração! Oh como é bom e belo o nosso Deus! Ele cuida de nós e das nossas feridas. E chama-nos a ser misericordiosos como Ele. Confiamos nele e confiamo-nos a Ele? Abrimo-nos ao seu perdão no sacramento da reconciliação?

A Igreja não está no mundo para condenar

A esta luz compreendemos também a missão da Igreja e dos cristãos: “A Igreja não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro  com aquele amor entranhado que é a misericórdia de Deus”, diz o Papa Francisco.

Se as pessoas se sentem condenadas à partida, nós não estamos a transmitir a mensagem evangélica. “É inútil abrir todas as portas santas de todas as basílicas do mundo se a porta do nosso coração está fechada ao amor, se as nossas mãos estão fechadas para dar, se as nossas casas estão fechadas para oferecer hospitalidade, se as nossas igrejas estão fechadas para acolher”.

A misericórdia abre o nosso coração às necessidades e à miséria dos outros, aos problemas escondidos,  à pobreza material e a todo o sofrimento: de uma criança que sofre, de uma família em dificuldade, de um sem abrigo, de um jovem que não encontra sentido para a vida, de um idoso na solidão, esquecido e sem reconhecimento, de um refugiado sem apoio solidário.

Quando a comunidade cristã acolhe as pessoas com delicadeza, as escuta com atenção, as ama como são, quando cura, reconcilia, anima e encoraja a viver a vida boa do evangelho, torna-se no que ela tem de mais luminoso: uma comunhão de amor, de compaixão, de consolação e perdão, o reflexo da misericórdia divina, um oásis de misericórdia no deserto da cultura da indiferença e da aridez dos corações. Queremos levar o evangelho da misericórdia à família e ao mundo do sofrimento e da pobreza? Queremos formar comunidades de misericórdia?

Para um mundo sem a pena de morte

O que falta no mundo de hoje é a experiência concreta da misericórdia. Nós temos necessidade das obras de misericórdia na própria vida social. Tendo presente o evangelho deste domingo sobre a mulher adúltera condenada à morte pelos acusadores e salva por Jesus, quero aqui fazer eco do apelo do Papa Francisco relativo à abolição da pena de morte e às condições dos presos, no passado dia 21 de fevereiro: “O Jubileu extraordinário da Misericórdia é uma ocasião propícia para promover no mundo formas cada vez mais maduras de respeito da vida e da dignidade de cada pessoa. Também o criminoso mantém o direito inviolável à vida, dom de Deus. Faço apelo à consciência dos governantes, para que se alcance um consenso internacional para a abolição da pena de morte. Todos os cristãos e homens de boa vontade estão chamados hoje não só a comprometer-se pela abolição da pena de morte, mas também a melhorar as condições carcerárias, no respeito pela dignidade humana das pessoas privadas da liberdade”. Eis uma bela atualização da obra de misericórdia “visitar os presos”!

“No céu temos o coração de uma mãe. A Virgem, nossa mãe, que aos pés da cruz experimentou todo o sofrimento possível a uma criatura humana, compreende os nossos dramas e consola-nos” (S. Leopoldo Mandia). Que Nossa Senhora, Mãe de Ternura e de Misericórdia, Refúgio dos pecadores, nos acolha e proteja sob o seu manto maternal e nos ajude a fazer da nossa vida um lugar de acolhimento e um canto à misericórdia divina que faz maravilhas como diz o refrão do salmo: “O Senhor fez maravilhas em favor do seu povo”!

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