Neste domingo, a diocese de Leiria-Fátima fez a sua peregrinação anual ao Santuário de Fátima. Pela nonagésima primeira vez, as estradas que vão dar a Fátima foram calcorreadas por fiéis das paróquias da Diocese e, a convite do bispo D. José Ornelas, participaram na Eucaristia que marcou o regresso das celebrações no recinto.
A caminho da Copva da Iria, ainda bem cedo, iamo-nos cruzando com diversos grupos. Os primeiros que encontrámos, vinham da paróquia dos Parceiros: um da catequese da sede daquela paróquia, outro do centro de Pernelhas. Já estavam quase na reta final, mas a boa disposição ainda se fazia sentir, mesmo com dezenas de quilómetros nas pernas. Natural dessa paróquia, Paulo Salgueiro partilhou na sua rede social que “apesar das dificuldades, a tradição manteve-se”. E acrescentou que “por vezes procuram-se grandes efeitos espirituais em simplicidade e conforto em algo que nos é agradável e apresentado como apenas um exercício de lógica, mas a verdadeira espiritualidade, consegue-se em coisas simples de facto, mas com compromisso e algum sofrimento: sair da nossa zona de conforto…”.
Na chegada ao recinto, em frente à Basílica da Santíssima Trindade, uma faixa de 10 metros aguardava que os peregrinos, os que quisessem, escrevessem o nome e a data do seu Batismo. Este era o mote para a Peregrinação deste ano como, aliás, serve que fio condutor para o triénio pastoral. O pano já tinha a inscrição de centenas de jovens – muitos deles escuteiros – que no dia anterior já tinham feito as suas atividades no Santuário. Enquanto alguns peregrinos aguardavam a vez para deixarem a sua marca, outros iam preparando as bandeiras que engalanariam a breve procissão a antecer os atos litúrgicos que se seguiriam.
A partir do tema que guiou a peregrinação: “Pelo Batismo, somos Igreja”, D. José Ornelas, na sua homilia, apresentou o sacramento de iniciação cristã como oportunidade para os “filhos de Deus criarem mundo novo”, na família, nos movimentos eclesiais e nas comunidades. “Foi no dia do nosso Batizado que nascemos para esta família que é a Igreja, uma Igreja que se está a renovar”, disse, ao evocar a Jornada Mundial da Juventude de Lisboa, o Sínodo da Igreja e a peregrinação diocesana como exemplos dessa mesma renovação.
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No final, ao garantir a presença maternal de Nossa Senhora na peregrinação terrena da Igreja, o presidente da celebração desafiou a comunidade diocesana a ser “expressão de Cristo no mundo” através do Espírito que receberam no Batismo, numa participação mais próxima e disponível na vida da Igreja e na realidade social do país.
No final da celebração, onde participaram mais de 10 mil peregrinos – de entre os quais, cerca de mil crianças e jovens –, os escuteiros distribuíram marcadores evocativos do Batismo, numa ação dinamizada pela pastoral familiar com o objetivo de incentivar os diocesanos a celebrar este sacramento, pessoalmente ou em família.
Antes da bênção final, D. José Ornelas convidou os peregrinos de Leiria-Fátima a concentrarem os piqueniques do almoço nos parques junto ao Centro Pastoral de Paulo VI, onde, durante a tarde, decorreu a “Festa diocesana”, que lembrou o passado, em ação de graça pelos dons recebidos pela JMJ Lisboa; evocou o tempo quaresmal presente, através de uma encenação de alguns passos da Paixão de Cristo; e perspetivou o futuro, a partir do Jubileu da Igreja.
Homilia integral (transcrição)
Irmãs e irmãos, encaminhamo-nos para a meta do percurso da Quaresma que nos conduz até à Páscoa, a festa da renovação, da vida e da esperança na nossa família, na igreja e no mundo, que bem precisa de transformação.
As leituras que acabámos de escutar, ajudam-nos a olhar, viver e projetar este presente em que vivemos e o futuro que estamos a preparar para nós e para os outros, e ajuda-nos a concentrar a nossa atenção em Jesus, aquele que nos guia neste caminho.
Na primeira leitura, o profeta Jeremias fala da vontade de Deus, do seu projeto, do seu sonho de estabelecer uma nova aliança com o seu povo. Aliança é um termo que significa compromisso colaboração mútua entre duas pessoas, dois grupos, dois países, para estabelecer pacificamente o relacionamento entre duas partes. A aliança de Deus, porém, não é como as nossas alianças: não é uma aliança militar para nos defender contra alguém, não é uma aliança comercial para defender os nossos interesses, não é uma aliança de países com motivos estratégicos. A aliança de Deus é a oferta da vida que Ele traz, porque só Ele é o verdadeiro Senhor da vida. Essa é a aliança. O Senhor da terra, o Senhor do mundo, o Senhor da nossa vida não quer estar longe dos nossos destinos, mas vem ter connosco. Israel já conhece este modo de ser de Deus, que procura estar sempre ligado à humanidade. Foi assim com Noé, com toda a humanidade e com este planeta. Foi assim com o Abraão, que ele chamou do meio das nações para ser um povo de benção para todos os povos da terra. Foi assim com Moisés, que se fez próximo de todos os oprimidos e injustiçados para dar nova vida e dignidade a toda a gente. Foi assim com David, assegurando que havia de providenciar sempre líderes para conduzirem o povo.
Mas havia de chegar um líder, um condutor, um pastor, que havia de guiar as nações. O que Jeremias anuncia é a vinda do Senhor Jesus, esse que é presença constante, atuante e cuidadora de Deus no mundo. Deus é sempre fiel a essa aliança. É como o pai e a mãe que velam sempre o filho. Mesmo quando é bebé, no meio das suas birras, o pai e a mãe estão lá e nunca se ausentam.
É assim que faz Deus conosco. As nossas infidelidades a essa aliança, tantas vezes como as de Israel, causam catástrofes, causam guerras, causam destruição, Destruição, não só da nossa vida, mas mas também do planeta em que vivemos. Deus é aquele que permanece sempre fiel. É nesse sentido que o profeta fala da necessidade de uma nova aliança, uma aliança de coração. Um bocadinho como as alianças que os esposos trocam entre si: sinal de uma aliança de coração, de uma aliança de amor. É isso que é o fundamento daquilo que o profeta anuncia, o amor de Deus que nunca desaparece, que é sempre fiel, que vai sempre à procura daqueles que ama, mesmo quando eles não lhe ligam. Ele está constantemente presente, renovando a sua aliança.
A nova aliança de que Jeremias fala, é mesmo uma aliança do amor de Deus para com o seu povo, para com todos os povos. É esse o sonho de Deus para o futuro que se quer construir. É pela ligação entre Deus e os homens e pela ligação entre nós humanos, que este mundo pode melhorar. A vinda de Jesus a este mundo é a realização dessa promessa, desse sonho de Deus de estar connosco e de dar vida a este mundo, de ajudar-nos a viver de uma forma humana, sensata, fraterna. É esse Jesus que vem, que é chamado o filho querido de Deus. Esta é a nova aliança que nos faz participantes na família do Pai do céu.
Quando Jesus foi batizado no rio do Jordão por João Batista, Ele não foi não foi batizado para lavar o pecado, porque Ele não tinha pecado, mas para assumir a nossa condição de pecadores, porque Deus não tem medo de entrar dentro da nossa fragilidade. É como nós, quando um filho adoece ou quando um filho vai por mau caminho, nós redobramos esforços, nós redobramo-nos de amor, porque é preciso salvá-lo, porque é preciso que cresça, é preciso que se salve. Este é o pensamento de Deus, o projeto e o sonho de Deus quando envia Jesus. Esta é, também para nós, aquilo que Deus diz no batismo a Jesus: tu és o meu filho muito querido. É aquilo que diz a cada um de nós quando é batizado: tu és o meu filho querido, a minha filha querida; em ti eu tenho muito gosto, e nunca te vou deixar cair da minha mão, porque és meu filho, porque és minha filha, porque te dei o meu Espírito e com ele te tornas filho ou filha de Deus. Esta também é a raiz fundamental estarmos juntos em Igreja. A Igreja não é só porque estamos juntos. Foi o Pai que foi que nos chamou, foi o Espírito que nos deu a qualidade de filhos. Só podemos chamar-nos irmãos e irmãs, porque temos o mesmo Pai do céu, e por isso, qualquer que seja a cor da nossa pele, qualquer que seja a nossa cultura e a nossa língua, nós somos todos filhos e filhas do Pai do céu e, portanto, irmãos e irmãs uns dos outros.
Jesus veio para este mundo precisamente para mostrar esse amor, um amor até o fim, até dar a vida. Jesus diz: eu, quando for levantado — isto é, quando for crucificado — vou atrair todos a mim, porque todos hão de ver quanto é que Deus ama o mundo, que não tem medo de se dar até o seu Filho unigénito. E Jesus sonhou este sonho com o Pai, um sonho tal, que fez com que ele não tivesse medo, nem do sofrimento, nem da injustiça, nem da morte, nem da cruz, porque é em nome do amor que Deus tem por nós, que Ele deixou e aceitou tudo isso que comportava criar o mundo novo com tanta gente que não está interessada em ter um mundo novo. Ele é aquele, como diz a Carta aos Hebreus que ouvimos, que apesar de ser filho, aprendeu a obediência naquilo que sofreu. Parece difícil de entender; parece que Deus castigou Jesus. Não, não é nada disso: obediência significa que Jesus sonhou o sonho do Pai. Quando a gente obedece verdadeiramente, é porque entendeu que aquilo que nos pedem é bom, e que mesmo que não entendamos tudo, nós aderimos, porque fazemos parte, mesmo que nos custe. Essa é a obediência.
E Jesus sonhou o sonho do Pai e, por isso, através do sofrimento, ele veio nos trazer a salvação e a vida. É por isso que Jesus se dedica aos sofredores, aos necessitados, desde sempre, aqueles que tinham dores, aqueles que eram excluídos, aqueles que tinham necessidade de alguém que lhes deitasse a mão, porque não poderiam sobreviver sozinhos, como fazem os pais com a criança que nasce e que não pode viver sozinha sem os pais. É esse o sentido do amor de Deus, do amor que se revela em Jesus. Esta é a nova aliança de que fala o profeta Jeremias, a aliança do amor que transforma, que une, que nos une na mesma atitude de Jesus e que cria a Igreja, porque nós somos filhos e filhas desse amor.
Também nós somos capazes de dar o nosso tempo, a nossa vida, a nossa fé, para que outros possam viver. Aquilo que nós vivemos nas jornadas mundiais da juventude foi precisamente isso: uma expressão dessa totalidade do amor de Deus que chega a todos. E de todo o mundo estiveram aqui em Fátima, sobretudo em Lisboa, porque o coração deles começou a palpitar ao mesmo ritmo do coração de Deus.
Finalmente, diz o evangelho de hoje que uns gregos vieram dizer ao apóstolo Filipe que queriam ver Jesus. Filipe foi ter com André e os dois foram dizer a Jesus: há um mundo que quer ver Jesus. Eles não conhecem Jesus, mas querem vida, querem felicidade, querem um mundo melhor, querem um mundo de paz, de entendimento, porque vêem este mundo a ser destruído pelo se uso que fazemos dele, pela guerra que se deflagrou em tantas partes, pela injustiça que faz com que uns tenham muitos e outros tenham pouco. Estes são aqueles que querem ver Jesus e que sonham com o mundo melhor. Jesus sonha esse mundo com eles. São os apóstolos que levam esta gente até Jesus e que falam deles a Jesus. Este é o modelo da Igreja que nós somos.
Jesus terminou a sua vida fazendo o bem, oferecendo tudo aquilo que tinha e que tinha como filho de Deus. Agora é importante que os discípulos continuem o mesmo caminho. É isso o que acontece pelo Batismo. No Batismo, nós somos chamados filhos e filhas de Deus, parecemo-nos com o Pai do céu para criar o mundo novo nas nossas relações, a começar pelo ninho onde nascemos que é a nossa família, pelo ninho da fé onde nascemos, a nossa paróquia, as nossas comunidades, os movimentos a que pertencemos, os escuteiros onde aprendemos a crescer como gente ativa na sociedade, a catequese onde aprendemos a conhecer Jesus. Tudo isto é o fundamento da nossa fé, que nasce com o batismo.
Hoje, trouxemos uma uma grande uma grande faixa com o nosso nome e a data do nosso nascimento. Foi aí que nascemos para esta vida que não acaba, para esta família que é a Igreja e que se reúne neste momento por todo o mundo, com milhões e milhões de pessoas. Somos muitos. A Igreja não pode pensar que está morrer. Não está, não! Olhem quantos estamos cá, de todas as idades, olhem quantos estivemos na JMJ, olhem para esta nossa Diocese, que está a tentar renovar-se, olhem para a Igreja toda no caminho Sinodal que está a fazer e que se quer renovar. Isto é fruto do Espírito que nós recebemos no Batismo.
Hoje é necessário que a cada um e a cada uma de nós assuma este papel de Filipe e de André que vão dizer ao mestre há gente que tem sede de vida, que há gente que tem sede de justiça, que há gente que tem sede de uma mão que cuide. E é preciso que nós sintamos também isso para sermos expressão daquilo que Jesus é, porque é isto que fazemos com o mesmo Espírito do Batismo. As nossas comunidades vão precisar de nós, a começar pela nossa família. Os escuteiros vão precisar de adultos, de chefes, as nossas crianças vão precisar de catequistas, os nossos jovens vão precisar de líderes para que cresçam e se impliquem neste mundo, este país vai precisar de políticos, os nossos anciãos vão precisar de quem cuide deles, e isso é o que o Espírito nos dá.
Que o Senhor nos ajude, hoje, a sermos verdadeiramente os que levam Cristo ao mundo. E para terminar, aqui, na Cova da Iria, nesta casa da mãe: Maria é precisamente aquela que, quando recebeu o Espírito que nós recebemos no Batismo, o mesmo Espírito que lhe disse que ela tinha Cristo consigo, não ficou simplesmente fechada em si, mas partiu para levar Cristo a Isabel e a todo o seu povo. Maria acompanha essa Igreja, não fica em casa. Maria está constantemente a acompanhar a peregrinação da Igreja neste mundo, como veio aqui acompanhá-la com os pastorinhos para dar nova vida a esta terra.
Que o Senhor nos ajude assim a vivermos o nosso Batismo, a dá-lo a conhecer e a transformar este mundo pelo Espírito que no Batismo recebemos. Ámem.
Com Santuário de Fátima