No Advento de 1961, foi convocado pelo Papa João XXIII o Concílio Ecuménico Vaticano II, que viria a ser inaugurado 10 meses depois, tendo terminado em 1965, já com o Papa Paulo VI. O bispo de Leiria, D. João Pereira Venâncio (nomeado em 1958, até 1972), esteve entre os prelados presentes nesta reunião magna da Igreja, onde participou como padre conciliar nas quatro sessões.
Do Concílio Ecuménico Vaticano II emanaram um conjunto de documentos, entre os quais a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, que expressava o desejo da reforma litúrgica da Igreja: “É desejo ardente na mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e activa participação nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da Liturgia exige e que é, por força do Baptismo, um direito e um dever do povo cristão, raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido” (Normas gerais, “Sacrosanctum Concilium”, 1963).
Um pouco por todo o mundo cristão e também em Portugal, já se assistia desde o início do século XX ao desejo de uma reforma litúrgica da Igreja, com o registo de experiências, movimentos e acções que procuravam concretizá-la. Um dos exemplos é a fundação do MRAR – Movimento de Renovação da Arte Religiosa, em 1952, em Lisboa. Correspondendo à concretização da vontade de um grupo de artistas católicos empenhados em elevar a arquitectura religiosa e a arte sacra em Portugal a uma maior dignidade e qualidade plástica, era composto por um número significativo de arquitectos, artistas plásticos e historiadores de arte, entre os quais se estabeleceram contactos também com diversos arquitectos e artistas na Diocese de Leiria, como foi o caso do mestre Joaquim Correia, que produziu diversas peças artísticas que ainda figuram nas nossas igrejas.
O movimento empenhou-se em traçar igrejas marcadas por um novo programa e por um novo conceito eclesial. O desejo de serviço pastoral levou à edificação, já não apenas de templos, mas também de centros paroquiais, como extensão da acção pastoral da comunidade. A linguagem plástica utilizada devia ser a do seu tempo, feita de materiais e técnicas modernas de construção, nomeadamente, o betão e o tijolo aparente. Cada edifício devia ser único e a sua forma resultava do contexto rural ou urbano em que se inseria, cuja premissa era a integração no ambiente local.
A partir do Concílio Vaticano II, redefine-se um novo rosto para a Igreja, traduzido nas noções de “Povo de Deus” e “Comunhão”. A noção correlativa de “Assembleia Santa”, comunidade concreta reunida em liturgia, e a visibilidade do mistério da Igreja ressurgem como matrizes do novo santuário e do espaço litúrgico. Este novo conceito de liturgia como o “Povo Santo reunido” (SC 26), à luz do pensamento conciliar do Vaticano II, trouxe, assim, uma nova eclesiologia aos espaços, “consciente de que a principal manifestação da Igreja tem lugar na participação plena e activa de todo o povo santo de Deus nas celebrações litúrgicas, especialmente na Eucaristia”.
A norma suprema na construção dos edifícios sagrados é que eles sirvam para a celebração das acções litúrgicas e favoreçam a participação activa dos fiéis. A assembleia dos convocados, esse corpo místico da Igreja com “Cristo por cabeça”, materializa-se na liturgia eucarística como o lugar do encontro e o pólo congregador dos fiéis, construindo juntos esse templo de pedras vivas, também no coração de cada homem – o templo onde Deus quer habitar! A igreja é, assim, o lugar necessário para que os homens realizem simultaneamente este duplo encontro uns com os outros e com Deus, destinada à acção litúrgica a celebrar pelo “Povo de Deus”, sacerdotal, real e profético.
Ao longo do ano litúrgico, a assembleia santa – comunidade cristã local – reúne-se no edifício de culto em comunhão com toda a Igreja universal, para fazer memória do Mistério Pascal de Cristo, na escuta das Escrituras, na celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos e sacramentais, por norma, em torno do altar eucarístico. Portanto, segundo as normas actuais a adoptar para a construção/adaptação das igrejas, o foco litúrgico deve dirigir-se sempre para o Altar ou Mesa do Sacrifício e da Ceia Pascal – a Mesa do Senhor –, que é o centro da acção de graças celebrada na Eucaristia. Para este centro se devem orientar todas as celebrações litúrgicas da Igreja. Sobre o altar é perpetuado, através de todos os tempos, de forma sacramental, o Sacrifício da Nova Aliança. O altar deve estar livre e pode ser rodeado, de tal forma que, na celebração eucarística, o sacerdote possa estar voltado para o povo. O altar deve formar o centro do espaço litúrgico, que atrai a si automaticamente a atenção da comunidade reunida.
Nas igrejas pós conciliares, toda a cena litúrgica se deve concentrar no altar, pois este constitui-se na liturgia eucarística como a fonte de todos os sacramentos da Igreja, uma vez que é a “Mesa” do supremo “Sacrifício Pascal”, tal como se pode inferir do Evangelho na descrição da cena da morte de Cristo: “um dos soldados trespassou-Lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água” (Jo 19, 34).
Em Leiria, como no resto do País e do mundo, foram criadas novas paróquias e surgiu a necessidade de se construírem novas igrejas, bem como de se proceder à adaptação litúrgica das existentes, de acordo com as novas normas pós-conciliares.
Nos primeiros anos após o Concílio, surge na Diocese a construção da igreja paroquial de Nossa Senhora da Conceição, de Santa Eufémia, em 1968, traçada pelo arquitecto João Mota Lima, com diversos contributos de artistas plásticos, e que mais tarde viria a ser complementada com a construção de um complexo pastoral, da autoria do arquitecto Erich Corsépius, em 1988.
Esta igreja é um dos exemplos mais interessantes da arquitectura religiosa pós-conciliar da Diocese de Leiria-Fátima, traduzindo-se num espaço construído e organizado segundo as novas normas litúrgicas, enriquecido com belas peças artísticas de tapeçaria e escultura, da autoria de Joaquim Correia, nomeadamente, uma representação da Última Ceia, a escultura na fachada e a pia baptismal, numa simbiose harmoniosa entre arte e arquitectura. É também um bom exemplo de integração da igreja com o complexo pastoral, desenhado como um claustro conventual, agregando o programa de salas de catequese, auditório e outros espaços de apoio, num projecto da autoria do arquitecto Erich Corsepius, cerca de 20 anos depois, resultando num conjunto arquitectónico coerente e um exemplar notável do património cultural da Diocese.
Humberto Dias
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