Assim que foi restaurada a Diocese de Leiria, a 18 de janeiro de 1918, começam as diligências para a nomeação do primeiro bispo. No jornal “O Mensageiro” surge, desde logo, a rubrica “Bispado de Leiria”, onde fala de reuniões do clero, recolha de fundos para o bispo, composição do Cabido, regresso do Seminário, etc.
Na edição de 27 de junho, é publicada a execução da Bula Papal pelo administrador apostólico, cardeal Patriarca de Lisboa, e a nomeação do vigário geral (padre João Quaresma) e dos consultores diocesanos.
Daí a meses iria começar outra campanha no jornal: o pedido à Santa Sé para que fosse nomeado um bispo. Mas os meses vão passando e os padres José Ferreira de Lacerda e Júlio Pereira Roque, dois grandes lutadores pela restauração, vão manifestando a impaciência dos diocesanos. Em setembro de 1919, desabafam: “Por motivos ponderosíssimos, somos obrigados a abster-nos por enquanto da campanha que andávamos fazendo a favor da diocese e do seminário. Aguardemos a reunião do clero para ali se ventilarem certos assuntos”. Mas o silêncio vai prolongar-se, apesar de alguns textos darem a entender movimentações diversas no processo. A 9 de abril de 1920 ainda dizia “O Mensageiro” que “os católicos da diocese de Leiria esperam ansiosamente a nomeação e vinda do novo prelado”, acrescentando, em tom irónico: “A ansiedade em que se vive faz com que corram boatos e com que se nomeiem bispos com tanta facilidade como se nomeiam ministros em Portugal […]. Oremos e aguardemos”.
Não foi preciso esperar muito mais. A 23 de abril, a primeira página mostrava uma grande gravura do bispo eleito de Leiria e o grito jubiloso: “Católicos e habitantes da cidade e diocese de Leiria! A Sé Catedral de Leiria, coberta de luto há tantos anos, veste-se de galas com a nomeação do seu novo Prelado – Ex.mo e Rev.mo Sr. D. José Alves Corrêa da Silva! / «O MENSAGEIRO» saudando o novo Prelado, saúda-vos também a vós! / Viva a Diocese de Leiria!”. Nas edições seguintes, o assunto é destacado com informações sobre o novo bispo, as reuniões do clero, a comissão de receção, a campanha de recolha de fundos, etc.
Mas, afinal, o que aconteceu durante aqueles dois anos? O livro “Fátima”, publicado por D. Carlos Azevedo em abril deste ano, vem esclarecer muito sobre o assunto, a partir da documentação por ele consultada no Arquivo Secreto do Vaticano. Parece que a razão foi um conjunto de acasos, burocracias e rejeições de nomes propostos.
O primeiro a ser indicado pelo Patriarca de Lisboa, D. António Mendes Belo, foi D. Sebastião de Vasconcelos, bispo de Beja que estava desterrado e que recebeu a reprovação de outros bispos e de alguns leirienses. Outros nomes vão surgindo, como o cónego António Antunes, vice-reitor do Seminário de Coimbra, mas natural de Leiria e aqui “muito amado estimado”. No entanto, o bispo de Coimbra pede-o como coadjutor em finais de 1918, o que se concretiza em agosto de 1919, pelo que tudo volta à “estaca zero”. Só no final desse ano se reinicia o processo, no qual surgem como mais consensuais os nomes de José Alves Correia da Silva e de Agostinho de Jesus e Sousa. O Núncio Apostólico adianta o parecer de preferir o primeiro: “é bom orador e parece mais ativo, energético e preparado nas questões sociais, tão úteis nestes tempos e especialmente neste país”.
A decisão é comunicada ao eleito em fevereiro de 1920. A recente investigação de Marco Daniel Duarte no Arquivo Diocesano de Leiria-Fátima, que dirige, veio descobrir que o cónego Correia da Silva ainda terá recusado, alegando que seria “missão superior” às suas forças e lembrando até o facto de já ter sido preso político.
Mas a insistência da Santa Sé viria a ser determinante para a aceitação e consequente nomeação, a 15 de maio de 1920. Sobre a entrada na Diocese, a 5 de agosto desse ano, o extenso relato de “O Mensageiro” não deixa margem para dúvidas sobre a grandiosidade da festa que foi.
Luís Miguel Ferraz
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