A beleza e a alegria de viver em família

Carta Pastoral de D. António Marto para o biénio 2013-2014—2014-2015 

 

 

 

Biénio 2013-2015 sobre a Família

Família, comunidade de fé, de amor e de vida

Refª:BD2013B-006

 

 

A beleza e a alegria

de viver em família

 

 

Caros diocesanos, irmãos e irmãs no Senhor,

Como irmão e bispo, dirijo a cada um de vós a minha cordial saudação, como o apóstolo Paulo: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2 Cor 13, 13).

Com este voto tão simples e profundo, quase uma oração que é fonte de consolação e coragem, queremos retomar o nosso caminho espiritual e pastoral que nos vai ocupar no próximo biénio. Por isso vos dirijo esta carta pastoral sobre “a beleza e a alegria de viver em família”.

 

1. A Graça da Visita Pastoral: o encontro com uma Igreja viva

No mês de março do ano corrente concluí a Visita Pastoral às paróquias da Diocese, iniciada em janeiro de 2008. Foi, sem dúvida, a tarefa a que mais me dediquei desde que assumi a responsabilidade de servir a Igreja de Leiria-Fátima como seu bispo. Se foi grande o empenho que me exigiu, maior foi a alegria que me deu.

Considerei a Visita Pastoral como uma peregrinação do pastor que, tal como o peregrino, sai de sua casa por devoção, isto é, por amor e com o amor no coração, para visitar os “santuários vivos” que são as comunidades cristãs e viver aí uma profunda experiência de fé e de comunhão fraterna. Todos puderam sentir, de perto e ao vivo, o afeto do pastor para com os de dentro e os de fora, sem discriminação de pessoas.

A Visita Pastoral foi, efetivamente, um acontecimento de graça, algo tão desejado como o ar puro e fresco que se respira.

Foi consolador, e é um dos aspetos mais significativos desta visita, ter encontrado nas diversas comunidades muitos homens e mulheres de uma grande fé, de incansável dedicação à Igreja e à vida da comunidade, de generoso serviço aos necessitados. São essas pessoas que, com a sua entrega, dinamizam a vida das comunidades nos diversos âmbitos. A sua formação merece um cuidado especial. É esta realidade que nos permite dizer que a Igreja está viva na diocese de Leiria-Fátima. Com toda a sinceridade, confesso que me sentia pequeno perante a fé e a dedicação destas pessoas e, por vezes, me comovia até às lágrimas.

Saliento também quão gratificante foi encontrar-me com os irmãos sacerdotes no exercício do ministério na sua própria comunidade. Constatei como são dedicados à missão e próximos do seu povo e como dão um testemunho admirável de padres felizes que manifestam a alegria do seu sacerdócio.

Durante a Visita Pastoral, tive oportunidade de participar em encontros com casais, de entrar na casa de famílias com doentes e idosos acamados ou impossibilitados de sair, mas cuidados com grande amor pelos seus familiares. Estes encontros, a par do contacto com doentes e idosos na celebração comunitária do sacramento da Santa Unção, permitiram-me partilhar as suas esperanças e as suas dores. Foram experiências comoventes que me fizeram sentir mais de perto o dom extraordinário que é a família e o amor que alimenta a sua comunhão.

Pude ainda aperceber-me das situações difíceis em que algumas famílias se encontram e do seu sofrimento. Constatei como a graça de Deus e o apoio da fé são a força divina que a todas sustém e que faz destas famílias testemunhas credíveis da força do Evangelho.

Foram igualmente positivos os encontros com coletividades, autarquias, empresários e profissionais, como sinal da presença da Igreja no mundo numa atitude de diálogo, de simpatia, de serviço e de solidariedade. Houve uma boa e gentil correspondência e pude conhecer o grande espírito empreendedor e solidário que distingue esta região.

Não posso deixar de referir alguns problemas e desafios que são transversais a todas as comunidades da diocese e à Igreja na Europa: a fé vivida por uma questão de tradição, o afastamento de adolescentes e jovens após o Crisma, a falta de vocações sacerdotais, o facto de bastantes comunidades estarem fechadas sobre si mesmas, o que limita a dimensão missionária.

Longe de serem fonte de desânimo, estes problemas são “sinais dos tempos” que devemos ler à luz da fé com uma nova solicitude pastoral, para que o Evangelho, com a graça do Espírito Santo, dê frutos nos corações dos homens e das mulheres da nossa diocese. Vamos, pois, em frente com confiança no Senhor!

 

2. Um novo percurso pastoral diocesano

O fim da Visita Pastoral coincidiu com a conclusão do projeto pastoral saído do Sínodo Diocesano (2005-2012). O Ano da Fé (2012-2013) proclamado pelo Papa Bento XVI foi ocasião providencial para consolidar e avaliar o trajeto percorrido e projetar o futuro percurso pastoral.

A avaliação apresentada nos encontros vicariais e nos conselhos diocesanos foi, regra geral, positiva. O ano que mais entusiasmou e mais dinamismo suscitou pareceu-me ter sido o dedicado à caridade. Aquele em que se notou mais dificuldade em assumir as iniciativas talvez tenha sido o do testemunho cristão no mundo. É a grande dificuldade da Igreja em sair de si mesma e ir às periferias, entrando em diálogo com o vasto mundo, abrindo portas e construindo pontes.

Em ordem a projetar o futuro, procedemos a uma ampla consulta, tendo também presente o resultado da que foi feita em todas as dioceses sobre a renovação da Igreja em Portugal. Concluímos que, depois de nos termos debruçado sobre os temas fundamentais da renovação da existência e da comunidade cristãs, era oportuno agora voltarmo-nos para temas concretos a pedir uma atenção mais urgente, tais como a família e a juventude. Não podíamos deixar de ter em conta acontecimentos particulares da nossa diocese, como são o centenário das Aparições de Nossa Senhora em 2017 e o centenário da restauração da Diocese em 2018.

Assim, delineámos o novo percurso pastoral para o espaço temporal de 2013 a 2020, dedicando, em princípio, um biénio a cada tema: 2013–2015, a família e a pastoral familiar; 2015–2017, a devoção a Maria, ícone do Mistério da Graça e da fé, associando-nos à celebração do centenário das Aparições; 2018, Ano Jubilar do centenário da restauração da Diocese; 2018 -2020, a juventude e a pastoral juvenil.

 

3. O biénio da pastoral familiar

Começamos por centrar a atenção na realidade da família que nasce da união conjugal de amor entre o homem e a mulher no sacramento do Matrimónio.

 Assim, o percurso pastoral deste biénio orienta-se em duas direções complementares e sucessivas. A primeira tem como título Amor conjugal, dom e vocação e realça a beleza e a riqueza da família que vive o Matrimónio cristão com amor sincero e profundo, fiel e coerente, como dom de Deus. A segunda tem como título Família, dom e missão e centra-se na missão das famílias como protagonistas e responsáveis na Igreja e na sociedade.

Numa carta pastoral é impossível tratar, detalhadamente, todos os aspetos do tema. Faz-se apenas uma apresentação global. Confio a todos os diocesanos estas reflexões como contributo para o trabalho pastoral e peço ao Senhor que lhes dê coragem e entusiasmo para levarem para a frente as propostas, em ordem a anunciarem a boa nova sobre o Matrimónio e a família.

 

4. A família num novo contexto cultural

O Matrimónio e a família contam-se entre os bens mais valiosos da humanidade. São a célula fundamental da comunidade humana. “O bem estar da pessoa e da sociedade humana e cristã está intimamente ligado à prosperidade da comunidade conjugal e familiar” (GS 47). Nesta linha, o Papa João Paulo II falava da família como “património da humanidade”.

Os bispos portugueses, em carta pastoral sobre “A força da família em tempos de crise”, acentuam: “Podemos caracterizá-la como a fonte básica do capital humano, social e espiritual de uma sociedade, a que assegura o seu futuro e o seu crescimento harmonioso. A saúde e coesão de uma sociedade dependem, por isso, da saúde e coesão da família” (CEP, A força da família, 1).

Ver passear, nas nossas cidades ou aldeias, pais e mães com os seus filhos pequenos é algo encantador que enche de ternura, comove e nos abre o sorriso. São um sinal de alegria e de felicidade, promissor de esperança para o mundo.

“A crise económica e social que o nosso país atravessa vem evidenciando, precisamente, a riqueza que representa a família” (CEP, A força da família, 3), como “o primeiro e mais seguro apoio de quem se vê a braços” com as dificuldades. Num recente inquérito sobre os valores, a nível europeu, os jovens colocam, significativamente, a família em primeiro lugar.

Acontece, porém, que as profundas transformações sociais e culturais do nosso tempo têm repercussões no modo de entender e viver a vida matrimonial e familiar. “Por um lado, está-se mais consciente da liberdade pessoal, presta-se mais atenção à qualidade das relações interpessoais no Matrimónio, à promoção da dignidade da mulher, à paternidade responsável, à educação dos filhos… Mas, por outro lado, há sinais de uma atrofia preocupante dos valores fundamentais” (FC 6).

Hoje vivemos numa sociedade e numa cultura marcadas por um tempo fragmentado, onde reina o curto prazo e onde os problemas têm de ser resolvidos rapidamente. A personagem de um filme de Jean-Luc Godard afirmava: “Hoje vive-se a vida em fragmentos”. Privilegia-se o momento presente, a cultura do provisório, do efémero e do descartável, que leva à dificuldade em assumir compromissos duradoiros e definitivos.

Assim, tem-se difundido uma determinada mentalidade que desacredita o próprio casamento, religioso ou civil, como se fosse antiquado e, portanto, fora de moda. O casamento já nem sequer entra no projeto de vida de bastantes jovens; parece ter um concorrente nas “uniões de facto”.

Tem-se imposto também um modo de pensar que reduz o amor e a própria vida familiar ao mundo de afetos, sentimentos, emoções espontâneas, acentuando-se a dificuldade de compreender a dimensão social do Matrimónio e da família. Isto reflete-se no receio de ser pai e mãe, agravado pelas dificuldades socioeconómicas, e na quebra da natalidade e da renovação das gerações.

Também a banalização do divórcio e do aborto – uma chaga social – está na origem de muitos dramas familiares.

São questões graves que atingem o coração da identidade do Matrimónio e da família. Não admira que alguns, envolvidos por este ambiente, se interroguem: Vale a pena, tem sentido casar e constituir família? Porquê casar na Igreja? O que tem de específico o sacramento do Matrimónio?

Não podemos deixar de referir, ainda, as novas tecnologias e a cultura digitais que entraram na vida familiar, imprimindo um novo estilo na relação entre as pessoas e entre as gerações. Por vezes, pais e filhos vivem na mesma casa, mas em universos culturais diferentes e distantes.

A realidade que traçamos pode parecer, por vezes, dura e sombria. Mas nem por isso o ideal pensado e criado por Deus deve resultar diminuído ou silenciado: “Quando os profetas calam e a visão (o ideal) desaparece, o povo cai num grande torpor” (Is 29, 9ss). Este torpor, este véu sobre os olhos seria mais grave do que todas as fraquezas morais. Não há, de facto, maior fraqueza do que esquecer o ideal, o projeto que Deus tinha bem presente quando criou o homem e a mulher.

Eis-nos, pois, perante um dos maiores desafios para os cristãos e para a Igreja do nosso tempo: (re)descobrir e testemunhar a beleza, a grandeza, a riqueza e a dignidade do Matrimónio e da família como dom de Deus e missão ao serviço da felicidade da pessoa, da sociedade, da Igreja e do mundo.

 

5. O desígnio de Deus: a vocação ao amor

Vamos, pois, reler e meditar as páginas da Bíblia que nos apresentam o mistério da criação e o projeto que o Criador acariciou como seu ideal e que propôs à liberdade humana. Precisamos de olhar para a realidade profundamente humana do Matrimónio com o olhar de Deus, para que Ele nos ajude a vê-lo mais em profundidade e a descobrir a sua beleza, a sua grandeza e a sua dignidade originárias. Como bem lembra Virgílio Ferreira: “Posso olhar o mar e não reparar nele porque já o vi. Nunca reparaste que há certas coisas que já vimos muitas vezes e que, de vez em quando, é como se fosse a primeira?”.

 

“Não é bom que o homem esteja só”

O capítulo 2 do livro do Génesis, em linguagem simbólica, oferece-nos alguns traços da identidade do ser humano como criatura de Deus.

“Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma aliada (ajuda) que lhe corresponda”, exclama o Criador. Não é suficiente ao homem ter a seu lado os animais, por mais simpática que seja a sua presença. Ele precisa de uma ajuda viva e pessoal, uma companhia que lhe corresponda, uma aliada na qual possa fixar os olhos, com quem possa estar em relação face a face, de reciprocidade.

Eis que, perante o dom da mulher que Deus lhe apresenta, como tirada do seu lado, o homem entoa um canto de amor: “Finalmente, esta é osso dos meus ossos, carne da minha carne”. É um canto de alegria perante o “tu” humano, perante a humanidade e a feminilidade da mulher. Agora, o homem descobre-se, na sua identidade, como ser de relação, de diálogo, de encontro, de comunhão, de amor.

Não é bom que o homem esteja só…”: estas palavras pronunciadas por Deus no início da história humana estão escritas no próprio coração da vida de cada homem e de cada mulher e definem a sua vocação mais profunda: a vocação ao amor, à comunhão, à solidariedade, ao apoio recíproco. Obviamente, trata-se de uma dimensão ampla, que abraça numerosas formas de comunhão.

 

“Os dois serão uma só carne”

De seguida, o texto mostra como a comunhão de pessoas e de amor se realiza, de uma maneira singular e específica, na íntima união conjugal: “Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe, unir-se-á à sua mulher e serão os dois uma só carne”. Aqui, trata-se de uma comunhão íntima e total, na dimensão corpórea e espiritual (em que já vem incluído o filho), e que dá origem a uma nova comunidade de vida e de amor, de doação e entrega recíprocas: o Matrimónio entre um homem e uma mulher, origem de uma nova família.

Não é necessário explicar como o autor sagrado quis recordar-nos que estas duas pessoas que constituem o casal são iguais na sua dignidade radical, mas diferentes na sua identidade individual. Homem e mulher são ambos pessoas humanas, embora na diversidade dos seus géneros. A diferença sexual mostra-nos que nem o masculino nem o feminino representam todo o humano. É na complementaridade dos sexos que Deus mostra a beleza da condição humana.

 

“À imagem de Deus, homem e mulher os criou… E viu que era muito bom e belo”

Para aprofundar mais este tema, consideremos também o texto do capítulo 1 do livro do Génesis, que nos oferece uma perspetiva complementar. Aí, faz-se a apresentação do homem e da mulher enquanto criados à imagem e semelhança de Deus: “Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus Ele o criou; e criou-os homem e mulher” (1, 27).

O ser humano é criado à imagem de Deus nestas duas formas de existência masculina e feminina: não só a título individual de cada um, mas também enquanto comunhão de amor do homem e da mulher, sobre os quais desce a bênção da fecundidade: “Deus abençoou-os e disse-lhes: «sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a»” (1, 28).

O casal humano aparece como coroamento da obra criadora. E no final fica gravada a marca de fabrico divino: “E Deus viu que tudo era muito bom e belo” (1, 31). É uma marca de excelência com o superlativo de qualidade!

A esta luz, podemos então dizer que o Matrimónio e a família aparecem aqui como imagem, isto é, participação e irradiação da bondade e da beleza do amor de Deus e do Deus-Amor no mundo.

A fecundidade é imagem viva e eficaz, sinal visível do ato criador divino. O casal é chamado a ser concriador com Deus: antes de mais, na transmissão da vida, mas também enquanto criadores de amor, de cultura, de progresso e de promoção humana. A fecundidade não é só biológica. Os casais biologicamente estéreis podem ser muito fecundos, humana e espiritualmente.

 

A vocação ao amor

O Matrimónio contém, pois, uma vocação. Quando se fala de vocação, quer dizer que não é um facto meramente humano, sociológico, casual. É importante compreender que a vocação é um chamamento que contém um dom, um projeto e uma missão para o homem. Dom, porque é Deus que põe no coração o desejo forte de amar e de ser amado; projeto – e não simples experiência casual –, em ordem a constituir a comunhão de amor e a unidade estável do casal e da família que deve ser construída dia após dia. Missão do casal é “serem os dois uma só carne”, “terem um só coração, uma só alma, tudo em comum”, é serem fecundos e formarem comunidade à imagem e semelhança de Deus.

Não são motivos de conveniência material, ou o desejo de organizar a vida, nem tão pouco a mera necessidade sexual, que justificam o casamento. A pessoa casa-se porque ama, porque se sente profundamente atraída por outra pessoa e nela encontra a mesma correspondência e sua complementaridade. O autenticamente apaixonado ama o outro para além de tudo, ama o ser da pessoa amada.

No chamamento ao Matrimónio, Deus chama através do encontro com a outra pessoa e a atração que a pessoa amada exerce é a mediação da atração que o próprio Deus suscita no homem e na mulher. Por outro lado, o chamamento não se confunde com um instante. É um processo, com um desenvolvimento e um diálogo que implicam discernimento e opção livre por valores particulares.

Assim, a vocação para o amor designa-se na nossa sociedade como “namoro”, o caminho e o processo em que o amor vai amadurecendo, num progressivo conhecimento um do outro, em verdade e lealdade. Nem tudo o que parece namoro o é realmente. Há miragens, pensamentos egoístas e apressados que requerem um discernimento sério, com o fim de chegar à verdade vocacional, capaz de servir de base a uma vida estável em comum.

Nos adolescentes e nos jovens, até em adultos, estabelece-se a confusão entre o desejo e o amor. Assim, o desejo do prazer sexual e da descoberta de novas sensações físicas, o desejo da expressão da sensualidade nascente é identificado e confundido com o amor por muitos adolescentes e jovens. Muitas vezes, assumem o direito ao prazer, vivido de qualquer forma, sem quaisquer limites, sem respeito por si próprios e pelo outro, numa profunda deturpação, não só do amor, mas também da dignidade humana.

Esta visão sobre a vocação humana ao amor deverá estar presente nos ambientes e nos esforços educativos da família, da escola, da catequese, dos grupos de jovens, das comunidades cristãs e dos movimentos apostólicos. É preciso oferecer às crianças, aos adolescentes, aos jovens e mesmo aos adultos, com a pedagogia do próprio amor, o conhecimento deste extraordinário dom divino e ajudá-los a descobri-lo e a acolhê-lo pessoalmente com alegria e confiança.

 

6. O amor de Cristo: o sacramento do Matrimónio

 

O milagre do amor nas bodas de Caná

O ícone evangélico das bodas de Caná (Jo 2, 1-1) contém uma mensagem rica de simbolismo e ajuda-nos a descobrir alguns “pontos luminosos” que põem em relevo os traços do Matrimónio cristão e da família que dele deriva.

 

Jesus presente no casamento

Antes de mais, no centro da cena está Jesus. Ele, o convidado das núpcias de Caná, é também o convidado de todo o casamento cristão, quer estar presente no seu início.

Vem ao encontro dos esposos. Este encontro pessoal entre Cristo e os esposos é, precisamente, a verdade escondida e preciosa do sacramento: não é um simples rito, uma bela cerimónia, uma bênção qualquer, mas sim um encontro vivo de pessoas. O sacramento tem um nome e um rosto: o nome e o rosto de Jesus, Esposo da sua Igreja. Ele torna-se presente na festa do casamento, multiplica a alegria, revela um amor maior. Que amor? O seu, o dos esposos, ou ambos simultaneamente?

 

O milagre do amor

Jesus realizou o milagre da transformação da água em vinho na festa das bodas. O sinal da aliança matrimonial fora usado já pelos profetas para exprimir a aliança de Deus com o povo. Jesus, com o milagre do vinho novo na festa dos esposos, quis revelar que Ele é o Esposo da Nova Aliança de Deus com a humanidade. Ao mesmo tempo, Jesus insere o Matrimónio dentro da Nova Aliança selada pelo seu amor na hora da cruz. O amor dos dois esposos, no dia das núpcias, entra no mistério do amor de Jesus.

O vinho novo, de qualidade e abundante, é expressão do amor novo que leva e eleva à perfeição o amor humano dos esposos. O milagre da água transformada em vinho acontece, ainda hoje, de modo surpreendente: pela graça do Espírito Santo, Espírito de amor comunicado pelo sacramento, os esposos cristãos podem amar de modo novo, com toda a humanidade e beleza do seu amor, assumidas e transfiguradas pelo amor de Cristo.

 

“Casar no Senhor” (1 Cor 7, 39): o sacramento do Matrimónio

Nesta perspetiva compreendemos que S. Paulo, quando fala do casamento dos cristãos, o carateriza como “casar no Senhor”. Quando dois cristãos, homem e mulher, querem casar, fazem-no na comunhão com Cristo: querem viver a sua vida de casados a partir da sua comunhão com Cristo, da fé n’Ele e da pertença a Ele. Ficam unidos a Cristo e em Cristo, não só a título individual, mas a título de casados, como casal.

A Carta aos Efésios (5, 21-33) aprofunda este aspeto, ao propor o amor apaixonado de Cristo pela sua Igreja como fonte e modelo do amor conjugal: “Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela para a santificar… Por isso, o homem deixará o pai e a mãe, unir-se-á à sua mulher e serão os dois uma só carne. Grande é este mistério; digo-o em relação a Cristo e à Igreja”.

“É grande este mistério ou sacramento” significa que no amor de doação recíproca entre o homem e a mulher está presente e comunicado, de algum modo, o amor de Cristo pelo seu povo, pela humanidade: nos atos humanos, por vezes pobres, outras vezes heroicos (escuta, ternura, doação, sexualidade, sacrifício…), está presente o amor de Deus. Através destas pessoas e destes atos, Deus manifesta e comunica o seu amor no meio de nós.

O elemento mais profundo no Matrimónio cristão é a consciência do casal ser sacramento ou sinal, imagem viva e instrumento da ternura e do amor de Cristo pela humanidade, precisamente, através do amor de um pelo outro, pelos filhos e do testemunho de amor aos outros e de serviço à sociedade. É Jesus Cristo que consagra e santifica o amor dos esposos para realizarem isto.

Sim, é verdadeiramente grande, nobre e belo este sacramento! Mostra que o Matrimónio não é simples obra humana; é obra de Deus que criou o homem e a mulher e os deu um ao outro no respeito da sua liberdade. Quando Cristo elevou o Matrimónio à dignidade de sacramento, conferiu-lhe todas as qualidades do seu próprio amor entregue por todos, amor que é dom e serviço, força e perdão, amor terno, fiel e duradoiro. Deu aos esposos cristãos a presença do seu Espírito Santo, que liberta o coração humano de todo o traço de egoísmo e de pecado, o purifica e fortifica.

“A graça própria do sacramento do Matrimónio destina-se a aperfeiçoar o amor dos cônjuges e a fortalecer a sua unidade indissolúvel. Por meio desta graça, eles auxiliam-se mutuamente para chegarem à santidade pela vida conjugal e pela procriação e educação dos filhos” (CIC n. 1641).

Ah!, se os esposos cristãos se recordassem um pouco mais de tudo isto nos dias de fraqueza e de tentação!

A descoberta desta visão de fé sobre o Matrimónio por parte dos namorados e dos noivos é fundamental para que escolham livre e conscientemente a sua celebração sacramental. Para isso, devem contribuir as iniciativas das comunidades cristãs, da pastoral familiar, dos movimentos de casais existentes na Diocese e de quantos o possam fazer também. Apelo aos casais e aos sacerdotes empenhados nos Centros de Preparação para o Matrimónio que cuidem, se possível ainda melhor, do itinerário de preparação e dos testemunhos que oferecem aos noivos, para que estes se sintam atraídos pelo amor de Cristo e desejem celebrar na Igreja o dom que através dela Ele lhes concede. Em cada comunidade, cuide-se da dignidade da celebração de cada Matrimónio, envolvendo um oportuno serviço ou equipa paroquial, para que essa tarefa não fique relegada somente à responsabilidade dos sacerdotes e à iniciativa dos noivos ou dos seus amigos.

 

7. Matrimónio e família na Igreja e na sociedade

“Do Matrimónio procede a família, na qual nascem os novos cidadãos da sociedade humana” (LG 11). A família é o fruto e o testemunho precioso da beleza e da fecundidade do amor conjugal. “A comunhão conjugal constitui o fundamento sobre o qual se continua a edificar a mais ampla comunhão da família: dos pais e dos filhos, dos irmãos e das irmãs entre si, dos parentes e de outros familiares” (FC 21). Ser família é mais do que ser casal.

O Concílio Vaticano II fala da família em termos de “santuário intocável” onde a pessoa amadurece nos afetos, no amor, na liberdade, na solidariedade, na espiritualidade. O Papa João Paulo II, na Exortação Apostólica sobre a família cristã, indicou à instituição familiar quatro tarefas que evocarei muito brevemente: a formação de uma comunidade de pessoas, o serviço à vida, a participação social e a participação eclesial. Na base de todas estas funções está o amor; é para este amor que a família educa e forma. Neste sentido, João Paulo II sintetiza: “A missão da família é guardar, revelar e transmitir o amor”. Eis porque a família é, na verdade, o berço da vida, do amor e da fé.

 

Família, comunidade de amor constituída por todos

A família é a comunidade onde cada ser humano, em primeiro lugar, descobre e realiza a sua natureza relacional; o lugar privilegiado onde aprende a receber e a dar amor. É sobretudo no ambiente familiar que o amor pode ser vivido de forma estável, gratuita e generosa. “Sem o amor, a família não pode viver, crescer e aperfeiçoar-se como comunidade de pessoas. O amor entre os membros da mesma família – entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs, entre parentes e familiares – é animado por um dinamismo interior e incessante que conduz a família a uma comunhão sempre mais profunda e intensa, fundamento e alma da comunidade conjugal e familiar” (FC 18).

Esta comunhão requer o contributo de todos os membros, de cada um segundo o dom que lhe é peculiar e na sua função específica. Para isso, há que apostar sobretudo na qualidade da presença, da relação, do diálogo, da participação, da cooperação e do serviço recíprocos. A união familiar não se faz na fotografia!…

 

Serviço à vida e missão educativa dos pais

A fecundidade do amor conjugal tem uma expressão privilegiada na procriação generosa e responsável. Na transmissão da vida, os pais são colaboradores no amor criador de Deus. Os filhos são um dom de Deus para os pais e um dom dos pais para a sociedade.

Também na geração dos filhos, o Matrimónio reflete o modelo divino, o amor de Deus pelo ser humano. A transmissão da vida humana não se reduz ao aspeto biológico. “A vida só é dada inteiramente quando com o nascimento são dados também o amor e o sentido que tornam possível dizer sim a esta vida” (Bento XVI).

A paternidade requer, por conseguinte, o cuidado amoroso em acompanhar o crescimento físico e espiritual dos filhos, particularmente, a sua educação atenta e sábia para os valores humanos e cristãos. Com o acolhimento, o cuidado, o amor e o serviço recíprocos, a família torna-se o lugar primário do acolhimento e serviço à vida em todas as idades e fases, da humanização da pessoa e da sociedade, “escola de humanismo mais completo e rico” (GS 52), de modo a formar pessoas livres e responsáveis.

É necessário promover uma cultura da vida, face à banalização do aborto. Para isso muito contribuem os movimentos e associações de apoio à vida e às mães grávidas em dificuldade.

 

Família e transmissão da fé

A família cristã é chamada a tornar-se comunidade de fé, de graça e de oração, escola das virtudes humanas e cristãs, lugar do primeiro anúncio da fé aos filhos: a “Igreja doméstica”, Igreja em ponto pequeno, à dimensão do lar.

Transmitir a fé aos filhos, com a ajuda de outras pessoas e instituições, como a paróquia ou a escola, é uma responsabilidade que os pais não podem esquecer, descuidar ou delegar totalmente. “Os pais são para os filhos os primeiros responsáveis da educação e os primeiros iniciadores da fé. Têm o dever de amar e respeitar os filhos como pessoas e como filhos de Deus… Em particular, têm a missão de educá-los na fé cristã” (CIC 460).

A linguagem da fé aprende-se no lar doméstico, onde a fé cresce e se fortalece através do testemunho, da oração e da prática cristã. A experiência quotidiana diz-nos que educar na fé, hoje, não é empresa fácil. Toda a obra de educação se tornou cada vez mais árdua e precária. Mas os pais e os educadores não podem esquecer que são devedores aos filhos dos verdadeiros valores que dão fundamento e sentido à vida. Não podem ceder à tentação da desistência. É necessária uma aliança educativa entre a família e a catequese da comunidade, sendo de incentivar a experiência da catequese dos filhos na família.

 

Primeira escola de virtudes sociais

Por tudo o que já expusemos, compreendemos que “a família é a primeira e vital célula da sociedade onde os cidadãos encontram a primeira escola daquelas virtudes sociais que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade” (FC 42), a saber: respeito pela dignidade pessoal de cada um, acolhimento cordial, encontro e diálogo, disponibilidade desinteressada, serviço generoso, fraternidade e solidariedade profunda (cf FC 43). Eis o primeiro e insubstituível ambiente em que se constrói a justiça e a paz.

Assim, cada família é chamada a colocar, em cada dia, a sua própria pedra na construção de uma “civilização do amor”.

Em síntese, “a família é um grande tesouro para os esposos durante toda a sua vida e um bem insubstituível para os filhos que devem ser fruto do amor dos pais; um fundamento indispensável para a Igreja e para a sociedade e um bem necessário para os povos” (Bento XVI).

Ver pais e mães a passear com os filhos pequenos é algo de encantador, que enche de ternura, comove e abre o sorriso, como já disse. Sem estes núcleos familiares, seio de amor que gera novas vidas, escola de humanidade e de fé, que seria o nosso mundo? Seria um mundo triste, frio, inumano. Devemos então valorizar a cultura dos laços familiares: são uma face do amor, entendido não só como sentimento, mas como entrega pelo bem das pessoas amadas, mesmo com o próprio sacrifício. A sociedade, o Estado e a Igreja devem, por sua vez, dar todo o apoio necessário para o bem da família e da sua missão insubstituível.

 

Os avós na família

Desejo dirigir uma palavra aos avós, que têm uma presença e uma função tão importantes nas famílias, como lembra o Papa Bento XVI: “Os avós podem ser – e são muitas vezes – os garantes do afeto e da ternura que todo o ser humano tem necessidade de dar e receber. Eles oferecem aos pequenos a perspetiva do tempo, são memória e riqueza da família. Nunca, por qualquer razão, devem ser excluídos do âmbito familiar. São um tesouro que não podemos tirar às novas gerações, sobretudo quando dão testemunho de fé”. Tantas vezes, são eles os que fazem a primeira iniciação à fé aos seus netinhos.

As comunidades paroquiais, as novas comunidades e associações eclesiais, os movimentos apostólicos, as escolas católicas e outras instituições ofereçam aos casais e às famílias oportunas propostas formativas e outras iniciativas que os ajudem na sua vida e missão próprias. Merecerão especial ajuda as famílias em crise, as que passam por carências ou várias formas de pobreza e as que têm pessoas com deficiência, idosos ou outras situações difíceis. Por seu lado, os pais e as famílias associem-se e colaborem em iniciativas, quer para alcançarem uma boa educação para os seus filhos, quer para partilharem com outros o testemunho dos bens e valores cristãos que animam e enriquecem as suas vidas.

  

8. Vida conjugal e familiar, caminho de santidade

Depois de termos contemplado a grandeza e a beleza da vocação e da missão do Matrimónio e da família no desígnio de Deus, alguns poderão pensar: é belo demais para ser vivido por seres humanos tão frágeis. Ainda por cima, a sociedade em que vivemos não ajuda nada; bem pelo contrário. É preciso remar contra a corrente.

Devemos, porém, recordar que uma sociedade perfeita nunca existiu. No tempo de Jesus, as coisas não eram mais fáceis. A ideia de Matrimónio vivido na entrega recíproca total e definitiva, sem reservas, era algo de inaudito. Até os apóstolos reagiram desconcertados: “Se é assim, é melhor não casar” (Mt 19, 10)! Afinal, as dificuldades e o temor já vêm de longe.

De facto, olhando para a nossa fragilidade, tomamos consciência de que trazemos um tesouro em vasos de barro. Mas também vale para nós o que diz o salmista: “Se o Senhor não construir a casa, em vão se afadigam os que nela trabalham” (Sl 127, 1). Só a comunhão com o Senhor pode ajudar a construir e a guardar a casa do amor dos esposos e da família. A sua graça é mais forte do que a nossa fragilidade.

 

Caminho específico de santidade

O sacramento do Matrimónio não pode ser reduzido ao momento do rito celebrativo. A celebração é o momento culminante de um itinerário anterior e inaugura um caminho posterior. É fonte perene de graça para a vida conjugal e familiar ao longo de toda a duração. Esta graça é a energia interior que estimula e ajuda os esposos a amadurecer, dia após dia, a sua comunhão de amor (cf FC 19). Este amor está destinado a guiar, formar e animar as relações entre os pais e os filhos, entre os irmãos e irmãs em família.

Assim, verificamos que o Matrimónio é um caminho específico de santidade, enquanto toda a vida matrimonial e familiar procura ser vivida na comunhão com Cristo, na luz da sua palavra, no seu espírito de amor e no testemunho cristão. A santidade dá beleza e qualidade à vida quotidiana da família.

Naturalmente, os esposos cristãos vivem uma experiência humana e cristã diferente da vida dos não casados, ou daqueles que simplesmente coabitam. Eles fazem da sua vida uma oferenda santa e agradável a Deus. A doação mútua, as expressões de amor e ternura, a intimidade sexual partilhada, o perdão dado e recebido, a abnegação de cada dia com as suas alegrias e sofrimentos, com a sua grandeza e a sua pequenez, o amor aos filhos e a sua educação, toda essa vida é uma verdadeira oblação agradável a Deus e é caminho de santidade.

Em síntese, este caminho de santidade apoia-se na espiritualidade de comunhão fundada no sacramento do Matrimónio que distingue a vida familiar.

 

Conversão permanente

A conversão permanente é um caminho em que se procura construir, a todo o custo, essa comunhão de amor a que se é chamado como casal desde os primeiros anos do Matrimónio: com o entusiasmo e o gozo de se verem feitos um para o outro, mas também com a descoberta de dificuldades inesperadas ao verificar que, afinal, cada um tem limites e defeitos que o outro não imaginava. Assim, os esposos dão-se conta de que a comunhão não é uma coisa óbvia, mas requer um longo caminho de integração, de aceitação, de ascese, de aprendizagem, muita capacidade de perdão e muita paciência e perseverança.

Que duas pessoas vivam unidas muito tempo sem se cansarem uma da outra e reconhecendo sempre o dom de Deus, é um milagre, é um dom que Deus dá, uma graça. Caminhar em harmonia em família, não é algo espontâneo. A graça do Matrimónio é a que dá força para percorrer como casal o caminho comum, realizando as ações de cada dia, não com o espírito de capricho de quem faz o que bem lhe apetece, ou que só exige ser respeitado, mas com a sabedoria de quem percebe que tudo se deve fazer como casal, em diálogo e na reciprocidade .

O caminho dos esposos e das famílias é, por vezes, fatigante, difícil e até dececionante. Entre os muitos males que minam e diluem a alegria conjugal e familiar, o pior é o pecado do egoísmo e do individualismo. O outro – marido ou mulher, filho ou filha, irmão ou irmã – deixa de ser objeto de um amor que se dá e torna-se em objeto de egoísmo, um objeto que é usado ou dominado.

O egoísmo divide, opõe, separa e converte-se na causa da desagregação do casal e da família. Daí surge a dificuldade para a compreensão recíproca dentro das paredes da própria casa, gera-se a confusão, a incompreensão e a indiferença, nascem os conflitos e a violência.

Esta experiência dos esposos e da família cristã testemunha a necessidade de uma conversão permanente, de reconciliação e perdão, uma necessidade de maturação progressiva do amor em todos os seus valores. Quem ama deseja um amor maior, mais belo e gozoso!

 

A família em oração e a oração pela família

Conscientes da grandeza do dom e da missão, por um lado, e das resistências do egoísmo, por outro, os esposos sabem que é necessário alimentar a espiritualidade do amor e da comunhão entre eles e em família, para serem fiéis à sua vocação em cada dia. A oração presente na vida do casal e da família (por exemplo, no início e no fim do dia, antes das refeições, ou noutros momentos e modos) e a fidelidade à Eucaristia dominical são caminho para manter viva e fazer brilhar na sua vida a intensidade e a beleza do amor que os habita.

Também a própria Igreja se empenha em ajudar os esposos no seu caminho, invocando sobre eles a riqueza das bênçãos divinas: “Louvem-Te, Senhor, na alegria; busquem-Te no sofrimento; gozem da tua amizade na fadiga e do teu conforto na necessidade; rezem na assembleia santa, sejam testemunhas do teu Evangelho” (Ritual do Matrimónio). Um Matrimónio sem espiritualidade é como um corpo sem alma, ou como uma planta sem água e sem sol. O bom vinho não provém duma vinha ao abandono e o amor também se cultiva e trabalha.

Nesta linha, proponho que se faça uma Grande Oração pelas Famílias, à semelhança do que se realizou no ano vocacional.

Decálogo do amor conjugal e familiar

Para ajudar os casais e as famílias a viverem e irradiarem a beleza das cores maravilhosas e, por vezes, difíceis do amor conjugal e familiar, bem como a fazerem um exame de consciência, ofereço um decálogo da autoria do bispo italiano Bruno Forte:

  1. Respeita a pessoa do outro como mistério
  2. Esforça-te por compreender as razões do outro
  3. Toma sempre a iniciativa de perdoar e de dar
  4. Sê transparente com o outro e agradece-lhe a sua transparência para contigo
  5. Escuta sempre o outro, sem encontrares pretextos para fechar-te ou fugir dele
  6. Respeita os filhos como pessoas livres
  7. Dá aos teus filhos razões de vida e de esperança juntamente com a tua esposa ou o teu esposo
  8. Deixa-te pôr em questão pelas expectativas dos teus filhos e sê capaz de discutir com eles
  9. Pede a Deus, em cada dia, um amor maior
  10. Esforça-te por ser para o outro e para os filhos dom e testemunha de Deus.

O Senhor leve a bom termo a obra bela que em ti/em vós começou…

Para desenvolverem a espiritualidade conjugal e familiar, os casais e as famílias, além dos meios comuns que a Igreja lhes oferece, podem contar com a ajuda de movimentos ou associações eclesiais. São dons de Deus à sua Igreja para o crescimento espiritual e a santificação dos fiéis na sua vocação específica, tornando-os também mais capazes de testemunharem a fé, o amor e a esperança no mundo. Recomendo aos sacerdotes, em especial aos párocos e aos dirigentes apostólicos, que os deem a conhecer e fomentem a adesão livre àqueles em que encontrem ajuda para a caminhada espiritual e apostólica.

Para promover esta espiritualidade, é bom valorizar o Retiro Popular sobre este tema e a celebração dos dias litúrgicos de caráter familiar (Sagrada Família, Dia da mãe…), bem como a celebração dos jubileus dos 25 e 50 anos de Matrimónio a nível diocesano.

 

9. Ruturas na família: uma pastoral de diálogo e de misericórdia

A comunidade cristã deve fazer todos os esforços para ajudar os cônjuges em situações de fragilidade, de crise e de rutura. A Igreja é chamada a iluminar estas situações, dum ponto de vista pastoral, na fidelidade a dois princípios evangélicos: por um lado, salvaguardando a identidade do Matrimónio fiel, livre e indissolúvel que a Igreja não pode modificar; por outro, imitando a atitude da misericórdia de Jesus na atenção às situações concretas e diversificadas.

 

Esposos em estado de separação: a Igreja admite a separação física dos esposos, quando, por motivos graves, a sua coabitação se tornou praticamente impossível e prejudicial para eles e para os filhos, embora se deseje a reconciliação. A condição de separação não impede de participar nos sacramentos e na vida da Igreja, se a pessoa vive sem nova união. Não devemos, porém, esquecer que são situações que deixam feridas profundas e que a comunidade cristã deve acolher e ajudar estas pessoas.

 

Os divorciados que não voltaram a casar: ficando claro que o divórcio é um mero procedimento civil para regular questões legais e que a Igreja não pode separar o que Deus uniu, a condição de um divorciado que não voltou a casar é equiparável à de separado e não impede a vida sacramental e a participação na vida da Igreja.

 

Os divorciados que voltaram a casar civilmente: é uma situação diferente. Fiel ao ensinamento do Senhor, a Igreja não pode reconhecer como Matrimónio a união dos divorciados recasados civilmente. Todavia, a Igreja desenvolve uma atenção solícita para com eles. Testemunha que Deus está próximo de todos, também de quem tem o coração ferido e, através de várias formas de participação e de envolvimento, convida todos a sentirem-se em casa na Igreja, para além de todo o preconceito ou pretensão. É certo que os divorciados recasados não estão numa comunhão plena com Cristo e a Igreja. Mas não estão excomungados nem excluídos duma vida de fé e de caridade dentro da comunidade cristã.

Assim, em particular, “os divorciados recasados, não obstante a sua situação, continuam a pertencer à Igreja, que os segue com especial solicitude na esperança de que cultivem, quanto possível, um estilo de vida cristão, através 1) da participação na Santa Missa ainda que sem receber a Comunhão, 2) da escuta da palavra de Deus, 3) da adoração eucarística, 4) da oração, 5) da cooperação na vida comunitária, 6) do diálogo confidente com um sacerdote ou um mestre de vida espiritual, 7) da dedicação ao serviço da caridade, 8) das obras de penitência, 9) do empenho na educação dos filhos” (SC 29).

No VII Encontro Mundial das Famílias, em Milão, o Papa Bento XVI voltou a este tema nos seguintes termos: “Este problema dos divorciados recasados é um dos grandes sofrimentos da Igreja de hoje. E não temos receitas simples… Em relação a estas pessoas, devemos dizer que a Igreja as ama, mas elas devem ver e sentir este amor. Parece-me uma grande tarefa de uma paróquia, de uma comunidade católica, fazer realmente o possível para que elas sintam que são amadas, aceites, que não estão fora, mesmo se não podem receber a absolvição e a Eucaristia”.

A vida cristã tem o seu vértice na participação plena na Eucaristia, mas não se reduz a ela, nem nela se esgota. A riqueza da vida cristã está ao alcance, de vários modos, mesmo de quem não pode receber a Sagrada Comunhão.

 

Os que optam pela união de facto ou os que casam só civilmente: a lógica da fé requer que aqueles que são cristãos, se querem casar e constituir família, “casem no Senhor”. Também o amor necessita da graça e da força que vem do sacramento celebrado em comunidade. De contrário, significa pôr uma etapa importante e decisiva da sua vida fora da comunhão com Cristo e do seu projeto salvífico. Há aqui uma contradição com a vocação dos batizados a “casar no Senhor”.

Para os que não fazem esta escolha, a comunidade é chamada a procurar caminhos e modos de encontro, de acolhimento e diálogo, num clima de respeito e caridade, e a oferecer motivações positivas para que a sua situação possa evoluir em ordem à escolha do Matrimónio-sacramento.

No caso de pedirem o Batismo para os seus filhos, sejam esses pais acolhidos cordialmente e informados sobre a sua situação, proponha-se um caminho de crescimento na fé e de descoberta da graça do Matrimónio, aproveite-se esta oportunidade de encontro e diálogo sem fazer chantagem. Mas não se recuse ao filho a graça que vem do Senhor e da Igreja, desde que os pais, algum familiar ou os padrinhos garantam que a criança será educada na fé cristã.

 

Matrimónios nulos: A “declaração de nulidade” de um Matrimónio significa que ele não foi válido e, portanto, nunca existiu. Há diversos motivos pelos quais um Matrimónio pode ser nulo. Esses motivos devem ser examinados pelo tribunal eclesiástico, na base de provas pertinentes.

Assim, por exemplo, um Matrimónio é declarado nulo quando se prova que, no momento da celebração, um dos contraentes era incapaz de prestar o consentimento, ou de assumir as obrigações essenciais do Matrimónio; ou se um dos dois tinha excluído um elemento essencial do Matrimónio (a fidelidade ou a geração de filhos); ou então se um dos dois foi enganado pelo outro sobre uma qualidade que, pela sua natureza, pode perturbar gravemente a vida conjugal (por exemplo, omitindo que era drogado ou alcoólico); ou ainda se um foi obrigado a casar por medo grave externo. Uma vez declarada a nulidade, as pessoas ficam livres para contrair um Matrimónio válido.

 

Os sacerdotes e os casais prestem especial atenção aos casais e às famílias que passam por uma fase de crise e deem-lhes a ajuda oportuna, com a delicadeza que a situação requer. As comunidades cristãs acompanhem com solicitude, apoio e respeito as famílias monoparentais, concretamente os/as viúvos/as, para quem a perda do outro ser querido é “perder metade de si mesmo”. Atender e ajudar as pessoas nestes casos, nas suas necessidades materiais, afetivas e espirituais é um testemunho de caridade.

 

10. Pastoral familiar: opções e linhas de ação

Os desafios da sociedade atual, marcada por uma grande dispersão e confusão, requerem a garantia de que as famílias não fiquem sós, desamparadas. Uma família isolada do resto dos familiares e amigos e da comunidade cristã pode encontrar obstáculos difíceis de superar. “Por isso, a comunidade eclesial tem a responsabilidade de oferecer apoio, estímulo e alimento espiritual que fortaleça a coesão familiar, sobretudo nas provações e nos momentos de crise. Neste sentido, é muito importante o papel das paróquias, como também das diversas associações eclesiais, chamadas a colaborar como estruturas de apoio e mão próxima da Igreja para o crescimento da família na fé” (Bento XVI).

“O cuidado pastoral da família significa, em concreto, o empenho de todos os membros da comunidade eclesial local em ajudar o casal a descobrir e a viver a sua nova vocação e missão. Para que a família se transforme numa verdadeira comunidade de amor, é necessário que todos os seus membros sejam ajudados e formados para as responsabilidades próprias diante dos novos problemas que se apresentam, para o serviço recíproco, para a comparticipação ativa na vida da família” (FC 69).

É, portanto, tarefa da Pastoral Familiar acompanhar e apoiar as famílias em todas as fases da sua formação e do seu desenvolvimento, em todas as estações da vida, desde a preparação para o Matrimónio. A Pastoral Familiar é uma dimensão essencial da evangelização e é transversal aos outros setores.

Graças a Deus, na nossa diocese são muitas as pessoas, as associações e os movimentos que trabalham com generosidade na ajuda e promoção da família em vários âmbitos: o cuidado da espiritualidade matrimonial, a solidariedade entre as famílias, o apoio à educação dos filhos, a formação cristã dos noivos e a preparação para o Matrimónio, a atenção a tantos problemas e sofrimentos de famílias em dificuldade.

A nível diocesano, temos o Departamento da Pastoral Familiar como dinamizador e coordenador deste setor. Mas cada paróquia e vigararia deve promover esta pastoral, escolhendo e convidando pessoas para constituírem um grupo organizado que trabalhe em coordenação com o departamento diocesano.

Para desempenharem de modo competente o serviço de pastoral familiar, é necessária uma formação adequada para todos os que nele aceitam comprometer-se: sacerdotes, casais e outros colaboradores.

Além disso, para um trabalho mais eficaz, promova-se uma coordenação entre as paróquias, os movimentos, as associações e outras comunidades que se dedicam a esta causa. Tudo isto deve ser acompanhado por um trabalho de mais vasta informação e divulgação.

Apresento, em anexo, as opções e as linhas pastorais para o próximo biénio, elaboradas com o contributo dos vários órgãos diocesanos de corresponsabilidade. São facilmente compreensíveis, à luz desta carta pastoral. Para serem implementadas, é necessário o empenho de reflexão e de concretização, a nível paroquial, vicarial e diocesano (departamentos, movimentos…).

Perante todos os desafios e questões que o tema do Matrimónio e da família nos apresenta, não podemos responder a todos eles ao mesmo tempo. Temos de definir prioridades. Por isso, falo de opções pastorais, que são os objetivos prioritários que escolhemos. As linhas pastorais correspondem às iniciativas, dinamismos e ações para tornar concretos e operacionais esses objetivos.

 

11. Maria, mãe da família

Nas bodas de Caná estava presente Maria, mãe de Jesus. Convidando os serventes a fazerem o Ele lhes dissesse, Maria manifesta-se como a mãe solícita que conduz os discípulos à fé no Senhor e enche de alegria o coração dos esposos. Ela cuida dos esposos e inicia ali aquele precioso cuidado que Jesus lhe confiará junto à Cruz.

A presença de Maria em Caná simboliza a obra que ela realiza em cada Matrimónio, celebrado e vivido segundo o modelo da Aliança de amor de Cristo pelo seu povo, que, por sua vez, anima a vida da família.

No próximo ano pastoral, o Santuário de Fátima tem como lema um dos aspetos da mensagem de Nossa Senhora: “Envolvidos no amor de Deus pelo mundo”. A Nossa Senhora confiamos o êxito do biénio pastoral que agora começa, pedindo-lhe que ajude cada família a deixar envolver a sua vida quotidiana na riqueza do amor de Deus. A peregrinação diocesana a Fátima, no 5.º domingo da Quaresma, ajudar-nos-á nesse sentido.

 

Senhor, nosso Deus e nosso Pai, origem e fonte de toda a vida,

que criastes o homem e a mulher à vossa imagem

para que, no amor recíproco, fossem família por Vós abençoada;

Abençoai todas as famílias para que guardem, fielmente,

o vosso eterno desígnio de amor.

Nós Vos damos graças pela família que nos destes:

no amor com que, em cada dia, nos acolhemos, nos ajudamos e perdoamos

ofereceis-nos uma imagem do amor com que criais toda a vida

e com que cuidais de todo o ser humano.

Ó Maria, nossa Mãe e Senhora das bodas de Caná,

com o coração de filhos, nós vos confiamos todas as famílias,

em particular, aquelas sem paz, sem afeto, sem pão, sem trabalho e alegria.

Rogai por nós ao vosso filho Jesus.

Com a doçura e a coragem de mãe, ajudai-nos a fazer o que Ele nos disser,

para que nunca se extinga a graça e a festa do amor nas nossas famílias.

Ámen!

 

† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

8 de setembro de 2013, Festa da Natividade de Nossa Senhora

 

Siglas

CEP – Conferência Episcopal Portuguesa

CIC – Catecismo da Igreja Católica

GS – Constituição Pastoral “Gaudium Et Spes” (Vaticano II)

FC – Exortação Apostólica “Familiaris Consortio” (João Paulo II)

LG – Constituição Dogmática “Lumen Gentium” (Vaticano II)

SC – Exortação Apostólica “Sacramentum Caritatis” (Bento XVI)


 

Anexo

 

Família, comunidade de fé, de amor e de vida

Biénio 2013-2015 sobre a Família

 

Objetivo geral: Anunciar a boa nova do Matrimónio e da família.

 

1.º Ano Pastoral

Tema: Amor conjugal, dom e vocação

 

Objetivos específicos

1.     Anunciar o sentido cristão da afetividade, do amor e da família

2.     Apresentar o Matrimónio como dom e vocação

3.     Cuidar da preparação do sacramento do Matrimónio

4.     Incentivar a espiritualidade conjugal e familiar

 

Atividades

1.     Atividades para adolescentes e jovens sobre a vocação ao amor e ao Matrimónio, a nível paroquial, vicarial e diocesano

2.     Encontros vicariais sobre a espiritualidade da vida conjugal e familiar

3.     Publicação de um desdobrável sobre a boa nova do Matrimónio e da família cristã

4.     Ações de divulgação dos movimentos de espiritualidade conjugal

5.     Formação permanente do clero sobre a família e pastoral familiar

6.  Celebração dos dias litúrgicos de caráter familiar (Sagrada Família, Dia do Pai, Dia da Mãe, Dia dos Avós…)

7.  Constituição de novas equipas de Pastoral Familiar paroquiais e/ou vicariais

8.  Retiro Popular sobre o tema do ano

 

 

2.º Ano pastoral

Tema: Família, dom e missão

 

Objetivos específicos

1.  Redescobrir a família como berço da vida

2.  Promover a família como escola de humanização e cidadania

3.  Valorizar a família como lugar de vivência e transmissão da fé

4.  Tornar mais visível a presença da família nas comunidades cristãs

 

Atividades

1.  Encontros vicariais sobre a missão da família

2.  Formação para agentes de pastoral familiar

3.  Apresentação de testemunhos de famílias na comunidade cristã

4.  Ações de formação para pais

5.  Retiro popular sobre o tema do ano

6.  Espaço de acolhimento para casais em dificuldade

7.  Integração dos divorciados recasados na comunidade cristã, nos modos previstos pela Igreja

8.  Valorização da Semana da Vida

9.  Realização da Festa da Família

 

 

Formação para catequistas sobre ambientes seguros
25 de Janeiro
, às 09:30
Domingo da Palavra de Deus
26 de Janeiro
Retiro 24, para jovens
1 de Fevereiro
Formação sobre administração de bens da Igreja
8 de Fevereiro
, às 10:00
ENDIAD – Encontro Diocesano de Adolescentes
8 de Março
, às 09:30
Formação sobre administração de bens da Igreja
22 de Fevereiro
, às 14:30
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