“Varão seguro e prudente” é a caraterização do padre Manuel Marques Ferreira, pároco de Fátima à altura das aparições, feita pelo padre José Carreira, no seu livro sobre o clero leiriense.
Nascido no lugar de Casal Menino, paróquia de Espite, a 22 de março de 1880, filho de família católica onde se ordenaram vários padres, frequentou os seminários de Leiria e de Santarém e recebeu também ele a ordenação, a 26 de julho de 1908. A primeira missão que recebeu foi como pároco de Ourém, onde esteve apenas cerca de um ano, seguindo, em 1910, para a paróquia da Sabacheira (Tomar).
Em 1914, é nomeado pároco de Fátima, onde permaneceu até 1920, sendo, portanto, ele a acompanhar os acontecimentos de 1917 e os três primeiros anos do crescimento galopante da romagem à Cova da Iria como lugar de peregrinação.
É, sobretudo, esta relação com Fátima que o torna um das figuras de relevo da história da Igreja em Portugal, naquele início do século XX, e que aqui resumimos tendo como principal fonte a respetiva entrada na Enciclopédia de Fátima, assinada pelo padre Luciano Cristino.
O padre Manuel Marques Ferreira teve conhecimento da história da primeira aparição, provavelmente, uma semana a quinze dias depois. “Ainda antes dos finais de maio, chamou à casa paroquial, pela primeira vez, a principal protagonista dos acontecimentos, Lúcia de Jesus. A partir daí, foi fazendo os seus interrogatórios, dos quais tomou apontamentos, com a intenção de os vir a usar no futuro”. Esses apontamentos perderam-se, mas são diversas vezes referidos por quem os viu, como foi o caso do padre Lacerda, diretor de “O Mensageiro”, que os terá transcrito, em grande parte, em outubro de 1917, quando também ele vai interrogar pessoalmente os videntes. Os mesmos apontamentos foram, ainda, a base do relatório paroquial que o padre Manuel envia ao Patriarcado de Lisboa, em abril de 1919.
Quem recorda bem aquele primeiro encontro é a outra protagonista, Lúcia de Jesus, que escreve nas suas Memórias: “O Senhor Prior[. ..] chama-me para junto da sua escrivaninha. Quando vi Sua Rev.ª interrogando com toda a paz e até com amabilidade, fiquei admirada. No entanto, conservava a expectativa do que viria. O interrogatório foi muito minucioso e, quase me atrevia a dizer, maçador. Sua Rev.ª fez-me uma pequena advertência, porque, dizia: «Não me parece uma revelação do Céu. Quando se dão estas coisas, por ordinário, Nosso Senhor manda essas almas a quem Se comunica dar conta do que se passa a seus confessores ou párocos e esta, ao contrário, retrai-se quanto pode. Isto também pode ser um engano do Demónio. Vamos a ver. O futuro nos dirá o que havemos de pensar»”.
Sabe-se que continuou a acompanhar o caso e a falar com as crianças e seus familiares e tinha ainda esta posição “reservada” em agosto, quando se vê envolvido no polémico “rapto” dos videntes para Ourém, por parte do administrador concelhio, quando se preparavam parar rumar à Cova da Iria para o encontro “marcado” com Nossa Senhora no habitual dia 13. Por isso, faz publicar o desmentido em vários jornais, como é o caso de “O Mensageiro”: “Venho repelir tão insidiosa calúnia, bradando ao mundo inteiro que não tomei a mais pequenina parte, quer directa quer indirectamente, em tão odioso e sacrílego acto”. E aproveita para explicar: “Se a minha ausência como pároco no lugar das aparições se faz sentir nos crentes, a minha presença não menos se faria sentir aos descrentes, em desprimor da verdade dos factos. A Virgem não precisa da presença do pároco para mostrar a sua bondade, e é necessário que os inimigos da religião não possam deslustrar o brilho de Sua benevolência atribuindo a crença dos povos à presença ou conselho do pároco, porque a fé é um Dom de Deus e não dos Padres: eis o motivo verdadeiro da minha ausência e aparente indiferença em tão sublime e maravilhoso assunto; eis porque não tenho dado meu claro parecer às mil interrogações e cartas que se me têm dirigido”.
Pelas mesmas razões, esperou o final da série de aparições anunciadas pelos pastorinhos, até outubro, para enviar ao Patriarcado de Lisboa uma comunicação sobre esses acontecimentos, com o pedido de nomeação de uma comissão para averiguação do caso. Em resposta, tanto o pároco de Fátima como os vigários de Ourém e de Porto de Mós foram encarregues de “recolher depoimentos do maior número possível de pessoas fidedignas que tenham sido testemunhas presenciais dos factos ocorridos” e elaborar os seus relatórios. O pároco quis ser minucioso neste trabalho e só enviou o seu relatório em abril de 1919, dois meses antes de sair da paróquia. Estaria também à espera que chegasse um novo bispo a Leiria, diocese restaurada em 1918, mas tal só aconteceria em maio de 1920. O relatório paroquial viria a ser a base documental mais importante de todo o Processo Diocesano.
O padre Manuel Marques Ferreira foi nomeado pároco da Maceira, em 1920, e de São Simão de Litém, em 1927, onde esteve até falecer, vítima de cancro, a 26 de janeiro de 1945.
Luís Miguel Ferraz
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